Bruno Yudi Soares Koga

No dia 9 de junho, foi aprovado o Projeto de Lei (PL) <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148400" target="_blank" rel="noopener noreferrer">1805/2021</a> pelo Senado Federal, cujo propósito é: “aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento” através de alterações no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no Estatuto do Idoso, seguindo então para sanção presidencial.
A aprovação encerra, salvo veto presidencial e novas discussões, um longo histórico de deliberação legislativa, visto que o projeto originário havia sido apresentado inicialmente em 02/08/2012 pelo então Senador José Sarney (<a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106773" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PLS 283/12</a>) e aprovado em 28/10/2015, seguindo então à Câmara dos Deputados como <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2052490" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PL 3515/15</a> até 11/05/2021, ainda que houvesse <a href="https://idec.org.br/campanha/superendividamento" target="_blank" rel="noopener noreferrer">campanha do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)</a> para que fosse aprovado no ano de 2019.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Aliás, no mesmo ano, preocupante pesquisa da <a href="https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/inadimplencia-atinge-63-milhoes-de-consumidores-em-marco-e-bate-recorde-historico-revela-serasa-experian" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Serasa Experian</a> foi divulgada e apontou que havia 63 milhões de inadimplentes no Brasil em março de 2019, o que representava “40,3% da população adulta do país”.
Contudo, foi a partir da pandemia ocasionada pelo coronavírus que maiores movimentações pela aprovação do PL vieram a ocorrer, sendo ele considerado até mesmo como a <a href="https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/pl-superendividamento-saida-pos-pandemia-brasil" target="_blank" rel="noopener noreferrer">“saída pós-pandemia para o Brasil”</a>.
Não é surpreendente que o PL tenha recebido novo fôlego, quando dados da <a href="https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios COVID-19 (PNAD COVID-19)</a> apontam taxa de desocupação de 14,4%, o que ainda se torna mais impactante quando se verifica que <a href="https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/trabalho.php" target="_blank" rel="noopener noreferrer">41% dos domicílios recebem auxílio emergencial</a> e houve redução de rendimentos em 19,6% dos entrevistados.
Tais dados apontam que a taxa de desocupação e a redução do auxílio emergencial podem levar a uma impontualidade massiva nos financiamentos e empréstimos, dificultando ainda mais a situação econômica do país. Diante deste quadro, há de se perguntar se a Lei do Superendividamento teria capacidade efetiva de alinhar incentivos entre credores e devedores a fim de que esta situação atípica seja superada.
Pois bem, as alterações no CDC podem ser divididas, como o próprio preâmbulo da lei deixa claro, em prevenção e tratamento do superendividamento. Considerando-se superendividamento “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial (...)”, ressalvadas as hipóteses de fraude e má-fé (art. 54-A).
A prevenção se dá com base na imposição de deveres informacionais (especialmente arts. 4º, IX, 6º, XIII, 54-B e 54-D) e na criação de novas práticas e cláusulas abusivas (especialmente arts. 54-C, 54-D, parágrafo único, 54-E e 54-G), técnicas de redação que jamais passam impunes sob a literatura especializada mundial.
De um lado, os deveres informacionais são bem vistos por conta de sua menor interferência nas relações ocorridas entre particulares, mas também são recebidos como técnicas que pouco auxiliam os consumidores menos sofisticados<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A despeito destas críticas, alguns dispositivos merecem aplausos, especialmente as previsões dos arts. 54-B, que trata dos deveres informacionais nos contratos de crédito e venda a prazo, e 54-C, que apresenta importantes limitações publicitárias, especialmente à luz das descobertas da Economia Comportamental<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.</blockquote>
A sanção ao incumprimento das obrigações informacionais é extremamente severa, podendo “acarretar judicialmente a inexigibilidade ou a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor”, conforme o art. 54-D, parágrafo único.
Tal dispositivo certamente dará margens a inúmeras discussões quanto aos critérios de revisão dos contratos e à possível elevação de preços dos produtos e redução dos juros nos financiamentos como forma de adequação do mercado à nova legislação.
Passando ao ponto nodal das alterações, a Lei do Superendividamento cria uma espécie de “Recuperação Judicial” do Consumidor, no qual o devedor pessoa natural apresentará um plano de pagamento a seus credores, limitando-se a discussão às obrigações decorrentes de relação de consumo (art. 104-A).
Trata-se de uma medida que <a href="https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">já ocorria por conta da iniciativa privada</a>, embora não tivesse o caráter impositivo de um procedimento judicial no qual a ausência do credor implicasse em “suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora”, além de “sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida” em determinadas condições (art. 104-A, §2º).
Mais grave é a possibilidade de ampla revisão judicial de contratos em caso de fracasso da negociação, situação na qual “o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório (...)” (art. 104-B).
Esta medida se mostra extremamente polêmica, ainda que haja limitação pagamento do “valor do principal” devidamente corrigido (art. 104-B, §4º), pois igualmente incentiva, nos contratos de financiamento, o aumento do preço do produto e a redução dos juros nominais.
Além disto, certamente haverá discussões a respeito da ausência de critérios nas revisões judiciais, não sendo descabido rememorar a ampla discussão dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no <a href="https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&amp;aplicacao=processos.ea&amp;tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&amp;num_registro=200101989364" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Recurso Especial 402.261/RS</a>, no qual se debateu a ausência de critérios objetivos na revisão judicial de taxas de juros.
Em resumo, a Lei do Superendividamento trará consideráveis alterações ao CDC e tais inovações provavelmente darão ensejo a uma resposta do mercado em sua precificação.
Ao fim e ao cabo, porém, a nova legislação não parece ser a solução dos problemas que serão enfrentados no pós-pandemia, provavelmente mais relacionados à renda, sem a qual não é possível renegociar dívidas.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Por todos, veja-se: BEN-SHAHAR, Omri; SCHNEIDER, Carl E., The Failure of Mandated Disclosure, University of Pennsylvania Law Review, v. 159, p. 647–749, 2011.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre o impacto causado por expressões como “grátis” na escolha do consumidor, veja-se: ARIELY, Dan, Predictably Irrational: The hidden forces that shape our decisions, Londres: HarperCollinsPublishers, 2009.

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JOTA

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