Stephanie Asquini

Guilherme Jardim Jurksaitis

A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos especializados é matéria frequente na literatura jurídica e na prática forense. Este artigo se propõe a examinar um aspecto específico do tema, que é o da singularidade do objeto enquanto elemento autorizativo da hipótese de inexigibilidade de licitação para a contratação dessas atividades.
A Nova Lei de Licitações (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm">Lei 14.133/21</a>) não menciona em seu texto a singularidade como condicionante da contratação direta por inexigibilidade, o que difere da sistemática prevista na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm">Lei 8.666/93</a>.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>Mas será que essa é, de fato, uma inovação que repercutirá nas práticas cotidianas das contratações públicas? O texto abaixo procura responder a esta indagação.
<h3>A Lei 8.666/93 e os serviços técnicos especializados</h3>
A inexigibilidade de licitação está prevista no art. 25 da Lei 8.666/93 para os casos em que “houver inviabilidade de competição” entre potenciais contratados.
O art. 25, II prevê hipótese de inexigibilidade para a contratação de “profissionais ou empresas de notória especialização” para a execução de serviços técnicos de “natureza singular”. Os serviços de “natureza singular” estão referidos no art. 13 da Lei 8.666/93 e incluem, por exemplo, a elaboração de estudos técnicos, projetos básicos, pareceres, consultorias técnicas, defesa de causas judiciais ou administrativas, entre outras atividades.
O § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93, por sua vez, define como de “notória especialização o profissional ou a empresa cujos atributos, mencionados na mesma norma, indiquem que o “seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
Assim, na Lei 8.666/93, essa modalidade de inexigibilidade requer três condições: (i) a inviabilidade de competição (art. 25, caput); (ii) a demonstração dos atributos da “notória especialização” do contratado (art. 25, II e § 1º) e (iii) a singularidade do serviço a ser contratado (art. 25, II).
<h3>A nova Lei de Licitações e os serviços de natureza predominantemente intelectual</h3>
Por sua vez, a nova Lei de Licitações cuidou da inexigibilidade em seu art. 74.
O art. 74, III da nova lei apresenta uma relação de “serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual” que podem ser contratados sem a realização de licitação. Exceto pela inclusão de serviços de controle de qualidade e de análises, a relação do art. 74, III da Lei 14.133/21 não difere dos serviços mencionados no art. 13 da Lei 8.666/93.
O mesmo art. 74, III da Lei 14.133/21 prevê que referida hipótese de contratação direta só pode ser feita com “profissionais ou empresas de notória especialização”. Deste modo, o § 3º do art. 74 indica quais são os predicados da “notória especialização”.
Aqui, também não há diferença entre os atributos mencionados pelo § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93 e os descritos pelo § 3º do art. 74 da nova lei. Mas é pertinente anotar que a nova lei se vale da expressão “[trabalho] essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato”, no lugar de “[trabalho] indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
De toda sorte, conclui-se que, na Lei 14.133/21, a inexigibilidade de licitação para serviços técnicos especializados requer a presença de três circunstâncias: (i) a inviabilidade de competição (art. 74, caput); (ii) a demonstração dos atributos da “notória especialização” pelo contratado (art. 74, III e § 3º); e (iii) a “natureza predominantemente intelectual” do serviço (art. 74, III).
Comparando a sistemática da nova lei com a da Lei 8.666/93, verifica-se que a singularidade do objeto não é expressamente mencionada na nova lei.
<h3>A singularidade sumiu</h3>
Diferentemente da Lei 8.666/93, o novo texto não faz alusão explícita ao caráter “singular” do serviço a ser contratado mediante inexigibilidade de licitação. Mas o que isso significa na prática? A ausência de menção textual ao caráter singular do serviço faz com que esse aspecto deixe de ser obrigatório nas contratações de serviços técnicos especializados feitas por inexigibilidade de licitação?
É de se notar que a nova lei não abdicou de dizer o que espera da natureza ou das características dos serviços em questão. Ocorre que, se antes os qualificava como de “natureza singular”, agora passou a se referir a eles pela característica de sua “natureza predominantemente intelectual”.
Assim, ao falar em natureza predominantemente intelectual, a nova Lei de Licitações exige dos serviços técnicos especializados um patamar próprio e ainda maior de complexidade, que os diferencie de quaisquer outras atividades – que devem ser contratadas por licitação e que não demandam, para a sua fiel execução, predominância do componente intelectual. Afinal, é preciso reconhecer a presença de uma circunstância ou característica verdadeiramente especial, no objeto ou no seu executor, para afastar a regra dita geral do dever de licitar.
Se, em um primeiro momento, a mudança pode parecer perfunctória, um segundo olhar mostra que a nova lei procurou diminuir as dúvidas quanto à identificação objetiva do caráter singular do serviço, que é deveras abstrata e de difícil demonstração no plano concreto. Ao trocar a singularidade pelo componente intelectual da atividade que se quer contratar, o novo texto aponta para uma característica do objeto que é precisamente demonstrável e que a aproxima dos atributos esperados de seu executor.
Ao deixar de aludir expressamente à singularidade do serviço, substituindo-a pelo componente eminentemente intelectual necessário para a sua correta realização, a nova lei conferiu relevo ainda maior ao requisito subjetivo da “notória especialização” do contratado. Afinal, só faz sentido exigir notória especialização daquele que realiza um trabalho técnico quando houver relação umbilical entre o serviço contratado e o seu executor, o que implica muitas vezes em exercício intelectual que só pode ser por ele desempenhado.
É interessante registrar que parte significativa dos atributos da notória especialização, previstos tanto na Lei 8.666/93 quanto na Lei 14.133/21, esteja diretamente relacionada com o aspecto intelectual necessário à realização dos serviços, como “estudos”, “publicações”, “organização” e “equipe técnica” (art. 25, § 1º da Lei 8.666 e art. 74, § 3º da nova lei). Igualmente, o rol exemplificativo de serviços técnicos passíveis de serem contratados por inexigibilidade, tanto na Lei 8.666/93 quanto na nova lei, são, a princípio, todos de natureza predominantemente intelectual. Como se disse anteriormente, as normas de ambas as leis que cuidam desses assuntos são (quase) idênticas, permitindo inferir que, talvez, o que sempre se quis foi reconhecer a singularidade do objeto por intermédio da identificação e demonstração do componente intelectual necessário para sua realização.
Aparentemente, a nova lei não aceita contratações por inexigibilidade para a execução de serviços comuns ou ordinários, ainda que realizados por notório especialista. A contratação direta por inexigibilidade, segundo o novo texto, presta-se a serviços tão intelectualmente sofisticados que só podem ser adequadamente executados por prestadores com altíssima qualificação.
Em julgamento ainda recente, exarado antes mesmo da publicação da nova lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) descreveu como singular o serviço que “escape à rotina do órgão ou entidade contratante”, cuja atividade “envolva complexidades que tornem necessária a peculiar expertise”. Assim, o STF excluiu do conceito o serviço tido como “trivial ou rotineiro” (BRASIL. STF. ADC 45/DF, 4003252-92.2016.1.00.0000, Plenário virtual, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Sessão de 23/10/2020).
Ao que parece, portanto, apesar da supressão da menção à “natureza singular” no texto da nova lei, não haveria mudança significativa na prática das contratações de serviços técnicos especializados feitas por inexigibilidade de licitação. É difícil, se não impossível, encontrar um serviço corriqueiro, ordinário, para cuja fiel execução se demandasse o emprego precípuo do componente intelectual a ponto, inclusive, de justificar a presença de um notório especialista.
Novamente, como não poderia deixar de ocorrer, a construção de respostas possivelmente emergirá do importante papel dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Poder Judiciário.
Até lá, cumpre ao gestor público um exercício interpretativo lastreado pela meticulosa cautela que já era demandada sob o regime anterior.
*As opiniões são de exclusiva responsabilidade dos autores e não se confundem com as das instituições que integram.

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JOTA

Na prática, novo texto manteve requisitos da Lei 8.666/93 para a inexigibilidade de serviços técnicos especializados

A nova Lei de Licitações e a &#8216;natureza singular&#8217; dos serviços técnicos especializados

A nova Lei de Licitações e a 'natureza singular' dos serviços técnicos especializados

Na prática, nova Lei de Licitações manteve requisitos da Lei 8.666/93 para a inexigibilidade de serviços técnicos especializados