Karina Houat Harb
Presidente da Comissão de Estudos sobre Licitações do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA)
De observância obrigatória desde o último dia 30 de dezembro, quando por força de seu dispositivo 193, II foram revogadas a Lei 8.666/93, 10.520/02 e os artigos 1º a 47-A da Lei 12.462 (RDC), a Lei 14.133/21 – conhecida como nova Lei de Licitações – enfim reina soberana enquanto veiculadora das normas gerais de licitações e contratações públicas.
Não se olvide, contudo, que apesar de revogadas, as Leis 8.666/93, 10.520/02 e artigos 1º a 47-A do RDC terão ultratividade, conforme previsto na própria Lei 14.133/21 que, em seu artigo 191, conferiu faculdade à administração em optar por licitar ou contratar diretamente, de acordo com esta nova lei ou em conformidade com as leis supracitadas, até o prazo de revogação destas e, determinou, nos casos de opção pelas leis anteriores, que os contratos respectivos serão regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Do mesmo modo, o artigo 190 da Lei 14.133/21 preconiza que o “contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada”.
Assim, tanto as contratações diretas autorizadas, quanto aquelas decorrentes de licitações publicadas até o dia 29/12/2023, nas quais restou expressamente consignada a opção pela aplicação das Leis 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11, serão regidas em toda sua vigência por estes diplomas legais revogados, inclusive as eventuais alterações e prorrogações.
Estão contempladas nessa ultratividade, ou seja, serão regidos em toda sua vigência pelas normas que as fundamentaram, também as atas de registro de preços e contratos dela originados, conforme, a título de exemplo, no âmbito da Administração Pública Federal, regulamenta o artigo 38 do Decreto 11.462/23.
Feito esse registro necessário da ultratividade da legislação anterior que nos acompanhará ainda por um período, voltemos nosso foco – imbuídos do otimismo que nos toma o início do ano – para a nova Lei de Licitações que agora se faz obrigatória.
Deixando as críticas de lado, especialmente aquela concernente à Lei 14.133/21 ser mais extensa do que a já extensa Lei 8.666/93 – o que frustrou as expectativas da maioria, senão de todos, que lidam com o tema, tendo o legislador justificado como necessária para conferir segurança jurídica aos temores que assolam os gestores públicos – sigamos para as inovações trazidas. Imagino que, nesse ponto, você deve se questionar como bem fez o professor Rafael Rezende de Oliveira[1]: a Lei 14.133/21 é um “museu de novidades”?
De fato, o texto da lei é resultado da incorporação de regras da Lei 8.666/93, da Lei do Pregão, da Lei do RDC, de atos normativos federais e da jurisprudência do TCU. Contudo, permita-me insistir que, a despeito dessa constatação há, nela própria, avanços, como por exemplo, incorporar a inversão de fases do pregão como regra e a forma eletrônica como preferencial (art. 17), a possibilidade de orçamento sigiloso (art. 24) e do contrato de eficiência (arts. 6º, LIII e 39) do RDC, a possibilidade de adoção do PMI, da matriz de riscos (art. 22) e dos meios alternativos de resolução de controvérsias (art. 151) às contratações em geral.
Vale citar ainda a ampliação do formalismo moderado (arts. 12, III, IV e V, 59 e 64), a categorização do credenciamento como um dos “procedimentos auxiliares” (art. 78, I), juntamente com a pré-qualificação e outros, a redução da discricionariedade na aplicação das sanções com a previsão dos tipos legais de infração (arts. 155/156), além dos avanços na utilização das contratações públicas enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais assegurados na Constituição da República e dos objetivos desta, como o desenvolvimento nacional sustentável (arts. 3º, 170, VI, VII, VIII e IX e 225) – alçado à princípio pela nova lei no seu artigo 5º e mantido como um dos objetivos das licitações pelo seu artigo 11.
Também merecem menção a busca pela equidade de gênero, a inserção no mercado de trabalho por meio de contratos administrativos das mulheres vítimas de violència doméstica e egressos do sistema prisional (art. 25, § 9º), das pessoas com deficiência, reabilitados e aprendizes (art. 116) e, tantas outras incorporadas ou ampliadas no novo diploma legal.
Para além delas, há inovações como o próprio incentivo à inovação trazido como um dos objetivos legais, a previsão das startups (art. 81, §4º), performance bonds (art. 102), dentre outras que podem ser exemplificadas dentro dos pilares nos quais se sustenta a nova Lei de Licitações:
Não são poucas, portanto, as inovações e incorporações consolidadas na Lei 14.133/21, considerando, ainda, tantas outras não mencionadas aqui. Sem adentrar no mérito se são boas ou suficientes, neste momento em que a nova lei acaba de se tornar obrigatória para as futuras contratações cabe aos que atuam nesse processo munir-se de instrumentos para, inspirados na oportunidade de renovação e (re)começo de um novo ciclo, que a virada de ano confere, construir uma nova e melhor história no âmbito das contratações públicas.
No intuito de colaborar com essa construção, os membros da Comissão de Estudos sobre Licitações do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) – além de promoverem debates, divulgação de novos julgados, leis e atos normativos, proposições em consultas e audiências públicas – publicarão periodicamente artigos acerca da temática.
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O artigo expressa a opinião da autora, não representando necessariamente a opinião da Comissão de Estudos sobre Licitações do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, nem a opinião institucional do IBDA.
[1] A nova Lei de Licitações: um museu de novidades?. https://www.conjur.com.br/2020-dez-23/rafael-oliveira-lei-licitacoes-museu-novidades/