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administração pública

Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: valendo!

Não são poucas as inovações trazidas pela Lei 14.133/21, de observância obrigatória desde o último 30/12

Karina Houat Harb
18/01/2024|05:10
Lei de Licitações
Crédito: Unsplash

De observância obrigatória desde o último dia 30 de dezembro, quando por força de seu dispositivo 193, II foram revogadas a Lei 8.666/93, 10.520/02 e os artigos 1º a 47-A da Lei 12.462 (RDC), a Lei 14.133/21 – conhecida como nova Lei de Licitações – enfim reina soberana enquanto veiculadora das normas gerais de licitações e contratações públicas.

Não se olvide, contudo, que apesar de revogadas, as Leis 8.666/93, 10.520/02 e artigos 1º a 47-A do RDC terão ultratividade, conforme previsto na própria Lei 14.133/21 que, em seu artigo 191, conferiu faculdade à administração em optar por licitar ou contratar diretamente, de acordo com esta nova lei ou em conformidade com as leis supracitadas, até o prazo de revogação destas e, determinou, nos casos de opção pelas leis anteriores, que os contratos respectivos serão regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

Do mesmo modo, o artigo 190 da Lei 14.133/21 preconiza que o “contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada”.

Assim, tanto as contratações diretas autorizadas, quanto aquelas decorrentes de licitações publicadas até o dia 29/12/2023, nas quais restou expressamente consignada a opção pela aplicação das Leis 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11, serão regidas em toda sua vigência por estes diplomas legais revogados, inclusive as eventuais alterações e prorrogações.

Estão contempladas nessa ultratividade, ou seja, serão regidos em toda sua vigência pelas normas que as fundamentaram, também as atas de registro de preços e contratos dela originados, conforme, a título de exemplo, no âmbito da Administração Pública Federal, regulamenta o artigo 38 do Decreto 11.462/23.

Feito esse registro necessário da ultratividade da legislação anterior que nos acompanhará ainda por um período, voltemos nosso foco – imbuídos do otimismo que nos toma o início do ano – para a nova Lei de Licitações que agora se faz obrigatória.

Deixando as críticas de lado, especialmente aquela concernente à Lei 14.133/21 ser mais extensa do que a já extensa Lei 8.666/93 – o que frustrou as expectativas da maioria, senão de todos, que lidam com o tema, tendo o legislador justificado como necessária para conferir segurança jurídica aos temores que assolam os gestores públicos – sigamos para as inovações trazidas. Imagino que, nesse ponto, você deve se questionar como bem fez o professor Rafael Rezende de Oliveira[1]: a Lei 14.133/21 é um “museu de novidades”?

De fato, o texto da lei é resultado da incorporação de regras da Lei 8.666/93, da Lei do Pregão, da Lei do RDC, de atos normativos federais e da jurisprudência do TCU. Contudo, permita-me insistir que, a despeito dessa constatação há, nela própria, avanços, como por exemplo, incorporar a inversão de fases do pregão como regra e a forma eletrônica como preferencial (art. 17), a possibilidade de orçamento sigiloso (art. 24) e do contrato de eficiência (arts. 6º, LIII e 39) do RDC, a possibilidade de adoção do PMI, da matriz de riscos (art. 22) e dos meios alternativos de resolução de controvérsias (art. 151) às contratações em geral.

Vale citar ainda a ampliação do formalismo moderado (arts. 12, III, IV e V, 59 e 64), a categorização do credenciamento como um dos “procedimentos auxiliares” (art. 78, I), juntamente com a pré-qualificação e outros, a redução da discricionariedade na aplicação das sanções com a previsão dos tipos legais de infração  (arts. 155/156), além dos avanços na utilização das contratações públicas enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais assegurados na Constituição da República e dos objetivos desta, como o desenvolvimento nacional sustentável (arts. 3º, 170, VI, VII, VIII e IX e 225) – alçado à princípio pela nova lei no seu artigo 5º e mantido como um dos objetivos das licitações pelo seu artigo 11.

Também merecem menção a busca pela equidade de gênero, a inserção no mercado de trabalho por meio de contratos administrativos das mulheres vítimas de violència doméstica e egressos do sistema prisional (art. 25, § 9º), das pessoas com deficiência, reabilitados e aprendizes (art. 116) e, tantas outras incorporadas ou ampliadas no novo diploma legal.

Para além delas, há inovações como o próprio incentivo à inovação trazido como um dos objetivos legais, a previsão das startups (art. 81, §4º), performance bonds (art. 102), dentre outras que podem ser exemplificadas dentro dos pilares nos quais se sustenta a nova Lei de Licitações:

  • a) planejamento do qual a Administração nunca prescindiu mas, em regra, tem por cultura ignorar, assegurado como principio e como característica da fase mais importante do processo, a preparatória, à qual – diferente da Lei 8.666/93 – tratou a nova lei de forma sistematizada, conferindo-lhe maior destaque e na qual se insere o Estudo Técnico Preliminar dentre outras ferramentas;
  • b) transparência com a criação do PNCP e da forma eletrônica como regra;
  • c) governança ao inovar com o princípio da segregação de funções, com a submissão das contratações à gestão de riscos, além de ampliar a adoção dos programas de integridade, dentre outras previsões;
  • d) sustentabilidade ao vincular, expressamente, o “ciclo de vida do objeto” como um dos critérios para alcançar o objetivo de selecionar a proposta hábil a gerar o resultado mais vantajoso, levando-o como como parâmetro para elaboração do termo de referência e do menor dispêndio, além de previsões veiculadas nos artigos 5º, 6º, XVIII, h, 11, IV, 18, §1º, inciso XII, 25, §5º, inciso I e §6º e 115, §4º, 26, II, 34, §1º, 42, III, 45, I a VII, 75, III, j e XVII, 144, 147, II e III e 178 (337-O), tornando regra as licitações sustentáveis;
  • e) parceria com o setor privado com a adoção do diálogo competitivo como modalidade de licitação, com a faculdade do PMI (art. 81) e da contratação integrada (art. 6º, XXXII), dentre outros instrumentos para lidar com a assimetria de informações e evitar a seleção adversa.

Não são poucas, portanto, as inovações e incorporações consolidadas na Lei 14.133/21, considerando, ainda, tantas outras não mencionadas aqui. Sem adentrar no mérito se são boas ou suficientes, neste momento em que a nova lei acaba de se tornar obrigatória para as futuras contratações cabe aos que atuam nesse processo munir-se de instrumentos para, inspirados na oportunidade de renovação e (re)começo de um novo ciclo, que a virada de ano confere, construir uma nova e melhor história no âmbito das contratações públicas.

No intuito de colaborar com essa construção, os membros da Comissão de Estudos sobre Licitações do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) – além de promoverem debates, divulgação de novos julgados, leis e atos normativos, proposições em consultas e audiências públicas – publicarão periodicamente artigos acerca da temática.

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O artigo expressa a opinião da autora, não representando necessariamente a opinião da Comissão de Estudos sobre Licitações do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, nem a opinião institucional do IBDA.


[1] A nova Lei de Licitações: um museu de novidades?. https://www.conjur.com.br/2020-dez-23/rafael-oliveira-lei-licitacoes-museu-novidades/logo-jota