José Guilherme Giacomuzzi

O Direito é fruto da política, e não o contrário.
A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm">Lei 8.429/92</a>, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, foi um fruto bastante peculiar do sistema político-jurídico brasileiro: só no Brasil há uma esfera de ilícito específica para combate à corrupção, a qual muitas vezes se confunde, pela tipificação similar de condutas, com a esfera penal. A Lei de Improbidade Administrativa é uma jabuticaba.
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Há uma explicação para esse fato insólito: o Brasil é também o único país dentre as democracias (aceitemos que somos uma, mesmo diante das evidências recentes em contrário) modernas que prevê um foro privilegiado a muitos agentes públicos em caso da prática de certos crimes. Essa outra jabuticaba está, para o espanto de poucos, cristalizada na Constituição Federal, que estampa uma propensão histórica à desigualdade.
Foro privilegiado equivale à impunidade na maioria dos casos. Impunidade equivale à ineficiência do sistema penal em relação aos “donos do poder”. Foi, portanto, o foro privilegiado uma das principais causas da criação da Lei de Improbidade Administrativa: se não houvesse o foro, talvez houvesse punição na esfera criminal, e a lei seria desnecessária. Mas há foro, há impunidade/ineficiência – daí, há Lei de Improbidade.
Sempre achei a lei de 1992 uma lei ruim: com seus tipos perigosamente abertos, sem uma teoria geral a sustentá-la, e portanto com pouca ou nenhuma dogmática a guiá-la, prestou-se a todo tipo de interpretação. Mas atentemos: foi o Parlamento brasileiro que, há quase 30 anos, colocou nas mãos dos operadores jurídicos a possibilidade de sancionar, pela via do Poder Judiciário, com a provocação do Ministério Público e outros colegitimados, as condutas ímprobas, dentre elas, inclusive, a violação a princípios jurídicos, normas de baixa ou baixíssima densidade normativa. Mais: tanto o constituinte quanto o legislador ordinário previram que improbidade poderia acarretar sanções políticas. A jabuticaba não caiu do céu azul em 1992.
Quase 30 anos depois, com a nova Lei de Improbidade Administrativa (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm">Lei 14.230/2021</a>), em vigor desde 26 de outubro de 2021, o Parlamento recuou: ele resolveu “fechar” os tipos deste ilícito peculiar, afunilar o elemento subjetivo dos atos ímprobos, eliminando a culpa antes expressamente permitida no art. 10, revendo prazos prescricionais e fazendo outras várias alterações que, em princípio, devem “dificultar a punição” dos agentes envolvidos. Importante: a votação da nova Lei de Improbidade foi esmagadora, tendo via de regra votos de toda a bancada de diversos partidos.
Algo se passou em uma geração. A nova Lei de Improbidade de 2021 passa outra mensagem em relação à de 1992: a possibilidade de punição foi longe demais, a tipificação foi aberta demais, os legitimados eram muitos. Pode ser que sim.
Alguém dirá que há retrocesso na nova Lei de Improbidade, o que seria vedado pela Constituição. Pode também ser, mas esse não é meu ponto.
Os aplicadores da nova Lei de Improbidade não podemos ignorar as forças criadoras do Direito. Minha mensagem é de prudência: não há os arautos da moralidade entre operadores jurídicos, sejam controladores públicos, sejam advogados privados; todos precisamos ouvir o que disseram os criadores primeiros do Direito, os legisladores.
Há certamente uma nova configuração do ilícito, que, repito, é genuinamente brasileiro e seria dispensável se o sistema penal funcionasse. Mas, ao que parece, as forças criadoras do Direito não se mostram dispostas a terminar com as várias causas de impunidade dos “donos do poder” – dentre elas, o foro privilegiado, tema que dorme nos mesmos escaninhos políticos que legitimamente optaram por editar a nova Lei de Improbidade. A política está há muito socorrendo os que dormem. E isso é tão lamentável quanto os eventuais abusos cometidos com base na lei de 1992.

reforma tributária

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JOTA

Segundo essa mensagem, a possibilidade de punição foi longe demais, a tipificação foi aberta demais

Nova Lei de Improbidade passa outra mensagem em relação à de 1992

Com a nova Lei de Improbidade, Parlamento resolveu “fechar” os tipos deste ilícito peculiar, afunilar o elemento subjetivo dos atos ímprobos