Mateus Camilo Ribeiro da Silveira

Na jurisprudência nacional, é possível identificar, de longa data, decisões no sentido de que os autores, partícipes e beneficiários de ato de improbidade administrativa devem ressarcir integralmente o erário de forma solidária<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
De acordo com esse posicionamento dos tribunais, havendo pluralidade de réus em ação de responsabilização por ato ímprobo, a obrigação de reparar poderia ser atribuída a todos aqueles agentes — sejam eles públicos ou privados (art. 3º, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm">Lei nº 8.429/92</a>) — cuja conduta tenha ensejado efetivo dano ao patrimônio público<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Em linha similar, mas em matéria de indisponibilidade de bens, o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu entendimento dominante no sentido de que “a responsabilidade é solidária até, ao menos, a instrução final do feito”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, de modo que a medida assecuratória deve recair sobre todos os réus a fim de garantir ulterior recomposição do erário.
Na doutrina especializada, também se localiza a mesma concepção acerca da natureza solidária da obrigação de reparar o prejuízo ao erário<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Sustenta-se que vigora, neste domínio, a solidariedade entre os autores, partícipes e beneficiários do ato ímprobo, nos termos do art. 942, do Código Civil. O dispositivo legal dispõe que, se a ofensa ou violação do direito de outrem tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Com a edição da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14230.htm">Lei 14.230/21</a>, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, foi incluída, todavia, no art. 17-C, § 2º, a previsão de que: “na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade”.
A princípio, uma leitura literal do comando normativo, com vedação abrangente à solidariedade, apontaria que a legislação teria proibido tanto a condenação solidária dos réus nas sanções indicadas no art. 12, quanto na obrigação de recompor os prejuízos causados ao erário, em oposição às decisões mencionadas acima.
Contudo, essa leitura parece inadequada. A introdução do artigo 17-C, § 2º, na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm">Lei 8.429/92</a> não produz efeito impeditivo para a condenação solidária dos réus no ressarcimento ao erário, que permanece viável.
Em primeiro lugar, é necessário ter em consideração que o aludido parágrafo insere-se no art. 17-C, o qual estabelece, na verdade, diretrizes para a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade e não para a fixação da obrigação de reparar o patrimônio público lesado - que não constitui propriamente pena, nos termos do art. 12, caput, e de sólida jurisprudência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a><a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
O art. 17-C, § 2º, da Lei nº 8.429/92, veda, assim, a condenação solidária para a imposição das sanções típicas do diploma legal, justamente porque, na seara punitiva, impera o princípio constitucional da individualização das sanções (art. 5º, LIV), devendo o infrator ser responsabilizado e sancionado na medida de sua culpabilidade, nos termos dos seus comportamentos e das circunstâncias agravantes e atenuantes presentes no caso concreto.
A alteração legislativa é, nesse aspecto, adequada e atribui ao magistrado, no momento de julgar uma ação de improbidade com pluralidade de réus, o dever de individualizar as sanções, de modo que a condenação ocorra “no limite da participação” e dos “benefícios diretos” de cada um dos agentes, como decorrência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, também indicados no inciso IV, do art. 17-C.
Diferentemente do que sucede com as sanções típicas, cuja dosimetria está atrelada a critérios como a gravidade do fato, o proveito patrimonial obtido pelo agente, entre outros previstos na Lei 8.429/92 (arts. 12 e 17-C), a obrigação de ressarcimento ao erário é, antes de tudo, de natureza cível, dependendo da demonstração de efetivo dano e medindo-se pela extensão dele nos termos da legislação civil. Caso decorra da prática de ato de improbidade, a obrigação de reparar recobrirá a integralidade do prejuízo, não se admitindo atenuação ou mitigação, como indicam diversos dispositivos da Lei: 8º-A, 12, 16 e 17-B.
Em vista das distinções apontadas, a obrigação de ressarcir segue sendo atribuível, solidariamente, a todos aqueles que incorreram no ilícito causador de dano, inclusive após a Lei 14.230/21, na forma do art. 942 do Código Civil.
Na redação originária do Projeto de Lei 10.887/2018, que resultou, após diversas modificações, na Lei 14.230/21, a redação proposta à parte final do dispositivo legal mencionado era: “admitida a condenação solidária quando presentes os requisitos cabíveis”; disposição consentânea com a intepretação aqui suscitada.
Não parece razoável conferir à redação adotada no artigo 17-C, §2º, da Lei 8.429/92, interpretação que resulte no impedimento, prévio e absoluto, à constituição de obrigação solidária de ressarcimento ao erário, ainda que preenchidos os pressupostos jurídicos no caso concreto, notadamente a circunstância de os réus terem causado a ofensa, de forma conjunta e com atuação ilícita determinante.
A prevalecer a leitura oposta, os responsáveis por ato de improbidade causador de prejuízo ao erário (art. 10, da Lei nº 8.429/92) não estariam sujeitos à solidariedade passiva no tocante à obrigação de reparar o erário, ainda que presentes os requisitos para tanto. Por outro lado, autores de ilícitos civis, menos graves, que ensejem igualmente dano ao patrimônio público, poderiam ser condenados ao ressarcimento de forma solidária.
A incoerência do cenário se revela, de forma contundente, na hipótese de o dano decorrente da conduta ímproba ter sido objeto de ação comum de ressarcimento, movida antes da ação de improbidade administrativa. Os réus da primeira poderiam ser condenados solidariamente à reparação integral, mas, acaso demandados apenas na medida judicial punitiva, estariam imunizados da solidariedade, se adotada a interpretação literal do artigo 17-C, §2º.
Considerando o exposto, trata-se de interpretação que importa em manifesta ofensa ao princípio constitucional da isonomia, porque introduz distinção jurídica sem respaldo racional e em detrimento do valor jurídico da probidade, inscrito no art. 37, §4º, da Constituição da República.
Dessa forma, em nosso juízo, a leitura conforme à Constituição do artigo 17-C, §2º, da Lei 8.429/92, impõe a individualização das sanções típicas do diploma legal, não impedindo, todavia, sejam os réus condenados, de forma solidária, à obrigação de ressarcimento integral; provimento que permanece viável, nos termos da legislação civil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.816.235, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJE 12/04/2021; AREsp 1.573.799, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJE 19/03/2020; REsp 1.261.057, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE 15/05/2015.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> No âmbito do TJSP, cite-se Apelação Cível 0000191-46.2007.8.26.0666; Relator (a): Evaristo dos Santos; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Artur Nogueira - Vara Única; Data do Julgamento: 14/05/2021; Data de Registro: 14/05/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1696749, 2017.01.83144-8, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJE 02/08/2018.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Vide OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 311; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 356.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Por todos, vide AgRg no Agravo em Recurso Especial 606.352-SP, relatora ministra Assusete Magalhães, julgado em 15/12/2015.

Fachada do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

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JOTA

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