
O Imposto sobre Produtos Industrializados é sem dúvidas um dos tributos que mais expressa a política econômica e empresarial do país. Dotado de função extrafiscal, o IPI tem sido utilizado pelo chefe do Executivo Federal muitas vezes como instrumento para salvaguardar o mercado nacional e equilibrar a concorrência interna e externa. O imposto também é utilizado para impor uma taxação menor àqueles produtos tidos como essenciais (i.e., produtos com alíquota 0%) conforme os critérios que o legislador assim entender.
Por ser um tributo indireto que recai sobre o consumo de bens industrializados, o IPI repercute economicamente na cadeia de produção e, assim, o encargo financeiro da tributação não será suportado pelo industrial ou equiparado a industrial (contribuinte de jure), mas transferido ao consumidor (contribuinte de facto) que adquire o produto industrializado.
Fato Gerador e Base de Cálculo de Alíquota do IPI
Conforme distribuição de competências adjudicadas pela Constituição Federal, ficou determinado à União instituir imposto sobre produtos industrializados (art. 153, IV, CF) observando, porém, a seletividade, a não cumulatividade, a não incidência sobre exportações e a redução do impacto sobre aquisição de bens de capital (art. 153, § 1º, I, II, III, e IV, CF). Portanto, pela própria dicção constitucional verifica-se que o legislador constitucional objetivou atingir operações definidas como industriais.
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A respeito, o próprio conceito de industrialização (operações industriais e produto industrializado) foi sendo alargado ao longo dos tempos em face da evolução legislativa da matéria. Nesse contexto, o legislador ordinário passou a considerar a industrialização: i) como qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto (art. 3º, parágrafo único, Lei n. 4.502/64); ii) como qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, mesmo incompleta, parcial ou intermediária (art. 3º e 4º do Regulamento do IPI); ou ainda, iii) considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo (parágrafo único do art. 46, CTN).
Não obstante o alargamento da base tributável do IPI, o Código Tributário Nacional – CTN (art. 46) definiu três possibilidades como fato gerador do imposto: (i) o desembaraço aduaneiro de produtos estrangeiros; (ii) a industrialização de produtos; e a (iii) arrematação em leilão. E por conter fatos geradores diferentes o IPI também terá bases de cálculos diferentes (art. 190, RIPI c/c art. 47, CTN) assim definidas: I – para produtos de procedência estrangeira (a) o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, por ocasião do despacho de importação, acrescido do montante desses tributos e dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; (b) o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento equiparado a industrial (importador); II – dos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento, ou seja, do fato gerador.
Com relação às alíquotas, o IPI possui diversas percentagens previstas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI) aprovada pelo Decreto n.º 8.950, de 29.12.2016, e nela encontram-se os produtos classificados com base no Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias – NBM/SH -, os produtos estão distribuídos na TIPI por Seções, Capítulos, Subcapítulos, Posições, Subposições, Itens e Subitens (art. 15, RIPI). As alíquotas variam de 0% a 30% dependendo do produto comercializado podendo chegar a 300% no caso do NCM 2402.20.00 (cigarros que contenham tabaco). A percentagem elevada pelo Poder Executivo objetiva gravar com um imposto mais oneroso um produto maléfico à saúde e inibir o seu consumo, além do caráter pedagógico que a medida extrafiscal impõe.
Em síntese, para calcular o IPI devido na operação o contribuinte deverá identificar o valor da base de cálculo mercadoria (valor do produto + frete + seguro + outras despesas) e aplicar a alíquota correspondente da TIPI pelo NCM.
Contribuintes do IPI
Como se trata o IPI de um imposto federal, cabe a União arrecadar e cobrar o tributo. Objetivamente falando, o sujeito passivo da relação tributária, conforme disposto no art. 24 do RIPI, se divide em: i) o importador ou equivalente por lei; ii) o industrial ou equivalente por lei; iii) o comerciante dos produtos sujeitos ao IPI, que os forneça a industriais ou a estes equiparáveis; e iv) o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. Acrescenta-se, por oportuno, que o art. 25 do RIPI elegeu os responsáveis para pagamento do imposto no lugar do contribuinte, naquelas situações elencadas nos incisos I a XIII (incisos X, XI e XII foram revogados pelo Decreto n. 10.688/21).
Periodicidade do pagamento e Obrigações Acessórias
O IPI é um tributo cujo período de apuração é mensal, exceto para os casos operação de importação quando o imposto será recolhido antes da saída do produto da repartição que processar o despacho de desembaraço aduaneiro (262, I, RIPI). Para as situações ordinárias o RIPI determina dois prazos para recolhimento, ou seja, deve ser recolhido o IPI até o décimo dia do mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores, nos casos dos produtos classificados no Código 2402.20.00 da TIPI, ou até o vigésimo quinto dia do mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores, no caso dos demais produtos.
Em relação ao registro fiscal das operações do IPI, o industrial ou equiparado deve registrar entradas, saídas e apurar o imposto tendo como base a Escrituração Fiscal Digital (EFD – ICMS/IPI), conforme dispõe o art. 453, 454 e 455 do RIPI.
Não-Cumulatividade e Crédito Fiscal
A Constituição Federal determina que o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (art. 153, IV e §3º). Isso significa dizer que o imposto cobrado na operação tributada deverá sofrer abatimento da operação anterior em razão de crédito existente na escrita fiscal do contribuinte. Assim, quando o contribuinte adquire determinado produto (i.e., insumos) para utilização do processo industrial, deverá registar contabilmente o valor do crédito do IPI na entrada. Passo seguinte, quando efetuar a venda da mercadoria industrializada, deverá registrar contabilmente o valor do IPI incidente na operação. Ao final do período, o contribuinte realizará o confronto entre créditos e débitos e poderá verificar se deve ou não pagar o IPI do período, ou ainda, se poderá transportar o saldo de crédito do imposto para períodos subsequentes.
Arrecadação e Destinação
A regra constitucional de repartição de receitas dos impostos instituídos e arrecadados pela União está descrita no art. 159, CF. Em relação ao IPI (art. 159, I, CF) a norma aduz que a União ficará com 51% do produto da arrecadação e deverá repassar os 49% restantes da seguinte forma: 24,5% ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM); 21,5% ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE); e 3% para programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, por intermédio de suas instituições financeiras de caráter regional.
Para além das percentagens acima, a União ainda deve destinar 10% do produto da arrecadação do IPI aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados.
Hipóteses de não incidência do IPI: Isenção, Imunidade, Alíquota 0% e N/T
Por força de imunidade constitucional do art. 153, § 3º, inciso III da Constituição Federal, o IPI não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. Entretanto, o Poder Executivo mirando alguns setores da economia e sensíveis ao país, poderá conceder isenção, diminuir alíquotas ou deixar de tributar determinados produtos pelo IPI. Eis a confirmação da natureza extrafiscal do tributo ao qual falaremos adiante.
A isenção do IPI está prevista no art. 54 do RIPI e envolve uma infinidade de produtos e operações, tais como, produtos industrializados na Zona Franca de Manaus; amostras de produtos para distribuição gratuita, de diminuto ou nenhum valor comercial, assim considerados os fragmentos ou partes de qualquer mercadoria, em quantidade estritamente necessária a dar a conhecer a sua natureza, espécie e qualidade; produtos nacionais saídos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial, diretamente para lojas francas, entre outros.
A alíquota 0% trata de expediente levando à efeito pelo chefe do Poder Executivo para não tributar determinados produtos ou operações (art. 69 RIPI). Em última análise, aplicar a “alíquota 0%” à base de cálculo terá o mesmo efeito da isenção – deixar de tributar. Todavia, nesse caso, o Decreto do Executivo é suficiente para a eficiência do mecanismo da extrafiscalidade. No mais, como já dissemos anteriormente, a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI) vai informar quais produtos ou operações a União Federal pretende não tributar aplicando sobre eles a alíquota 0%, como no caso da tributação incidente sobre artigos de laboratório ou de farmácia, carne bovina e de frango, leite, concentrados de proteínas e substâncias proteicas texturizadas, entre outros. Perceba-se que, ao contrário da isenção, para tais produtos haverá a incidência do IPI, mas não terá efeito de caixa, pois a alíquota excluirá automaticamente o montante a pagar do imposto.
Por fim, quanto aos produtos “não tributados N/T” constante da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, o parágrafo único do art. 2º do RIPI aduz que o campo de incidência do imposto abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero, relacionados na TIPI, observadas as disposições contidas nas respectivas notas complementares, excluídos aqueles a que corresponde a notação “NT” (não tributado). Como exemplo de “produtos N/T” a TIPI informa o envaze de águas minerais naturais comercializadas em recipientes com capacidade nominal inferior a 10 (dez) litros do NCM 2201.10.00, ou mesmo a produção de gelo em barra, por exemplo, do NCM 2201.90.00.
Função extrafiscal do IPI
A fiscalidade como regra geral, conota uma ideia de financiamento do Estado por meio de tributos aos quais são arrecadados para que o Estado consiga custear os gastos das atividades principais. A extrafiscalidade se encontra no outro verso da moeda, isto é, ocorre quando o Estado incentiva ou desincentiva determinado produto ou operação abrindo mão da arrecadação tributária, seja porque deixará de tributar o produto ou serviço, ou então, porque aumentará o valor final da exação a ponto de inibir a sua realização ou a sua venda. Em suma, a extrafiscalidade se materializa sempre que o Estado intervém na economia induzindo as condutas.
A respeito, existem tributos que possuem função extrafiscal por vocação, como IOF, o IPI, o II e o IE, e funcionam como mecanismo de regulação de mercado ou setor econômico. O caráter extrafiscal nessas espécies tributárias fica mais evidente porque a própria constituição excepcionou a alteração das alíquotas do princípio da legalidade (i.e., Recurso Extraordinário n. 592.145/SP) e ainda ao princípio da anterioridade (devendo, entretanto, respeitar a regra nonagesimal entre a instituição ou majoração de determinado tributo e a sua efetiva cobrança).
Em outras palavras, o Poder Executivo entendendo que há relevante interesse social e dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento, poderá aumentar ou diminuir a alíquota do IPI para atendimento de tais finalidades, como já ocorreu em incentivos para a indústria automotiva, eletrodomésticos da linha branca (geladeira e fogão) etc.
Algumas discussões judiciais
Pelo menos até que sobrevenha a reforma tributária e altere a formatação do IPI tal como se apresenta desde os primórdios, a indústria brasileira deverá discutir a cobrança do imposto nas suas mais variadas formas de incidência. Como regra, as discussões que mais se avolumam nos tribunais (CARF, inclusive) concerne à apropriação do crédito ordinário do IPI efetivado pelo princípio da não-cumulatividade (art. 153, §3º, II, CF), em especial, a aquisição de insumos ou matéria-prima (MP), produto intermediário (PI) e material de embalagem (ME).
Como exemplo, citamos o já conhecido e debatido direito ao crédito de IPI de “partes e peças de máquinas” que, muito embora não integrem o produto final, evidentemente desgastam-se no processo produtivo e, assim, deveriam ser enquadrados como produtos intermediários (PI) para fins de apropriação de crédito – há entendimento interno da SRF de que partes e peças de máquinas não são consideradas como produtos intermediários ou matérias primas para efeito de direito ao crédito do IPI o que acaba agravando o contencioso nos tribunais administrativos e judiciais.
Outra questão, recentemente o STF definiu a discussão sobre a constitucionalidade da cobrança do IPI sobre a revenda de produtos importados, no mercado interno. O fundamento manifestado pelos contribuintes caminhou no sentido de defender que a hipótese de incidência do IPI ocorre no desembaraço aduaneiro da mercadoria importada ou na saída dos estabelecimentos equiparados a industriais. O que o fisco defendia era a existência de uma dupla hipótese de incidência: desembaraço e revenda. Por fim, o STF reconheceu a dupla incidência e finalizou a discussão no julgamento do RE 946.648 (Tema 906).
Existem também, discussões acerca da incidência do IPI no deslocamento de um produto de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte. As autuações decorrem do equivocado entendimento do fisco de que a hipótese de incidência se manifesta pela simples saída do produto industrializado da fábrica. Entretanto, há situações em que o produto acabado perpassa diversas etapas de industrialização, como nos casos de construção de dutos, caldeiras à vapor para indústria de energia, usinas termoelétricas etc. Também recentemente o STJ no julgamento do REsp 1402138 afastou a cobrança do IPI no sentindo de que “havendo mero deslocamento para outro estabelecimento ou para outra localidade, permanecendo o produto sob o domínio do contribuinte, não haverá incidência do IPI, compreensão esta que se alinha ao pacífico entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, consolidado em relação ao ICMS, que se aplica, guardada as devidas peculiaridades do ICMS”.
Na mesma trilha, há discussão acerca da incidência do IPI e o ISS na operação de industrialização por encomenda (beneficiamento). Nesse caso, existem peculiaridades que apenas a análise factual pode resolver porquanto no beneficiamento, os encomendantes remetem materiais e outros tipos de mercadorias que lhe pertencem para outro estabelecimento industrial. Passo seguinte, esse outro estabelecimento industrial realizará todo o processo industrial e, após, remeterá o produto para o encomendante para comercialização ou mesmo utilização em processo industrial próprio. No entanto, há inúmeras autuações de industrialização por encomenda sendo tratadas como prestações de serviços pelos Municípios. O STF vai definir a questão e já afetou o RE 882461 em repercussão geral que decidirá se há incidência do ISSQN em operação de industrialização por encomenda, realizada em materiais fornecidos pelo contratante, quando referida operação configura etapa intermediária do ciclo produtivo de mercadoria.
Outras discussões estão entrando no horizonte dos Tribunais. Com efeito, os Tribunais Regionais Federais e o STJ deverão definir qual o alcance da norma antielisiva relacionada ao valor tributável mínimo (VTM) nas operações com partes interdependentes. Especificamente para aplicação do VTM aduz o inciso I do art. 195 do RIPI/2010 que: O valor tributável não poderá ser inferior: I – ao preço corrente no mercado atacadista da praça do remetente quando o produto for destinado a outro estabelecimento do próprio remetente ou a estabelecimento de firma com a qual mantenha relação de interdependência.
O parágrafo único do art. 196 do RIPI, por sua vez, constrói uma base de cálculo ficta para aplicação do VTM diante da “ausência de preço corrente no mercado atacadista”, eis que será: (i) no caso de produto importado, o valor que serviu de base ao Imposto de Importação, acrescido desse tributo e demais elementos componentes do custo do produto, inclusive a margem de lucro normal; e (ii) no caso de produto nacional, o custo de fabricação, acrescido dos custos financeiros e dos de venda, administração e publicidade, bem como do seu lucro normal e das demais parcelas que devam ser adicionadas ao preço da operação, ainda que os produtos hajam sido recebidos de outro estabelecimento da mesma firma que os tenha industrializado.
Deveras, remanesce a dúvida sobre o que seria o preço corrente no mercado atacadista e praça do remetente: O que é praça? Praça é o Município? Praça é o Estado? Praça é o bairro? Evidentemente que há possibilidade de manipular o preço do produto para diminuir o valor do IPI a pagar, entretanto, o contribuinte precisa ter segurança jurídica para realizar operações de industrialização, sobretudo porque os parques industriais geralmente estão localizados em municípios contíguos e, nessas circunstâncias, o contribuinte precisa saber qual a base de cálculo deve aplicar com operações entre partes interdependentes.
Isto posto, os contribuintes que apuram o IPI devem estar a par das discussões que se aplicam ao imposto, seja por que as operações são complexas e demandam etapas diversas dentro e fora do parque industrial do contribuinte; seja porque as indústrias utilizam produtos no seu processo industrial que podem lhe gerar créditos; ou mesmo porque a simples dúvida a respeito de uma classificação fiscal poderá gerar autuações do fisco. Nessas condições, um bom conhecimento na aplicação dos conceitos utilizados no IPI pode mitigar riscos fiscais futuros.