Eduardo Kassuga

No último dia 7 de abril, o mundo presenciou um marco para a democracia com a confirmação de <a href="https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/07/quem-e-ketanji-brown-jackson-a-1a-juiza-negra-da-suprema-corte-dos-eua.ghtml">Ketanji Brown Jackson como juíza da Suprema Corte dos EUA</a>. Uma mulher negra, filha de professores, ascendeu ao mais alto cargo que um/uma jurista pode alcançar nos Estados Unidos.
É significativo que, em uma das maiores potências mundiais, uma pessoa do sexo feminino e de cor preta componha, na qualidade de membra, a mais alta corte de justiça. Trata-se de um verdadeiro exemplo para todas as democracias, em especial àquelas que ainda são jovens e estão em estágio de consolidação (como a brasileira).
Tal como no Brasil, a pessoa nomeada passa a ter o poder de influir nas questões políticas mais complexas da nação por meio da jurisdição. Dentre os instrumentos das cortes está a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de atos do Poder Executivo ou Legislativo, o que gera discussões quanto ao déficit de legitimidade democrática. Não é o objetivo aqui discutir esse ponto polêmico da dogmática constitucional, mas observar que é possível democratizar o Poder Judiciário com a representatividade.
Jackson é uma mulher negra e, por conta disto, traz para a mais alta corte do sistema de justiça norte-americano a voz de grupos extremamente marginalizados, excluídos dos centros de poder pela hegemonia política edificada em bases sólidas no machismo e no racismo estruturais. Para além da violência de gênero e da violência racial, a discriminação indireta também atinge e exclui mulheres e pessoas negras das oportunidades, principalmente daquelas relacionadas ao poder.
Assim, a nomeação de Jackson se singulariza pelo fato de ela congregar, pelo menos, dois fatores de vulnerabilidade, o que permite que a sua presença na Suprema Corte consagre uma representatividade interseccional. Mulheres e pessoas negras em geral passam a estar representadas com a juíza participando da tomada das decisões judiciais mais importantes dos EUA.
Mas um outro ponto que torna Ketanji Jackson mais singular e representativa é a sua origem profissional: ela fez carreira na Defensoria Pública. Isso é um dado muito importante, pois é extremamente raro que defensores e defensoras dos mais vulneráveis, dos que se sentam nos bancos dos réus e dos que não têm dinheiro para contratar advogados(as) sejam escolhidos(das) para ascender à mais alta posição que um/uma jurista pode ocupar no país.
Tomando por base a composição do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) brasileiro, é bem claro que, para além da falta de representatividade negra na atual composição da Corte, não há representatividade também em relação aos defensores das pessoas em situação de vulnerabilidade e insegurança social extrema. Afinal, não há ministros ou ministras com histórico profissional formado na Defensoria Pública.
A composição do STF se dá por profissionais com origem na magistratura, no Ministério Público, na advocacia pública e na advocacia privada. Em que pese a sociedade brasileira ter a honra de contar com duas ministras excepcionais (Cármen Lúcia e Rosa Weber), não possui nenhuma mulher negra ou da carreira da Defensoria Pública.
Essa é uma questão problemática, pois a composição da Corte democratiza a forma de enxergar o Direito e a própria noção de justiça para uma nação que é marcadamente plural, pobre e desigual. Um ex-defensor ou defensora pública no Supremo traria para a jurisprudência pátria o olhar de quem garante o acesso à justiça aos mais vulnerabilizados, contribuindo com sua origem profissional para enriquecer a análise de ex-membros e membras da magistratura, do Ministério Público e da advocacia (pública e privada).
O cenário é ainda mais preocupante, pois não é apenas no STF que se verifica a ausência de ex-defensoras ou defensores públicos. Não há profissionais da carreira ocupando cadeiras também no Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>), no Tribunal Superior Eleitoral (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a>), no Tribunal Superior do Trabalho (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tst">TST</a>) e no Superior Tribunal Militar (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stm">STM</a>).
A partir dessa constatação, é legítimo concluir pela necessidade de se corrigir a falta de representatividade da Defensoria Pública nas cortes superiores brasileiras. Certamente, a participação de ex-defensoras e defensores públicos nesses colegiados vai ao encontro de uma justiça mais preocupada com a isonomia, o acesso à justiça e as particularidades na efetivação dos direitos das pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade.
Espera-se que os <a href="https://www.jota.info/eleicoes">candidatos à Presidência da República</a> se atentem ao exemplo norte-americano e o sigam. Temos, no Brasil, orgulho de contar com muitas defensoras públicas, mulheres e negras, extremamente aptas a democratizarem as cortes à luz de toda representatividade interseccional que congregam em si.

Ketanji Jackson

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

É necessário corrigir a falta de representatividade da Defensoria Pública nas altas cortes brasileiras

Nomeação de Ketanji Jackson nos EUA é exemplo para cortes superiores do Brasil

É significativo que uma pessoa do sexo feminino e de cor preta componha a mais alta corte de justiça. É um exemplo para as democracias