Luísa Saraiva de Araújo

<blockquote class="jota-article__quote">“Joga pedra na Geni, 
Joga bosta na Geni, 
Ela é feita pra apanhar, 
Ela é boa de cuspir, 
Ela dá pra qualquer um, 
Maldita Geni.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Chico Buarque, Geni e o Zepelim</footer>
</blockquote>
Geni, personagem da Ópera do Malandro (1978), cujo nome de batismo era Genivaldo, é o retrato da travesti, muitas vezes esquecida pelo Estado, obrigada à prostituição e à violação sistemática de direitos fundamentais. O refrão da música evidencia que Geni é completamente desumanizada, agredida física e psicologicamente.
Garantir os direitos fundamentais às minorias sexuais<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, historicamente marginalizadas, confunde-se com seu direito de ser reconhecido em sua condição de indivíduo moralmente autônomo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Esse direito ao reconhecimento implica também o direito de se exigir do Estado a promoção e a garantia de direitos fundamentais a fim de se diminuir o estigma ao qual se é submetido<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
No início do período democrático inaugurado pela Constituição de 1988, foi o Judiciário a principal via utilizada pelas minorias sexuais para a garantia de direitos, em geral, patrimoniais. Mais recente, a partir das teorias de reconhecimento, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) protagonizou a concessão de direitos às minorias sexuais, como o casamento homoafetivo<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e o reconhecimento da identidade de pessoas transexuais.
Apesar de relativo protagonismo do Judiciário na garantia de direitos fundamentais da população LGBTQIA+, este não é o suficiente para a promoção dos direitos das minorias sexuais, sendo necessárias políticas públicas. Por diversas razões: (1) o Poder Executivo goza de maior legitimidade democrática para fazer “escolhas trágicas” em um cenário de escassez; (2) as políticas públicas têm maior alcance. A atuação do Judiciário é restrita àqueles que têm, em alguma medida, condições materiais<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> ou, ainda, informações suficientes para pleitear seus direitos.
No contexto pré-Constituição de 1988, as políticas públicas voltadas para a população LGBTQIA+ eram inexistentes. Vivia-se um contexto em que às minorias sexuais eram destinados os espaços privados, enquanto nos espaços públicos o regime militar ainda repreendia e oprimia todos os desviantes<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Nas décadas de 1980 e 1990, a Aids escancarou a necessidade de políticas públicas de saúde voltadas às minorias sexuais. À época, a doença atingia especialmente homens que mantinham relações sexuais com outros homens. Posto que não fossem destinadas especificamente às minorias sexuais, as políticas públicas voltadas à epidemia da Aids no período contaram com a participação do movimento social LGBTQIA+<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
As políticas públicas voltadas para as minorias sexuais só passaram a ser planejadas, efetivamente, em 2001, quando o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), vinculado ao Ministério da Justiça, foi criado. À época, os grupos de ativismo LGBTQIA+ começaram a reivindicar políticas públicas com o objetivo de promover sua cidadania e os direitos humanos<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Os direitos das minorias sexuais passam a ser lembrados pelo Plano Plurianual (PPA) (2004-2007)<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, quando se definiu, no âmbito do Programa Direitos Humanos, Direitos de Todos, a ação denominada Elaboração do Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais. Em 2004, o CNCD foi um dos responsáveis pelo lançamento do Programa Brasil Sem Homofobia (BSH)<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, a primeira política pública de fato voltada para as minorias sexuais. No âmbito do Ministério da Saúde, houve a inclusão do nome social no cartão do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">Sistema Único de Saúde</a> (SUS)<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Já no governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), o SUS passou a contemplar terapias e cirurgias para travestis, transexuais e transgêneros. Apesar disso, em seu segundo mandato, a presidenta, que buscava composição com alas mais conservadoras do Poder Legislativo, foi bastante criticada pelos movimentos sociais, que consideravam haver demora em colocar o kit anti-homofobia nas escolas e o PLC 122, que criminalizava a LGBTQIA+fobia, em votação no Congresso<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
No governo de Michel Temer (MDB), a seu turno, houve campanhas e políticas para as minorias sexuais. Em 2016, o Ministério da Saúde lançou campanha voltada aos homens LGBTQIA+<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, houve também campanha de prevenção à Aids/HIV em paradas LGBTQIA+<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>. Atualmente, as políticas públicas voltadas para minorias sexuais não têm sido o foco do governo de Jair Bolsonaro (PL).
O panorama geral das ações dos diversos governos federais para a promoção e garantia de direitos fundamentais de minorias sexuais revela que os governos estão mais ou menos dispostos a elaborar políticas públicas conforme espectro político. Enquanto as ações do Poder Executivo sinalizam o reconhecimento da necessidade de políticas públicas voltadas às minorias sexuais, elas não são formuladas como políticas públicas de Estado constantes e consistentes. Ao contrário, são ações pontuais, políticas de governo<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Utilizaremos a definição de minorias sexuais de James S. Wilets, que inclui no grupo “todos os indivíduos que tradicionalmente têm sido distinguidos pela sociedade por conta de seu comportamento, orientação inclinação sexual ou identidade de gênero (...) sem incluir indivíduos cuja identidade sexual se baseia em comportamento sexual não consensual”. WILETS, James S. International Human Rights Law and Sexual Orientarion. In: Hastings International &amp; Corporativa Law Review. N; 18 (1994-1995), p.4 Tradução livre.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Luís Roberto Barroso, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010. SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. P. 251.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> LOPES, José Reinaldo de Lima. Da dissidência à diferença: direitos dos homossexuais no Brasil da ditadura à democracia. In GREEN, James; QUINALHA, Renan (org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EduFSCar, 2014.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> STF. Plenário. ADI nº 4.277 e ADPF nº 132. Rel. Min. Ayres Britto. Julgado em 05/05/2011.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. O custo dos direitos – por que a liberdade depende dos impostos. Martins Fontes: São Paulo, 2019. P. 173-174.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> LOPES, José Reinaldo de Lima. Da dissidência à diferença: direitos dos homossexuais no Brasil da ditadura à democracia. In GREEN, James; QUINALHA, Renan (org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EduFSCar, 2014.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> GOMES, Juliana Cesario Alvim. Por um constitucionalismo difuso: Cidadãos, Movimentos Sociais e o significado de Constituição. Salvador: JusPODIVM, 2016.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> MELLO, Luiz; AVELAR Rezende Bruno; MAROJA Daniela. Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
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<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> G1. Militantes gays criticam política do governo em conferência LGBT. Disponível em: <a href="http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/militantes-gays-vaiam-dilma-em-abertura-de-conferencia-lgbt.html">http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/militantes-gays-vaiam-dilma-em-abertura-de-conferencia-lgbt.html</a> Acesso em 11 de novembro de 2020.
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<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> BRASIL. Parada do Orgulho LGBT de SP terá ações de prevenção ao HIV. Disponível em: <a href="https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/parada-do-orgulho-lgbt-de-sp-tera-acoes-de-prevencao-ao-hiv">https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/parada-do-orgulho-lgbt-de-sp-tera-acoes-de-prevencao-ao-hiv</a> Acesso em 11 de novembro de 2020.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> MELLO, Luiz; BRITO, Walderes; MAROJA, Daniela. Políticas Públicas para a população LGBT no Brasil: notas sobre alcances e possibilidades.  Caderno Pagu. Número 39 Campinas Julho-dezembro, 2012.

LGBTQIA+

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JOTA

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