Thobias Prado Moura

Vivemos em um mundo cada vez mais digital, onde a urgência por um debate robusto sobre novos caminhos para a governança da internet se intensifica. Quase uma década depois do NetMundial, sediado no Brasil, a necessidade de uma abordagem renovada e mais participativa para a governança da internet é evidente.  
A internet transformou nossa maneira de viver, trabalhar, aprender e nos conectar. No entanto, com o seu avanço, desafios emergem na forma de questões complexas como a gestão de cabos submarinos de internet, fluxo transfronteiriço de dados, privacidade, a proliferação da desinformação, proteção de dados, inclusão digital, soberania digital e fragmentação da internet. Simultaneamente, a necessidade de inclusão de novos atores na discussão — de países emergentes a membros da sociedade civil — também é um imperativo.  
Quem deve controlar a internet? Como garantimos que ela permaneça aberta e acessível a todos? Como combatemos o discurso de ódio e a desinformação sem infringir a liberdade de expressão? Estas são perguntas complicadas, e encontrar as respostas certas é um desafio que todos nós enfrentamos, enquanto sociedade e comunidade, na hora de moldar o futuro da internet.  
Portanto, precisamos de um espaço onde possam ser debatidas de maneira transparente, inclusiva e cooperativa. Ecoando as ideias de <a href="https://circleid.com/posts/20230511-we-blinked-and-the-world-changed-challenges-of-generative-ai-to-internet-governance">Datysgeld</a>, um novo processo de NetMundial surge como a oportunidade para reafirmar o compromisso com esses princípios e para intensificar a participação de países emergentes e em desenvolvimento no palco global da governança da internet. Em 2014, o processo do NetMundial produziu uma declaração de consenso que reafirmou o compromisso com um modelo de governança da internet multissetorial, aberto, inclusivo e transparente. Hoje mais do que nunca precisamos nos lembrar dela. 
A governança da internet começou a nível mundial em 2005, impulsionada pela <a href="https://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/1/CadernosCGIbr_DocumentosCMSI.pdf">Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação</a> (WSIS) da ONU, que resultou na criação do Fórum de Governança da Internet (IGF) em 2006. Sua gênesis entendia corretamente o espírito da internet e era essencialmente multissetorial, ou seja, promovia a colaboração entre governos, academia, setor privado e sociedade civil. 
Contudo, modelo aberto a uma ampla gama de participantes vem enfrentando desafios significativos ao longo dos anos. 
Além das questões anteriormente trazidas, países como China e Rússia têm privilegiado uma lógica multilateral que coloca a posição estatal acima de outros atores. A União Internacional de Telecomunicações (UIT), uma agência da ONU marcadamente conhecida também pelo seu multilateralismo, tem buscado expandir seu papel na governança da internet, o que ameaça a característica inclusiva intrínseca ao modelo multissetorial. 
Em resposta a esses desafios, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lançou o <a href="https://www.un.org/techenvoy/global-digital-compact">Global Digital Compact</a> (GDC) em 2022. A iniciativa objetiva criar uma agenda de princípios e metas globais para orientar o desenvolvimento e a governança das tecnologias digitais. Porém, a efetividade do GDC vem sendo posta a prova.  
Primeiro, o fato de ser uma iniciativa voluntária dificulta a participação de todos os stakeholders relevantes, especialmente quando todo o processo é feito a partir da semiótica estatal – regra em processos oriundos do sistema ONU – com pouca participação da sociedade civil dentro do processo de tomada de decisões. Segundo, chegar a um consenso sobre um conjunto comum de princípios e metas é um processo demorado e complicado. E, mesmo que um consenso seja alcançado, ainda há a questão de como esses princípios e metas serão traduzidos em ações concretas. 
É evidente que a complexidade e a natureza das tecnologias digitais – e consequentemente da internet – exigem uma abordagem que seja global, cooperativa e multissetorial, envolvendo diferentes tipos de atores não apenas governos, mas também empresas, organizações da sociedade civil, acadêmicos e até mesmo cidadãos individuais. 
Em um momento crítico para o Brasil, onde se debatem questões como a regulação de plataformas, o modelo de responsabilidade dos intermediários oriundo do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a>, o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/fair-share-necessidade-ou-ameaca-a-internet-09072023">"fair share"</a>, a regulação da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a>, a soberania digital e a desinformação, a realização de um NetMundial+10 em território brasileiro não é apenas uma necessidade, mas uma oportunidade. 
Para países em desenvolvimento, principalmente aqueles localizados fora do eixo EUA-Europa, uma nova versão seria uma oportunidade única de se inserir nas discussões globais sobre questões digitais a partir de suas lógicas locais e regionais, que ainda hoje são marginalizadas. 
Dessa forma, seria possível reiterar a realidade, a experiência e o saber dos países emergentes, além de abrir caminhos inexplorados para sua participação e influência. Isso porque os países em desenvolvimento podem trazer novas perspectivas e soluções para a mesa, contribuindo para um desenvolvimento mais equitativo e sustentável da internet. 
No final das contas, uma internet verdadeiramente global e inclusiva requer um esforço conjunto de todos os envolvidos. É hora de dar um passo adiante, reafirmar nossos compromissos com a inclusão e a diversidade, e trabalhar juntos para um futuro digital que seja inclusivo, seguro e sustentável. 
Também é a hora do Brasil retomar o seu papel de destaque nesta questão, uma vez que já mostrou ao mundo que está pronto para propor soluções democráticas e justas para um futuro digital global, inclusivo, seguro e sustentável.  
Construir um futuro digital verdadeiramente global, inclusivo, seguro e sustentável só é possível se passarmos a enxergar o mundo com “os olhos de quem quer ver” e eles apontam para criação de processos de tomada de decisão mais inclusivos e menos centrados no Estado. Somente uma agenda ampla que contemple a margem global é capaz de garantir tal objetivo.   
Afinal, como já bem disse Eduardo Galeano “somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”

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JOTA

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