Leonardo Euler de Morais

Rodrigo Ugarte Ferreira

A crise climática é indiscutivelmente um dos principais desafios da humanidade. É objeto de crescente preocupação e de consenso político-científico que se consolida, inclusive, por força das evidências dos nefastos e cada vez mais recorrentes fenômenos climáticos extremos.
Não por acaso, o secretário-geral da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/onu">Organização das Nações Unidas (ONU)</a>, António Guterres, tem se pronunciado de forma assertiva acerca da emergência climática. Pontuou que “cientistas do clima alertam que já estamos perigosamente perto de pontos de inflexão que podem levar a impactos climáticos em cascata e irreversíveis”. Com a mesma contundência, admoestou que “as promessas e planos climáticos devem ser transformados em realidade e ação, agora”.
Sob uma perspectiva mais generalista, mas que se aplica com perfeição ao desafio climático, vale destacar o dito atribuído à Einstein: “é na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar ‘superado’”.
Conjugadas essas duas fortes e inexoráveis observações, a emergência climática representa também uma oportunidade singular, notadamente a partir da tendência de eletrificação da economia. Um horizonte de possibilidades de desenvolvimento, industrialização, inclusão e geração de emprego e renda. Uma conjuntura histórica para a promoção de uma nova revolução industrial acompanhada de inclusão social e de sustentabilidade, o que se convencionou denominar por uma transição justa.
Com o fito de aproveitar essa janela de oportunidade, diferentes nações têm lançado mão de planos e políticas públicas para conferir concretude aos ensejos da transição energética.
O chamado Inflation Reduction Act, aprovado nos Estados Unidos em 2022, aporta fundos de US$ 369 bilhões para descarbonizar a indústria e o transporte nos EUA. Estão assegurados recursos massivos, tanto em termos de crédito quanto de subsídios, para alavancar a indústria verde norteamericana e reforçar os diferentes elos da cadeia de suprimentos necessários para tal.
Em resposta ao ambicioso plano levado a cabo pelos EUA, a Comissão Europeia expediu um conjunto de diretrizes, políticas e estratégias intitulado, no anglicismo, por Green Deal Industrial Plan. Busca-se salvaguardar vantagens competitivas no espaço de tecnologia verde ao revitalizar os fundos existentes na União Europeia destinados a descarbonizar a economia do bloco.
Israel tampouco fica atrás. Recentemente, lançou um plano nacional abrangente para integrar o hidrogênio, vetor energético de crescente interesse global, ao cenário de desenvolvimento do país. São alguns exemplos de nações que buscam ganhar relevância na geopolítica energética global.
Na disputa pela atração de capital e investimentos produtivos, os recursos naturais brasileiros indubitavelmente representam um diferencial. Nessa mesma esteira, a matriz elétrica brasileira, cada vez mais diversificada e destacada em fontes renováveis, é outra alavanca que joga a favor dos interesses do país. Estudo da Bloomberg NEF aponta o Brasil como detentor da melhor vantagem competitiva para a produção de hidrogênio verde.
Conquanto importantes, estratégicas e necessárias, tais condições não são suficientes para que o Brasil protagonize a transição energética e maximize as oportunidades dela decorrentes. A efetividade dos mecanismos de incentivos à chamada Economia Verde, estruturados a partir de uma política industrial, podem ser mais determinantes na concorrência pela atração de investimentos intensivos em capital e de recursos escassos.
Esse capital é fluido. Porém, uma vez tomadas as decisões de investimento, é de longa maturação. Ou seja, o jogo não é necessariamente sobre as dotações naturais e iniciais atinentes ao custo de produção estimado, mas passa destacadamente pelas condições proporcionadas para implementação de projetos de forma célere, eficiente, sustentável e viável.
Nessa perspectiva, a conformação administrativa do governo federal denota acenos positivos. Na estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) foi criada a <a href="https://www.jota.info/executivo/rollemberg-governo-quer-aprovar-projeto-de-mercado-de-carbono-antes-da-cop-28-23062023">Secretaria de Economia Verde</a>, Descarbonização e Bioindústria. Já no âmbito do Ministério de Minas e Energia (MME), foi instituída a Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento.
São sinais notáveis em termos de prioridades para materializar a ideia referida por neoindustrialização brasileira, precisa e acertadamente pontuada pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB). Apesar da evidente importância desta agenda, do potencial de desenvolvimento econômico e social que representa, e a despeito dos abundantes recursos naturais brasileiros, as bases para a projeção desse novo ciclo de industrialização não estão, ainda, sedimentadas.
Com efeito, ineficiências, seja de ordem tributária ou regulatória, indicam movimento contrário ao almejado, qual seja, a desindustrialização.
O contexto da indústria de geração de energia eólica é emblemático nesse sentido. Não obstante o significativo incremento da capacidade instalada derivada de fonte eólica, essencial para a diversificação e a segurança da matriz elétrica brasileira que todavia segue demasiadamente exposta ao risco associado ao regime de chuvas, assimetrias regulatórias e tributárias em prol de componentes importados privilegiam a exportação de renda, emprego e desenvolvimento em detrimento da exportação de tecnologias produzidas pela base industrial aqui instalada. Esclarece-se, de antemão, que com tal observação não se pretende sustentar uma agenda protecionista, e sim de isonomia competitiva (level-playing field).
A desatualização de disposição constante da <a href="https://www.gov.br/produtividade-e-comercio-exterior/pt-br/assuntos/camex/estrategia-comercial/lista-de-excecoes-a-tarifa-externa-comum">Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum</a> para grupo eletrogêneo de energia eólica é um dos elementos ensejadores de uma disfunção competitiva que, em suma, confere aos aerogeradores importados vantagens tributárias em relação aos manufaturados em território nacional em prejuízo de toda uma cadeia de valor implantada ao longo de mais de uma década.
Enquanto isso, componentes de turbinas eólicas importados cruzam o sertão da Bahia após ingresso no país com total isenção de impostos. A região, atualmente com 14,4% de desempregados segundo a última PNAD do IBGE, possui vários fabricantes de máquinas e equipamentos especializados no setor. Arcando com uma carga tributária da ordem de 35%, além dos impostos de importação para aquisição de insumos básicos, diversos deles anunciaram o encerramento, a hibernação ou a redução de suas atividades fabris.
A atual sistemática de ressarcimento de créditos acumulados do PIS e da Cofins constitui outro exemplo. Da atual dinâmica operacional para viabilizar o ressarcimento destes créditos tem se constatado, notadamente em razão do lapso temporal necessário para tal, uma relação de “perde-perde” entre fabricantes de aerogeradores e a Administração Pública.
A própria Controladoria-Geral da União (CGU), ainda em 2021, apontou a questão em Relatório de Avaliação ao asseverar que “o tempo necessário para que as empresas submetam e recebam o ressarcimento de tributos não cumulativos como IPI, PIS e Cofins pode influenciar a competitividade das firmas estabelecidas no país, afetando, por conseguinte, o ambiente de negócios nacional e o crescimento econômico do país como um todo”. E ressaltou “que o reconhecimento do direito creditório do contribuinte em prazo superior a 360 dias, especialmente no caso dos ressarcimentos, pode expor a União a risco financeiro, dada a jurisprudência do STJ que autoriza incidência da correção monetária a partir do fim do prazo do art. 24 da Lei 11.457/2007”. É exatamente o que ocorre. Em breve síntese, restam prejudicados ambos os interesses público e privado.
Nesse particular, o arcabouço tributário é elemento determinante para a própria efetividade das políticas públicas. Dito de outra forma, o êxito dos objetivos de desenvolvimento sustentável e de expansão dos investimentos em energias renováveis passa, em grande medida, pela eficiência do arranjo tributário. E para além da correção das atuais distorções, todavia não é sabido a forma pela qual as atividades econômicas diretamente relacionadas à transição energética estarão diferenciadas no contexto da reforma tributária.
As condições de financiamento constituem outro importante pilar para o sucesso da transição energética. As recentes iniciativas internacionais, acima aludidas, revelam a importância de se repensar os mecanismos de financiamento com o fito de apoiar a neoindustrialização verde a partir da expansão de projetos de larga escala de geração de energias renováveis.
Não menos importante é a infraestrutura necessária para sustentar a implementação de tais projetos. Os gargalos logísticos e de transmissão acabam por solapar as vantagens competitivas decorrentes dos recursos naturais brasileiros. Verifica-se um descompasso entre o planejamento da expansão da transmissão e a oferta de geração de energia renovável. As limitações das rodovias brasileiras têm impactado fortemente a exequibilidade dos projetos eólicos onshore. E a prática de cabotagem – comum para transporte de grandes componentes na Europa e nos EUA, e fundamental para os projetos de exploração de geração de energia eólica offshore – praticamente inexiste no Brasil.
Acerca dos mencionados empreendimentos energéticos offshore, em que pese o enorme interesse manifestado por diversos investidores a partir de projetos submetidos ao Ibama, o Brasil segue desprovido de marco normativo que confira segurança jurídica e previsibilidade no que concerne às regras atinentes à outorga de direito de uso dos prismas em sua ampla faixa de recursos naturais (seja no mar territorial, na zona econômica exclusiva e/ou na plataforma continental).
E, para muito além disso, o Poder Público precisa indicar e albergar uma visão de Estado acerca do desenvolvimento da oportunidade em comento de forma concatenada de políticas públicas que promovam o adequado aproveitamento energético offshore brasileiro. Afinal, o uso dos bens da União para transformação de energia a partir de projetos offshore dialoga diretamente com a pretendida neoindustrialização verde. Raciocínio análogo é válido para o caso do mercado regulado de carbono e para o desenvolvimento de um programa efetivo para o mercado de hidrogênio de baixo carbono.
Com notório foco no segmento eólico, o presente artigo não pretende esgotar as perspectivas e os desafios relacionados à industrialização verde no Brasil. Cuida-se apenas de singela reflexão acerca dos caminhos a serem trilhados pela economia brasileira no atual contexto de crise e oportunidades associado às mudanças climáticas.
Neoindustrialização ou desindustrialização? Protagonista ou coadjuvante da transição energética? O Brasil está vocacionado a assumir um papel de destaque, inclusive de exportador energético em grande escala. Mas tal condição não lhe está de pronto afiançada. Não basta que os ventos conspirem a favor.
Em linha com a citação de Einstein, precisará "superar a si mesmo para não ficar superado".

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JOTA

Neoindustrialização verde ou desindustrialização

Brasil está vocacionado a um papel de destaque na neoindustrialização da economia verde, mas não basta que os ventos conspirem a favor

Neoindustrialização verde ou desindustrialização

Qual caminho será trilhado pelo Brasil?