Rudy Ferraz

Felipe Costa Albuquerque Camargo

A recente sabatina no Senado de André Mendonça, indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), estampou uma preocupação da sociedade brasileira com a erosão lenta e gradativa do regime democrático motivado pela instalação silenciosa de um regime juristocrático.
Nesse cenário, põe-se em causa a seguinte questão: o protagonismo judicial sem limites (também conhecido como ativismo judicial) é ou não compatível com os princípios que estruturam o Estado Democrático de Direito?
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Como dizia o ministro Marco Aurélio durante a judicatura, a resposta é verdadeiramente negativa! Uma sociedade estruturada em bases democráticas não comporta o crescente protagonismo judicial, social e político de magistrados. Esses agentes passaram a ocupar espaços que antes eram exclusivamente dominados pelos agentes políticos eleitos pelo povo, os quais perdem progressivamente importância político-social diante do modelo iluminista imposto.
Um exemplo dessa situação ocorreu no último dia 1º de dezembro, no âmbito da ADPF 828/DF, na qual o relator, ministro Luís Roberto Barroso, concedeu nova tutela provisória de urgência afirmando que é preciso suspender qualquer ato de defesa da posse no âmbito rural, em direta afronta à decisão legislativa tomada na tramitação do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148656">PL 827/2020</a> – este originou a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14216.htm">Lei 14.216/2021</a>, que disciplina a suspensão de atos de remoção de pessoas durante a pandemia da Covid-19.
No Senado, a discussão do mencionado PL se deu, justamente, acerca da isonomia entre o campo e a cidade. Ora, é no imóvel rural que se tem a produção de alimentos. Nessa propriedade que a comida é germinada, tomando-se trabalho e tempo. A atividade econômica do produtor rural, defendida constitucionalmente (artigo 187 da Carta da República), possui peculiaridades que demandam o devido respeito ao direito de propriedade.
A função social da propriedade, hipoteca constitucional do direito de propriedade, aplica-se ao imóvel rural exigindo a adequada exploração da área, sob pena de desapropriação (artigo 184 da Constituição).
A propriedade rural possui duas funções primordiais: 1) moradia e 2) exercício de atividade econômica e labor pelo produtor rural. Portanto, considerando o período pandêmico, no qual a atividade agropecuária necessita de maior proteção e perenidade, especialmente contra invasões de propriedade, o PL 827/2020, na Casa Federativa, sofreu alterações para retirar qualquer suspensão de ato de remoção de pessoas de imóveis rurais.
A pretensão foi clara: onde se produz alimentos é necessário garantir o pleno exercício do direito de posse e propriedade, com todos os meios de defesa a eles inerentes, notadamente em período de pandemia. Sendo assim, reconhecendo a importância do setor agropecuário, o Senado observou a necessidade de dar tratamento materialmente isonômico aos âmbitos urbano e rural. Veja-se: a agropecuária teve seu PIB elevado em 24,31% em 2020, o que representou 26,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, bem como, mesmo neste momento de instabilidade, já registra população empregada em níveis superiores ao pré-pandemia <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. É inegável a necessidade de tratamento adequado e diferenciado, pois equiparar o meio urbano ao rural é fechar os olhos para a isonomia material.
O PL, então, foi aprovado em ambas as Casas Legislativas e se tornou a Lei 14.216/2021 em 8 de outubro, estabelecendo apenas para o âmbito urbano a suspensão de atos de remoção de pessoas até 31 de dezembro deste ano.
Na data de 19 de novembro, foi efetuado pedido de tutela de urgência incidental na ADPF 828/DF, solicitando a prorrogação do prazo de suspensão dos atos de remoção de pessoas por mais um ano ou até que cessem os efeitos sociais e econômicos decorrentes da pandemia. Nos pedidos finais não se observa menção à equiparação do campo e da cidade ou inconstitucionalidade da Lei 14.216/2021.
Diante desse pedido, o ministro Barroso deferiu nova tutela provisória incidental, estendendo a suspensão 1) de remoção de pessoas e 2) atos de defesa da posse ambos para o âmbito rural, sob as justificativas de que a) há uma omissão do Congresso Nacional no ponto; b) é irrazoável distinguir rural e urbano no caso; e c) configura-se como proteção insuficiente a possibilidade de defesa da posse e propriedade no campo.
Essa decisão, ao fim e ao cabo, demonstra que o iluminismo judicial prospera no Supremo Tribunal Federal. Coincidência ou não, a decisão foi proferida no mesmo dia em que diversos senadores e senadoras criticavam o excesso de ativismo judicial pelos ministros do STF.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado demonstrou de forma clara sua insatisfação com a verdadeira quebra da separação de Poderes que vem ocorrendo. Contudo, como se buscasse demonstrar sua superioridade, uma decisão monocrática do STF ignora todo o processo legislativo e o silêncio eloquente presente na Lei 14.216/2021, criando a ilusória ideia de omissão legislativa ao se excluir o âmbito rural do referido normativo.
Com o devido respeito, não houve omissão. Os professores de direito constitucional, inclusive, poderiam utilizar o exato caso do processo legislativo da Lei 14.216/2021 para definir com exatidão silêncio eloquente e omissão legislativa. A retirada, no Senado Federal, do meio rural da previsão de suspensão de remoções deixa claro e inequívoco que não se trata de omissão, mas de decisão político-legislativa em razão das particularidades do meio rural.
Ainda para destacar o acerto da lei e o equívoco da decisão da ADPF 828/DF, irrazoável é comparar o incomparável. Será que as pessoas que estão em home office se preocupam se vai chover para sua produção prosperar? Melhor, será que eles vivem com o medo de terem sua propriedade invadida no meio da noite e perderem sua moradia e seu trabalho de meses ou anos? São exemplos de ausência de análise prospectivas dos efeitos concretos da decisão cautelar tomada na referida ADPF.
Por fim, impossibilitar o devido processo legal e as formas legais de defesa da posse e propriedade rural, em hipótese alguma, deve ser configurado como proteção suficiente. A situação é exatamente oposta, notadamente porque a Constituição — ao amparar o proprietário com a garantia do direito de propriedade (artigo 5º, XXII) — proclama que a todos é garantida a ampla defesa (artigo 5º, LV).
Portanto, “não é lícito ao Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou movimento social organizado, de uma agenda político-social, quando caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedade rurais, em desfio inaceitável à integridade da ordem jurídica. — O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República" (ADI 2213/STF).
Frisa-se, o produtor rural necessita de segurança jurídica para produzir alimentos para o Brasil e para o mundo. Tolher seu direito de defender sua propriedade é inconstitucional per si.
Em síntese, o que se observa no atual cenário é a mais clara violação à separação dos Poderes, em cristalina demonstração de ativismo judicial com menosprezo ao Congresso Nacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/mercado-de-trabalho-e-pandemia-agronegocio-evidencia-resiliencia-frente-a-crises.aspx">https://www.cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/mercado-de-trabalho-e-pandemia-agronegocio-evidencia-resiliencia-frente-a-crises.aspx</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.udop.com.br/noticia/2021/09/28/agronegocio-volta-a-ter-mais-emprego-do-que-antes-da-pandemia.html">https://www.udop.com.br/noticia/2021/09/28/agronegocio-volta-a-ter-mais-emprego-do-que-antes-da-pandemia.html</a> e <a href="https://clickpetroleoegas.com.br/agronegocio-esta-em-alta-no-brasil-gerando-150-mil-empregos-e-comida-na-mesa-da-populacao/">https://clickpetroleoegas.com.br/agronegocio-esta-em-alta-no-brasil-gerando-150-mil-empregos-e-comida-na-mesa-da-populacao/</a>

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JOTA

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