Manoel Gonçalves Ferreira Filho

Um dos temas recorrentes do direito político brasileiro é a escolha entre presidencialismo e parlamentarismo. 
Ela se ocorreu no ocaso do Império, quando se visou substituir o “regime do falatório e da intriga” por um outro que promovesse ativamente a Ordem e o Progresso, isto o que hoje se denomina de Desenvolvimento.
Repetiu-se sob a Constituição de 1946, quando por duas vezes foram discutidas propostas de Emenda Constitucional substituindo o presidencialismo “caudilhista” pelo civilizado parlamentarismo. Foi a ocasião imortalizada pelos debates entre Afonso Arinos e Raul Pilla, em que o primeiro a final se deu por vencido e renunciou ao regime do “plebiscito entre dois demagogos” e aderiu ao sistema parlamentar. 
A isto se seguiu, um pouco mais tarde, por breve período, um parlamentarismo decorrente da renúncia de presidente e como preço de que se evitasse uma guerra civil. Entretanto, desde o primeiro passo, tinha ele os dias contados, porque condenado pelo novo presidente que se sentia esbulhado do poder incontrastável de seus antecessores, particularmente de seu mestre, Getúlio Vargas.
Reabriu-se na Constituinte de 1987/8, quando pareceu triunfar uma versão parlamentarista, afastada a duras penas pelo presidente de então. Assim mesmo, importou num plebiscito em 1993, quando a maioria do povo – que evidentemente não conhecia as diferenças entre um e outro sistema – preferiu o que existia ao que desconhecia.
<blockquote class="western jota-article__eye">Renovou-se há poucos anos, quando um impeachment fez tremer a democracia, ou temer por ela. </blockquote>
A disputa, academicamente tratada, destaca os méritos e defeitos de um e outro.
Os parlamentaristas, como o grande Paulo Brossard, destacam o seu valor como instrumento de governabilidade, pois, importa na colaboração entre Executivo e Legislativo que é indispensável num estado de direito democrático, pois neste não se governa senão de acordo com a lei. Acentuam a sua adaptabilidade à vontade popular, pois a representação seria fiel àquilo que em cada momento deseja o soberano, o povo. 
No outro sistema, condenam o “plebiscito entre dois demagogos”, a força despropositada de um só num Estado que, hoje não fica adstrito à administração e à manutenção da ordem, mas tem o dever de instaurar o bem estar de todos. Acrescentam a sua natural tendência ao autoritarismos e o fato de que não abre caminho para a correção da má governança no intervalo das eleições senão ao preço de grave e impactante crise.
Os presidencialistas retrucam que o sistema parlamentar é frágil na estabilidade, pois depende, salvo exceções, do apoio de muitos partidos de ideias diferentes (às vezes sem elas, exceto a conquista do poder). Nele, a governança se torna instável, pois a sua direção varia com as substituições de gabinete e, em consequência, acarreta a impotência em face dos grandes problemas que a cada dia, então, se agravam.
É isto é desastroso no Estado contemporâneo, um Estado de Bem Estar que é o promotor do desenvolvimento, o controlador da economia – sendo também banqueiro e empresário – protetor dos desaquinhoados, médico de todas pandemias e epidemias, mecenas da cultura, etc. 
Tudo, sem lhe retirar a missão de garantir a ordem, reprimir a criminalidade e assegurar a independência, num mundo globalizado em que as relações (e ambições) internacionais têm um peso descomunal. Enfim, um Estado sobrecarregado, que precisa de uma liderança forte e enérgica.
Insistem no mérito da estabilidade que o mandato de duração determina enseja (conquanto os fatos não raro o desmintam), pois seria melhor um mau governo atuante do que um governo impotente. 
Confiam em que a colaboração com o Legislativo é obtida pela inteligente coalizão de partidos irmanados por seus ideais e programas (ainda muitas vezes esses partidos não sejam senão máquinas para a conquista do poder e obtenção de vantagens para seus líderes ou grupos que o apoiam). 
Na falta disso, preveem que o Presidente atue por meio de leis provisórias (o que o faz todo poderoso pela acumulação de Poderes). E pretendem que freios e contrapesos detém o autoritarismo, particularmente as garantias dos direitos fundamentais.
Se olharmos para o mundo afora, tanto o sistema parlamentar pode exibir êxito, como o presidencial. Quem nega o sucesso do parlamentarismo inglês ou do presidencialismo norte-americano, ainda que de vez em quanto tenham suas mazelas?
<blockquote class="western jota-article__eye">Entretanto, hoje existe um concorrente novo na disputa: é o sistema que procura combinar os méritos do parlamentarismo com os méritos do presidencialismo, evitando-se os males de um e outro. </blockquote>
Conforme a combinação surge um semipresidencialismo, como o francês, ou um semiparlamentarismo, como o português. E que varia entre um e outro estilo conforme quadro. Tem, como aponta o eminente jurista português, Blanco de Morais, uma dinâmica variável.
Em ambos os casos, existe um presidente da República eleito pelo povo – o que lhe dá forte legitimidade – com poderes efetivos para atuar na governança, seja para coibir erros, seja para reclamar ações positivas, o que é de particular relevo nas emergências. Ele tem mandato de duração determinada, é, pois o alicerce da governabilidade.
Entretanto, ele não se imiscui no dia a dia da condução dos negócios públicos. Ele governa, no sempresidencialismo, por meio de um Conselho de Ministros, encabeçado por um Primeiro Ministro.
Tal Conselho, ou gabinete – assim se dizia no Império – depende do apoio da maioria parlamentar e deve consentir na sua investidura, mas pode afastá-lo quando não bem servir. Tal maioria, porém, tem de ponderar a conveniência e o risco de fazê-lo, porque pode haver a dissolução dos mandatos, com nova eleição em que o povo decide o que prefere.
Este sistema se aplica na França há mais de sessenta anos, pois foi estabelecido pela Constituição de 1958. Tem dado ao país uma governança estável, eficiente e democrática, sem que se tenha notícia de crises a afetá-la, apesar dos graves problemas que tem enfrentado. Igualmente preside o constitucionalismo português sob a Constituição de 1976 – tão decantada por muitos na Constituinte brasileira, mas nos seus aspectos negativos, hoje corrigidos.
O semipresidencialismo é o sistema que Sartori, no livro Engenharia Constitucional (p. 152) recomenda para Estados presidencialistas que desejem mudar. Uma mudança que preserva a tradição republicana, dá ao povo decisão sobre os rumos do país e não exige mais do que uma Emenda parlamentar.
Ele preserva o Presidente, mas flexibiliza a governança e a facilita, ensejando pelo governo de gabinete uma colaboração entre o Executivo e o Legislativo indispensável ao Estado de Bem Estar. E até permite, se for o caso, que o presidente mude, sem perder a face, a sua linha política. Claro está que não resolve todos os problemas institucionais, mas pode abrir caminho para tanto.

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JOTA

Claro que o sistema não resolve todos os problemas institucionais, mas pode abrir caminho para tanto

Nem presidencialismo, nem parlamentarismo: o semipresidencialismo

Claro que o sistema não resolve todos os problemas institucionais, mas pode abrir caminho para tanto