Rudy Ferraz

Viviane Faulhaber

Rhuan Rafael Lopes de Oliveira

A discussão quanto à natureza jurídica da contribuição devida ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senar">Senar</a>), sob a ótica das correntes jurisprudenciais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>), está pacificada no sentido de que “(...) possui natureza de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas, em sua essência jurídica, destinada a proporcionar maior desenvolvimento à atuação de categoria específica”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
De fato, a referibilidade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, no caso, é inequívoca: trata-se de uma contribuição cobrada do rural e cujo produto da arrecadação é aplicado integralmente em favor de todo o setor de produção rural para consecução das atividades desenvolvidas pelo Senar sob três grandes escopos que alcançam transversalmente todo o setor (trabalhadores e produtores rurais): formação profissional rural (FPR), promoção social (PS) e assistência técnica e gerencial (ATeG).
Por meio da formação profissional rural são ofertados cursos, capacitações e outras atividades (palestras, oficinas, seminários, dias de campo, workshop, entre outros) aos produtores e trabalhadores rurais.
A promoção social possui enfoque educativo e possibilita ao trabalhador, produtor rural e suas famílias a aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais e mudanças de atitudes que favorecem melhor qualidade de vida e participação na comunidade<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O serviço de Assistência Técnica e Gerencial, por sua vez, é prestado pelo Senar ao produtor rural mediante metodologia própria que prevê o acompanhamento mensal das propriedades rurais (durante 24 meses) com foco na melhoria dos processos produtivos, na otimização econômica, tecnológica e no desenvolvimento social da família rural.
O fato de ser cobrada do rural e revertida integralmente em favor do setor de produção rural, e o fato de a receita ser gerida e aplicada por entidade privada desvinculada da administração e vinculada à entidade sindical dos produtores rurais, constitui ponto fulcral da diferenciação entre a contribuição ao Senar e as contribuições sociais gerais (como é o caso da contribuição ao FGTS).
Nesse sentido, interessante notar que a Receita Federal também classifica a contribuição ao Senar como de interesse das categorias profissionais ou econômicas (parágrafo único do art. 148 da IN RFB 2110/22)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A mesma conclusão pode ser encontrada no professor Paulo de Barros Carvalho juntado aos autos do RE 816.830<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> que possui conclusão neste sentido, verbis:
<blockquote class="jota-article__citation">“A partir dos contornos da regra-matriz de incidência tributária da contribuição ao Senar e das disposições contidas na Lei instituidora, regulamento e regimento interno, que disciplinam os objetivos sociais dessa entidade, parece-me adequado afirmar que se trata de contribuição instituída no interesse da categoria econômica dos produtores rurais.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Com efeito, trata-se de tributo que visa a custear o conjunto de atividades desempenhadas por entidade diretamente vinculada à CNA. Esta, por sua vez, é entidade sindical representativa dos produtores rurais, ou seja, do mesmo grupo que está sujeito ao pagamento da contribuição. A referibilidade, de que tratei no item 4.2, portanto, não se faz com uma categoria profissional (os empregados de produtores rurais), mas com uma categoria econômica (os produtores rurais).</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Ademais, o detalhamento dos objetivos e atribuições do Senar evidenciam que as atividades de ensino e assistenciais são ferramentas que servem de meio para o objetivo do aumento da produtividade rural, no interesse da categoria econômica. São instrumentos implementados em favor do produtor rural, como evidenciam os cuidados de assistência gerencial (art. 2º do Regulamento) e, ainda, da implementação de programas de formação diretamente no estabelecimento empregador (art. 1º, II, do Regimento Interno)” (páginas 22 e 23 do parecer)</blockquote>
Resta claro, portanto, a classificação da natureza jurídica da contribuição ao Senar como contribuição instituída no interesse da categoria econômica.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de obiter dictum, tangenciou a questão no julgamento do RE 816.830, no bojo do qual foi reconhecida a repercussão geral da discussão acerca da constitucionalidade em si da contribuição ao Senar incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
Em consonância com a matéria afetada, o ponto principal discutido quando do julgamento da repercussão geral foi a validade da alteração da base de cálculo da contribuição de folha de salários para receita, à luz dos artigos 150, II, e 240 da Constituição Federal e do art. 62 do ADCT, o que reflete a tese fixada no sentido de que “É constitucional a contribuição destinada ao Senar incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, na forma do art. 2º da Lei nº 8.540/92, com as alterações do art. 6º da Lei 9.528/97 e do art. 3º da Lei nº 10.256/01”.
De forma acessória – em obter dictum – quatro ministros do STF teceram considerações acerca da natureza jurídica da contribuição ao Senar. Na ocasião os ministros Dias Toffoli e Edson Fachin entenderam pela classificação do tributo como contribuição social geral, ao passo que os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes concluíram tratar-se de contribuição corporativa.
Essa circunstância, inclusive, foi confirmada no julgamento dos embargos de declaração opostos no leading case, ocasião em que o ministro relator afirmou que “o debate acerca da natureza jurídica da contribuição ao Senar consistiu em mero obiter dictum (...). De mais a mais, chamo atenção para o fato de que não constou da tese de repercussão geral fixada no julgado ora embargado qualquer referência à natureza jurídica da contribuição ao Senar”. O julgamento foi suspenso em razão de destaque do ministro Alexandre de Moraes, mas a indicação do relator ajuda a compreender a efetiva extensão da tese repetitiva.
Sendo assim, não há, no RE 816.830, decisão definitiva de mérito quanto a natureza jurídica da contribuição devida ao Senar, até mesmo porque, com exceção do relator, nenhum dos ministros enfrentou a fundo a questão da referibilidade da contribuição ao Senar, notadamente ante a sua peculiaridade em relação às demais contribuições do Sistema S.
Diante de todo esse cenário, torna-se relevante tecermos considerações acerca da aplicação e do alcance dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 62 do regimento interno do Carf<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Em primeiro lugar é preciso ressaltar que esses dispositivos buscam cumprir o sistema de precedentes estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2015, aplicado ao processo administrativo de forma supletiva e subsidiária (art. 15 do CPC)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, notadamente seus artigos 926<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> e 927<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Ademais, adentrando ao âmbito de aplicação, tais dispositivos regulam a atuação judicante dos conselheiros do Carf estabelecendo que estes (a) não podem fazer juízo acerca da constitucionalidade de tratados, leis ou decretos, salvo quando houver pronunciamento do STJ ou do Supremo Tribunal Federal em sede de recursos repetitivos; (b) devem observância obrigatória à jurisprudência qualificada firmada pelos tribunais superiores.
A sua aplicação pressupõe, portanto, a existência de decisão vinculante do STJ ou STF, assim qualificada quando tomada em sede de recurso especial repetitivo ou de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (arts. 1036 e seguintes do CPC).
Neste ponto torna-se relevante a definição da extensão do conceito de decisão de mérito, pois nem tudo que consta de um acordão repetitivo possui eficácia vinculante. É o caso, por exemplo, das afirmações feitas em sede de obter dictum que, embora tenham relação com a ratio decidendi, não integram a parte dispositiva do julgado e não se incluem no conceito de decisões de mérito, conforme já decidido pelo Supremo<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Como visto, a despeito de ser uma matéria relevante, o STF não possui até o momento decisão de mérito acerca da natureza jurídica da contribuição ao Senar.
Em conclusão, por força do RICARF, as considerações feitas pelo Supremo em sede de obiter dictum em qualquer dos sentidos não podem fundamentar o afastamento de normativos sobre o tema da natureza jurídica da contribuição ao Senar, o que sugere o enfrentamento da questão de forma direta pela Suprema Corte em um futuro próximo.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Carf. Acórdão 9202-006.595, Cons.ª Rel.ª ANA CECÍLIA LUSTOSA DA CRUZ, sessão de 20 março 2018.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “(...) tendo o constituinte empregado, como critério classificatório, a finalidade de cada uma delas, representada pela destinação legal do produto arrecadado” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 76.)
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://cnabrasil.org.br/storage/arquivos/Manual-Orientacao-SENAR_2022.pdf">https://cnabrasil.org.br/storage/arquivos/Manual-Orientacao-SENAR_2022.pdf</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 148. As contribuições sociais previdenciárias de que trata este Capítulo não incidem sobre as receitas decorrentes de exportação.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à contribuição devida ao Senar, por se tratar de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas.”
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=767357326&amp;prcID=4584485">https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=767357326&amp;prcID=4584485#</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> “Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
<ul>
<li>
1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
</li>
</ul>
(...)
II - que fundamente crédito tributário objeto de:
(...)
<ol start="5">
<li>
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária;
</li>
</ol>
(...)
<ul>
<li>
2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF”
</li>
</ul>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> “a posição firmada em obiter dictum não autoriza a deflagração da reclamação constitucional, destinada a assegurar a autoridade das manifestações decisórias da Corte, e não de seus fundamentos, tampouco de considerações e esclarecimentos periféricos” (Rcl 21884 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Primeira Turma, DJ 11-04-2016)

no-one-cares-l_5MJnbrmrs-unsplash (1)

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

STF não possui até o momento decisão de mérito sobre essa matéria relevante

Natureza jurídica da Contribuição ao Senar e o Carf

STF não possui até o momento decisão de mérito sobre a natureza jurídica da Contribuição ao Senar, a despeito de ser uma matéria relevante