José Augusto Garcia de Sousa

Em uma nação “cordial”<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> especialmente bárbara em relação às suas mulheres, não é de se espantar tenham sido duas delas os alvos dos assassinatos que mais abalaram a esfera pública brasileira na presente década: a vereadora Marielle Franco e a juíza Patrícia Acioli. Marielle e Patrícia, Patrícia e Marielle. Autênticas mártires, morreram em razão das causas nas quais acreditavam.
Lamentavelmente, até hoje não se chegou à autoria do homicídio que acabou com a vida e o sorriso de Marielle. Seguem as investigações, confusas e erráticas. A última notícia é de que se abriria uma investigação federal sobre a investigação estadual, o que provocou fortes críticas dos investigantes ameaçados de investigação. Impossível um roteiro tão favorável à impunidade dos criminosos. Não bastasse, a memória de Marielle se vê diuturnamente lacerada. Em tempos de ódios triunfais e irracionalidade nas nuvens, ela tornou-se um símbolo da perversão “comunista” – sim, ressuscitamos o comunismo! –, cuidando-se de alguém, em consequência, que não merece respeito ou consideração, ainda que já não viva mais.
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A memória de Patrícia, abatida em frente da própria casa por nada menos do que 21 tiros, teve mais sorte. Sua família e seus amigos não foram obrigados a conviver com as mesmas torpezas lançadas contra o nome de Marielle. Além disso, em uma investigação exemplar comandada pelo já falecido delegado Felipe Ettore, da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, foi desvendada a autoria do crime. Os algozes da magistrada foram onze policiais militares lotados no 7º Batalhão de São Gonçalo, incluído o próprio comandante do Batalhão. As razões do fuzilamento: garantir a impunidade em relação a outros crimes cometidos pelo mesmo grupo.
Nos acórdãos que confirmaram as condenações, registrou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “os réus, policiais militares, não apenas planejaram e executaram a morte de uma cidadã proba e mãe de família – o que já traduz uma culpabilidade exacerbada, considerando ser tal conduta a absoluta antítese de suas funções – mas também visaram uma magistrada por conta de sua atuação no cumprimento do dever judicante; e assim agiram para garantir que continuassem extorquindo traficantes, forjando autos de resistência e angariando o chamado ‘espólio de guerra’, cenário que subverte a própria noção de segurança pública e mina o esforço de todo o aparelho estatal no combate ao crime organizado.”<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>
Pois bem, neste momento pós-eleitoral, em que pululam as propostas mais insólitas para enfrentar o problema da segurança pública no Brasil, sobretudo por meio da concessão de verdadeiras “cartas brancas” às forças policiais, o atentado contra a vida da juíza Patrícia Acioli não pode deixar de ser lembrado.
Quem matou Patrícia não foi um policial tresloucado ou dois. Foram onze. Com o apoio do comandante do Batalhão. Seria uma grande injustiça tomar os homicidas de São Gonçalo como regra dentro da corporação. Não se ignora que a Polícia Militar tem muitos homens bons, que trabalham nas piores condições possíveis e não raro tombam no desempenho das suas funções. Ainda assim, o caso da juíza está longe de ser isolado. O que aconteceu só chamou a atenção pela audácia sem limites. E os que perpetraram o ato hediondo não estavam munidos de qualquer carta branca oficial para resolver a seu jeito o problema da criminalidade. Imagine-se o que poderá ocorrer se essa temível carta branca efetivamente vier.
Na verdade, a nenhum agente público, em uma República digna desse nome, deve ser dada qualquer carta branca, seja ele policial, promotor, defensor ou juiz. Por melhor que seja, todo agente público há de ter a sua atuação balizada por limites claros, sob pena de se favorecerem o arbítrio e a corrupção. Essa é uma implicação elementar do nosso modelo constitucional.
Acresça-se que a questão da segurança assume complexidade cada vez maior entre nós, com a deterioração do quadro social e o avanço do crime organizado. Nesse contexto, exigem-se, mais do que nunca, seriedade, inteligência e uma grande dose de realismo. Snipers (supostamente) infalíveis e agentes com permissão oficial para matar só valem a pena ver em filme americano, na companhia de um gordo saco de pipocas. Dentro da nossa realidade conflagrada, medidas tais, além de aberrantes do ponto de vista constitucional, podem revelar-se completamente ineptas, servindo muito mais para agravar o problema, sobretudo na perspectiva das pessoas mais carentes e desprotegidas. Não é com álcool que se combatem os incêndios.
Já me aproximo do final. Este é um artigo singelo, que não carece de argumentação exaustiva, contentando-se com a evocação do sacrifício da juíza Patrícia Acioli, algo que tem muito a dizer para o momento atual.
Patrícia presente? Certamente que sim. Não se esqueçam jamais da doce e corajosa Patrícia.
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<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Como se sabe, o brasileiro “cordial”, na célebre expressão de Sérgio Buarque de Holanda, designa um povo que age muito mais em função do coração do que por uma racionalidade coletiva e impessoal. E as razões do coração podem ser muito boas, mas podem ser tenebrosas também.
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<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Apelação 1036362-90.2011.8.19.0002, rel. Des. Suimei Meira Cavalieiri, 3ª Câmara Criminal, julgamentos unânimes em 25/11/14 e 04/10/16.
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patr

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JOTA

Quem matou a juíza não foi um policial tresloucado ou dois. Foram onze. Com o apoio do comandante do Batalhão

Não se esqueçam de Patrícia Acioli

Quem matou a juíza não foi um policial tresloucado ou dois. Foram onze. Com o apoio do comandante do Batalhão