Bruno Henrique Almeida Dall’Acqua

O Supremo Tribunal Federal recentemente — ao julgar o HC 126.292, e, posteriormente, deferir cautelar nas ADCs 43 e 44 — tomou decisões paradigmáticas e reviu sua jurisprudência para entender possível a execução da pena a partir da condenação em segundo grau.
Naquela ocasião, foi dito que o sistema necessita deste reparo para que não se permita o alcance da prescrição com a interposição de todos os recursos possíveis antes do trânsito em julgado — numa espécie de ponderação entre o princípio (para os que veem a norma nesta categoria) da presunção de inocência e a duração razoável do processo, a efetividade e a isonomia na distribuição da justiça penal.
Disse-se, ainda, numa outra ótica, que o exame da causa na instância superior não alcança os fatos e provas, de modo que a culpa não poderia ser revista por nenhum recurso, porquanto matéria tipicamente fática e, com efeito, afastada do âmbito dos apelos excepcionais (operando-se, já na segunda instância, trânsito em julgado parcial, quanto a essa matéria). Além disso, os recursos ao STJ e STF não possuem efeito suspensivo, ressalvada a possibilidade de cautelar, sendo o natural prestigiar, de regra, a autoridade das instâncias ordinárias com a execução de suas decisões.
A mudança de paradigma é preocupante na medida em que foi novamente violada a literalidade da disposição constitucional (sobretudo da perspectiva em referência no segundo parágrafo) pelo órgão encarregado de sua guarda. Mas não apenas isso: foi violada para a restrição de direito fundamental — o direito à liberdade de locomoção, certamente um dos aspectos da ordem jurídica mais caros à sociedade brasileira — na aplicação do Direito Penal, disciplina jurídica em que se recomenda, de regra, a estrita legalidade e a interpretação mais favorável ao acusado.
O cenário gera dúvidas sobre a solidez das disposições constitucionais, os limites à sua interpretação, o equilíbrio entre os três poderes. Se a execução da pena em segundo grau houvesse sido proposta em emenda à constituição, não seria, talvez, tida por violadora de cláusula pétrea e repelida? Por outro lado, não é o Congresso eleito pelo povo o responsável por alterações das normas constitucionais quando, em sua literalidade, não atendem aos anseios da sociedade (no caso, por justiça penal)? O papel do Supremo não é conservar a efetividade do que está disposto? Para que serve o processo legislativo solene da PEC se o sentido da norma constitucional sofre alteração tão dramática na jurisprudência? Quem é quem na República?
Em que pese não seja esse o propósito deste texto, não pude evitar a digressão. A possibilidade de execução provisória é a jurisprudência que temos, e a tomo como premissa para o questionamento que vem a seguir.
Semana passada, fui surpreendido com a notícia de que o ministro Ricardo Lewandowski decidiu, no habeas corpus 140.125, que, embora o STF permita, na forma da cautelar nas ADCs 43 e 44, a execução da pena em segundo grau, a providência não é obrigatória, e deve ser decidida com a análise do caso concreto. A questão acendeu uma luz de alerta.
Os requisitos das prisões cautelares estão legalmente definidos, e, em que pese o Brasil ainda tenha um reprovável costume de exagerar nas provisórias e desviar-se de seus limites legais, o fato é que ao menos a literalidade dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal por certo é velha conhecida da comunidade jurídica.
A execução da pena em segundo grau, no entanto, não tem critérios definidos para ser avaliada pelo Juízo. E não servirão os da cautelar, sob pena de se confundirem os institutos. A conclusão a que se chega é que a execução provisória não deve ser decidida segundo as circunstâncias do caso concreto pelo tribunal ou pela acusação. Seu fundamento é o juízo de culpabilidade já consubstanciado no julgamento da apelação, independentemente do caso concreto, assim como a execução definitiva.
Poderá, claro, ser suspensa por cautelar de efeito suspensivo dos recursos excepcionais (ou, no caso, liminar em HC), em juízo que escapa à jurisdição das instâncias ordinárias, em situações que indiquem a probabilidade de não haver sido acertada a condenação. Em outras palavras, não se discute a execução da pena, mas sua origem.
A decisão do eminente ministro é nesse sentido — concede liminar para suspender a execução. Porém, aponta como principal fundamento o fato de o STM haver convertido o agravo do recurso extraordinário em agravo interno, furtando-se a remetê-lo à Suprema Corte, o que, embora processualmente grave, guarda pouca pertinência com a execução da pena, e não compreendo por que daria ensejo a sua suspensão. O mérito do Recurso Extraordinário inadmitido na origem, e as matérias daí transpostas para o HC sim teriam esse condão, mas foram pouco referenciadas na decisão, que se concentra no triste quadro do sistema carcerário do País, nas condições pessoais do acusado, e na questão processual entre o STM e o STF.
Enfim. O modo com que a jurisprudência nacional encara o novo paradigma de execução da pena ainda me traz mais perguntas do que respostas. Resta sempre a confiança na motivação das decisões judiciais, absolutamente essencial para o desenvolvimento de uma Justiça democrática, segura e estável.

Prison

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JOTA

Novo paradigma de execução da pena ainda traz mais perguntas do que respostas

Não há juízo de necessidade em execução provisória

Novo paradigma de execução da pena ainda traz mais perguntas do que respostas