Patricia Pessoa Valente

Darcio Genicolo Martins

Na semana passada, Juliana Celuppi e Mariana Polidorio publicaram <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/pandemia-se-resolve-com-lei-08102020">artigo</a> no JOTA sobre a quantidade<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e qualidade de algumas das propostas apresentadas durante os últimos meses como resposta à COVID-19. As autoras sustentam que a intensa produção legislativa em todos os níveis, apesar de bem intencionada para coibir os efeitos da pandemia sobre a população brasileira, pode gerar problemas em relação à qualidade das leis.
Essa postura de querer dar respostas aos problemas enfrentados por meio de leis ou normas infralegais não é somente um efeito colateral da crise sanitária e econômica que enfrentamos. No âmbito da pesquisa realizada pelo Centro de Regulação e Democracia do Insper, em parceria com o JOTA, sobre as percepções acerca da regulação nos setores de transporte e mobilidade foi possível verificar que, de fato, frequentemente o poder público reage com a criação de novas leis e marcos regulatórios para tentar lidar com eventuais conflitos entre os atores atuantes no ambiente regulatório brasileiro.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Porém, este tipo de comportamento parece não considerar que a criação de novas leis pode trazer maiores custos de enforcement destas ao Judiciário, já que leva a uma maior complexidade da análise técnico-jurídica de cada caso. Como conseqüência, a eficiência do processo regulatório pode piorar com a criação excessiva de leis, ao invés de favorecer o ambiente de negócios<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Os agentes atuantes nos setores de transporte e mobilidade parecem compreender bem este trade-off entre mais leis e menos eficiência do processo regulatório. Como solução à carência de investimento (público ou privado) em infraestrutura no país, dentre as hipóteses iniciais consideradas, esperávamos que os agentes indicassem a necessidade de se propor um novo projeto de lei capaz de solucionar os problemas dos setores estudados, dada a prática jurídico-institucional brasileira de criação de leis para tentar lidar com problemas regulatórios reais. Essa hipótese, entretanto, não se confirmou ao final da pesquisa. O resultado obtido a partir dos dados coletados aponta  para uma mensagem  bastante clara e oposta à hipótese inicial: parem de criar novas leis e apliquem aquelas que temos!
<blockquote class="jota-article__eye">A grande maioria dos agentes consultados (representantes de poder executivo, dos órgãos de controle e do mercado em geral) respondeu afirmativamente ao ser questionado se haveria alguma mudança legislativa que considerasse relevante em relação a concessões e PPPs. Apesar disso, não foi apontado nas entrevistas sequer um projeto de lei ou inovação legislativa recente nesse sentido. E não eram poucos ou sem relevância os projetos de lei sobre regulação.</blockquote>
À época das entrevistas, ainda não havia sido votado o projeto de lei que se tornaria, em meados de 2019, a Lei das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019). No mesmo sentido, desde 2017, está em tramitação o PL 7843/2017, de autoria do Deputado Alessandro Molon (REDE/RJ), que pretende instituir regras e instrumentos para a eficiência pública. Este PL vai agora para votação na Câmara dos Deputados nas próximas semanas.
Apesar da crença nas regras prevalecer num primeiro momento, os agentes consultados pouco manifestaram a importância do poder legislativo no ambiente regulatório revelando que, na percepção destes, os entraves ao investimento privado não seriam resolvidos simplesmente por novas leis ou instrumentos jurídicos. O arcabouço legal já apresentaria as principais ferramentas necessárias ao gestor público para garantir a estabilidade das concessões e a segurança jurídica das relações travadas no ambiente regulatório.
Além disso, a participação do poder legislativo no ambiente regulatório nem sempre é bem vista pelo setor em razão da sua incapacidade de discutir temas técnicos relativos às concessões e PPPs. A criação de isenções tarifárias para usuários dos sistemas de transporte e mobilidade urbana é exemplo de como o legislativo pode, no afã de ajudar, prejudicar a regulação e prestação dos serviços públicos de transportes. Cada vez que lei municipal, estadual ou federal cria nova hipótese de isenção tarifária para usuários desses serviços, é gerado impacto relevante nas receitas das concessionárias dos serviços de mobilidade urbana.
As leis de criação de isenções raramente informam as fontes de receitas que custearão as tarifas que deixarão de ser pagas pelos beneficiários, desobedecendo, inclusive, o art. 14 da Lei nº 101/2000 (“Lei de Responsabilidade Fiscal”), os quais continuarão a usar a infraestrutura concedida. Essa omissão revela uma despreocupação do poder legislativo com o impacto que o benefício criado causa sobre o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Mais uma vez, a lógica econômica da criação de isenções para serviços não concedidos de maneira automática impacta negativamente os demais usuários dos serviços de mobilidade urbana, pois os custos não suportados pelos beneficiários da isenção passam a ser arcados por todos os demais usuários. Assim, numa concessão, o mecanismo da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato permite resguardar os demais usuários com outros mecanismos de estabilização da concessão como, por exemplo, aumento no tempo de vigência do contrato.
Quando questionados se um projeto de lei com este objeto deveria ter “previsão de recomposição da equação econômico-financeira com prazo limite para a análise” ou “indicação da fonte de recursos”, as respostas obtidas se dividiram com leve preferência para a opção ao reequilíbrio contratual. Apenas os órgãos de controle preferiram com mais ênfase a opção de indicação da fonte de recursos, demonstrando certa desconfiança sobre as análises de processos de reequilíbrio por, na sua ótica, gerarem benefício às concessionárias.
A pesquisa mostra que as regras atuais aplicáveis às concessões, especialmente a Lei Geral de Licitação e Contratações Públicas (Lei 8.666/1995), a Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/1995) e a Lei Geral de PPP (Lei 11.079/2004) já seriam suficientes para promover investimento no setor de transporte e mobilidade.
Os problemas que estariam impedindo a realização dos investimentos são de outra ordem: os órgãos competentes pela decisão sobre concessões em andamento preferem não decidir como forma de evitar um posicionamento contrário dos órgãos de controle, em especial dos tribunais de contas. É o fenômeno da paralisia decisória que acomete não apenas os profissionais públicos atuantes nestes setores, mas a administração pública em geral.
<blockquote class="jota-article__eye">Esta não é uma crítica aos profissionais. Eles não têm apoio jurídico-financeiro na sua defesa pela consultoria ou órgão jurídico da entidade para a qual trabalha, e estão diariamente tentando movimentar a máquina pública com as dificuldades que lhe são peculiares para que os objetivos e interesses públicos sejam efetivamente alcançados na ponta.</blockquote>
Se a postura individual do gestor público é consequência da ausência de segurança desses profissionais para o exercício de suas atribuições, criar novas leis a cada impasse jurídico também não parece atacar a raiz do problema. O caso recente e emblemático para o setor de infraestrutura aeroportuária é o da Lei 13.499/2017, que estabelece critérios para a celebração de aditivos contratuais relativos ao cronograma de pagamento das outorgas previstas nos contratos de concessão.
O cenário da MP 779/2017, que deu origem à lei, foi a crise econômica que atingiu a capacidade de pagamento das outorgas das concessionárias definidas à época dos leilões realizados em 2012 e 2013. A partir de 2015, várias concessionárias apresentavam outorgas vencidas e algumas delas haviam recorrido ao judiciário na tentativa de suspender o pagamento das outorgas e encargos decorrentes do atraso no pagamento até que pedidos de reequilíbrio em análise perante a agência reguladora fossem apreciados.
Antes da lei, foram tentadas algumas alternativas. Em 2016, a Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (ANEAA) provocou a ANAC para que alterasse os contratos de concessão para acomodar esta possibilidade. A ANAC não se sentiu confortável para tomar essa posição, que poderia ser rechaçada pelo Poder Executivo. Provocado no mesmo sentido, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil publicou a Portaria 135/2017 com o mesmo objeto.
A ANAC, novamente, não demonstrou conforto, desta vez em razão do controle do Tribunal de Contas da União. A Lei 13.499/2017 teve, então, sua justificativa posta: conferir conforto ao gestor público de que sua decisão, embora necessária, razoável e autorizada pelas regras anteriores, não receberia o julgamento negativo do Tribunal de Contas da União. Reforçar esse padrão de comportamento legislativo apenas contribuirá para proliferar ainda mais leis circunstanciais e dispersar a discussão para a efetiva solução do problema.
Adicionalmente, a pesquisa aponta dois tipos de normas capazes de colaborar para o aumento da segurança jurídica no setor e, por via de consequência, viabilizar o investimento e acesso a transporte e qualquer modalidade.
A primeira delas são as normas que podem contribuir para reforçar direitos e obrigações da administração pública, propiciando maior segurança e previsibilidade das decisões jurídicas, como é o caso da Lei 13.665/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
A segunda são as regras aplicáveis às formas alternativas de resolução de conflito no âmbito da administração pública, como é o caso da Lei 13.129/2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e, assim, incluir sua utilização para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis; bem como a Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Assim, antes da criação de uma lei ou norma, faz-se necessário checar se, primeiramente, há nas normas gerais ou procedimentais existentes algum mecanismo que o gestor público possa se valer para proporcionar maior segurança jurídica para sua decisão.
Além disso, deve-se analisar se há alguma previsão normativa que lhe permita conferir maior transparência à sua decisão, entre outros raciocínios que não reforcem um comportamento de simples multiplicação das normas. A percepção dos atores atuantes no ambiente regulatório dos transportes e mobilidade consultados na pesquisa é de que não é necessária a criação de novas leis; a chave para um melhor ambiente regulatório consistiria no aperfeiçoamento da aplicação das leis já existentes.
<hr />
O voto de despedida do ministro Celso de Mello no STF e a mudança de regimento interno da Corte envolvendo julgamentos da Lava Jato são os assuntos discutidos no episódio 38 do podcast Sem Precedentes. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=LEilO-XHtko&amp;feature=emb_title
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O <a href="http://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/legislacao-covid-19">repositório normativo do Governo Federal</a> aponta a produção de outras 51 normas desde a publicação da primeira norma, a Portaria 188 de 03 de fevereiro de 2020 do Ministério da Saúde.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Ver mais sobre o tema em Shleifer, Andrei. 2012. The Failure of Judges and the Rise of Regulators. MIT Press.

Os limites do NJP na Execução Fiscal

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JOTA

Pesquisa aponta dois tipos de normas capazes de colaborar para o aumento da segurança jurídica no setor

Não criem mais leis!

Intensa produção legislativa em todos os níveis, apesar de bem intencionada, pode gerar problemas em relação à qualidade das leis.