A difusão dos serviços de streaming de música gerou uma recuperação financeira dos agentes do setor fonográfico. Após um período de crise observado ao fim do século 20 e a primeira década do 21, o mercado da música gravada encontra-se num momento de retomada do crescimento global.
A difusão dos serviços de streaming de música tem sido o principal responsável pelo aumento das receitas digitais do setor. De acordo com os dados divulgados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o mercado global de música gravada cresceu 18,5% em 2021 em comparação ao ano anterior em termos de receitas geradas[1]. E, como veremos, não é apenas receita que os serviços de streaming oferecem à indústria cultural.
Juntamente com a recuperação financeira, a tecnologia utilizada nos serviços de streaming permitiu a geração de uma variedade de dados sem precedentes que permite traçar o perfil de consumo de cada usuário[2]. As empresas titulares de direitos autorais (gravadoras e editoras) beneficiaram-se com o acesso a esses dados em troca do licenciamento de seus catálogos. Todavia, esses dados de comportamento e a possibilidade de identificar operações por vezes são utilizados para elevar artificialmente a quantidade de reproduções de obras – uma fraude que tem ganhado dimensões maiores com apoio computacional.
Já os artistas estão beneficiando-se do acesso às informações fornecidas gratuitamente pelos serviços de streaming através de ferramentas gratuitas como Spotify For Artists[3], que apontam, por exemplo, onde, quem e quantas vezes suas músicas foram ouvidas. Com isso, tornou-se mais fácil identificar o perfil do público de um determinado artista e programar turnês.
Antes da difusão dos formatos digitais de consumo de música gravada, os indicadores de popularidade do mercado musical eram baseados nas listas das músicas mais pedidas das estações das rádios e nos números das vendas de discos. Atualmente, com a inserção de novos agentes nesse segmento, surgiram outros indicadores como o YouTube Charts e Spotify Charts que fornecem gratuitamente uma série de informações acerca do desempenho das músicas nas plataformas.
A coleta de dados por parte de diversos agentes de mercado também gerou a necessidade de compilar e organizar o crescente e complexo volume de informações disponíveis para que titulares e artistas as explorem. Empresas como Chartmetrics especializaram-se coletar e organizar dados de plataformas como Spotify, Instagram, Twitter e YouTube para os agentes de mercado. Esse serviço é vendido sob a forma de assinatura no mercado. Para exemplificar os serviços prestados pela Chartmetrics, a seguir está apontada a performance da cantora brasileira Anitta em algumas plataformas digitais no período de entre fevereiro a abril de 2022, de acordo com a Chartmetrics:
- crescimento de 84,74% do número de ouvintes mensais no Spotify;
- crescimento de 3,82% do número de assinantes no YouTube;
- crescimento de 32,4% do número de seguidores no TikTok;
- crescimento de 4,68% do número de seguidores no Instagram.
Detecção de desvios e suas implicações
A coleta de dados desempenhada pelos serviços de streaming possibilitou, inclusive, traçar padrões de consumo e detectar irregularidades quanto a cobranças por execuções das obras online.
Existem sites que se especializaram em inflar as execuções dos fonogramas nos serviços de streaming de música com o intuito de, por meio de fraude, aumentar as receitas dos artistas. Quando um desvio dessa natureza é detectado, na maioria das vezes, os serviços de streaming retiram a música da plataforma e impedem o recebimento, pelo titular, das receitas geradas.
Em alguns casos a Justiça é acionada. Em 2021, por exemplo, uma ação comandada pelo Núcleo de Investigações de Crimes Cibernéticos do Ministério Público de São Paulo detectou sites que utilizavam robôs para executar as músicas de determinados artistas forma interrupta no Brasil. Foi a partir desse caso que esta prática foi tipificada como crime no país[4] .
Tem sido observado com maior frequência em processos judiciais referentes ao uso indevido de obras autorais, a utilização de dados das plataformas de streaming para cálculo de indenizações materiais. Foi o caso da editora Wixen Music, que entrou com processo contra o Spotify acusando a empresa de reproduzir milhares de músicas, entre elas títulos de Tom Petty, The Doors, Neil Young e Weezer, sem prévia autorização. Com base no número de execuções registrados pelo serviço, a Wixen Music entrou com pedido de indenização de US$ 1,6 bilhão por danos materiais[5].
A vasta oferta de dados coletados pelos serviços de streaming trouxe benefícios aos agentes do setor da música gravada. As empresas titulares de direitos se beneficiaram por poderem acompanhar com a performance de seus artistas nos serviços digitais de música e identificar potenciais talentos.
O acesso aos dados fornecidos pelos serviços de streaming aos artistas possibilitou identificar com maior precisão o perfil da audiência e facilitou a organização de turnês pelo fato de ferramentas como o Spotify For Artists[6] informarem a localização do usuários.
Por fim, o setor jurídico vem beneficiando-se do acesso às informações compartilhadas pelas empresas do setor do streaming e utilizando-as como embasamento ações judiciais, inclusive para remuneração adequado pelo uso de obras protegidas.
[1] PRO-MÚSICA BRASIL. MERCADO FONOGRÁFICO MUNDIAL 2021. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://pro-musicabr.org.br/wp-content/uploads/2022/03/Mercado-Brasileiros-em-2021-ProMusicaBR-FINAL.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2022
[2] GREENBERG, D. M.; RENTFROW, P. J. Music and big data: a new frontie. v. Current Opinion in Behavioral Sciences, 2017.
[3] Spotify for Artists. Disponível em: <https://artisthub.fromspotify.com/pt-BR/getting-started/artist-profile#spotify-for-artists>. Acesso em: 27 abr. 2022.
[4] ORTEGA, R. Sucesso fake: operação do MP fecha serviços que fraudavam números de streaming de música. 2021.
[5] Spotify Hit With $1.6 Billion Lawsuit From Music Publisher - Variety. Disponível em: <https://variety.com/2018/biz/news/spotify-hit-with-1-6-billion-lawsuit-from-publisher-representing-tom-petty-neil-young-others-1202651199/>. Acesso em: 27 abr. 2022.
[6] Spotify for Artists. Disponível em: <https://artisthub.fromspotify.com/pt-BR/getting-started/artist-profile#spotify-for-artists>. Acesso em: 27 abr. 2022.