Jana Maria Brito

Adriana Albuquerque

O universo corporativo está em constante transformação e evolução. Os debates relacionados à agenda <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">ESG</a> (ambiental, social e de governança) e à pressão de stakeholders têm feito com que as pautas relacionadas a diversidade ganhem cada vez mais notoriedade. Corroborando com esse movimento, nos últimos dois anos, alguns órgãos reguladores, em diferentes cenários de mercado, intensificaram <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/empoderamento-feminino-desenvolvimento-economico-social-24032022">demandas pelo aumento da diversidade</a> entre lideranças corporativas.
Novas regulações devem impactar de forma crescente a composição da alta administração no topo superior da gestão das organizações. É nesse contexto que a equidade de gênero nos Conselhos de Administração passou a ser pauta e já começa a ter seus efeitos notados, ainda que tímidos. Alguns estudos sugerem um pequeno aumento no número de mulheres ocupando cargos em conselhos, o que também permite entender um pouco mais sobre o seu perfil e algumas de suas características.
A inserção das mulheres e a chamada feminilização das profissões está intimamente relacionada com uma reestruturação produtiva e econômica, desencadeada em escala mundial a partir dos anos 70, que se constituiu como um novo padrão de acumulação de capital <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Segundo Monica Sapucaia <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a internacionalização do capital e os novos modelos produtivos demandaram novas habilidades dos trabalhadores e essas novas demandas vieram ao encontro de características atreladas socialmente às mulheres, tais como maior capacidade de comunicação e maior habilidade para utilizar suas características subjetivas e afetivas. Esse movimento impulsionou mulheres a buscarem qualificação e a ambicionarem melhores posições profissionais. Em algumas áreas, como o Direito, as mulheres já são a maioria em graduações e pós-graduações <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
A despeito <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/slb-esg-inclusao-de-genero-na-infraestrutura-18032022">desse movimento de qualificação e inserção no mercado de trabalho</a>, a literatura recente vem cada vez mais reconhecendo a presença do que denominam de glass ceilin <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> ou teto de vidro <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. Trata-se de barreiras invisíveis que impedem que essas mulheres, mesmo cada mais vez qualificadas, obtenham aumento de rendimentos, progressão na carreira, o que, consequentemente, termina por dificultar a sua admissão para cargos superiores <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Apesar dos inúmeros debates sobre as pautas que envolvem diversidade, equidade e inclusão, muitas organizações ainda não conseguiram obter uma representação diversificada em todos os seus níveis, sobretudo nos conselhos de administração, conforme podemos constatar no último estudo publicado pelo ACI Institute Brasil e KPMG Board Leadership Center <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Ou seja, não é nenhum segredo que <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/desmonte-sistema-patriarcal-e-responsabilidade-de-homens-e-mulheres-08032022">os conselhos de administração tendem a ser homogêneos</a> em termos de raça, etnia, sexo, identidade de gênero, orientação sexual. Embora os membros do conselho busquem talentos diversos, suas redes geralmente são limitadas e compostas por pessoas que compartilham características e origens semelhantes.
No gráfico abaixo, elaborado pelo ACI Institute Brasil e KPMG Board Leadership Center é possível identificar um crescimento na presença feminina nos conselhos, mas ela ainda é bastante reduzida. Até 2021, apenas 14% dos cargos ocupados nos conselhos de administração são ocupados por mulheres <a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
<img class="aligncenter wp-image-368247" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/imagem8-300x134.png" alt="" width="900" height="403" />
Fonte: ACI Institute Brasil e KPMG Board Leadership Center <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>
Em relação ao perfil dessas mulheres, a partir de um estudo realizado pela WCD (Women Corporate Directors), com apoio da KPMG e do ACI Institute, é possível inferir que a maioria das conselheiras é branca (97%); têm entre 51 e 60 anos (45%); é mãe (82%); cisgênero (88%); heterossexual (98%); além de majoritariamente residirem no Estado de São Paulo (74%) <a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Os dados evidenciam um outro ponto importante: mesmo quando mulheres chegam a ocupar cargos de relevância nos conselhos de administração das grandes empresas, o que ainda é bastante raro, as “escolhidas” seguem perpetuando outras espécies de desigualdade dentro da de gênero, tais como as de raça. Se é difícil para uma mulher branca ascender a esses cargos, o estudo em questão demonstra que para a mulher negra o teto de vidro é ainda mais impenetrável.
A principal área de formação acadêmica das conselheiras brasileiras é Administração de Empresas (28%), seguida por Ciências Financeiras, como Economia e Contabilidade (16%) e logo atrás vem Engenharia e Direito (12%). Além disso, 93% das conselheiras têm um ou mais diplomas além do ensino superior. Os diplomas mais recorrentes são de Especialização ou MBA (57%) e de mestrado (27%), mas 7% têm doutorado e 2% pós-doutorado. Em relação ao tempo de preparação, 39% delas dedicaram entre um e cinco anos na preparação para assumir o primeiro Conselho.
Se de um lado o alto nível de qualificação técnica é uma marca dessas mulheres, de outro, ser altamente qualificada também não lhes garante tratamento equânime mesmo depois de chegarem aos postos de comando. Um estudo internacional questionou algumas mulheres sobre essas questões e concluiu que o preconceito perdura no ambiente profissional e a maior parte delas sequer tem certeza de que seus ganhos são idênticos aos dos colegas homens em funções equivalentes <a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Levando em conta o recorte brasileiro, embora as mulheres estejam otimistas em relação à evolução da carreira, 36% delas afirmaram que as empresas não são transparentes em relação à remuneração e não asseguram que os salários de homens e mulheres sejam idênticos, ainda que desempenhem a mesma função. Além disso, 68% relatam já ter sofrido discriminação e 83% afirmam que os preconceitos são demonstrados no comportamento geral <a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>.
Se contra fatos não há argumentos, dados como esses demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido em direção à equidade de gênero e impõem, por conseguinte, a pergunta que nos conduz ao título deste artigo: Por que <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/diversidade-conselhos-de-administracao-gera-inovacao-empresas-18012022">garantir a diversidade nos conselhos de administração</a> deve ser uma prioridade? O que se perde — tanto as empresas como a sociedade como um todo — quando conselhos de administração alijam mulheres de sua composição ou as incluem tão somente para, representando percentual ínfimo, se alinharem, de forma pouco efetiva, ao discurso da necessidade da equidade de gênero?
Segundo artigo publicado pela Harvard Business Review, quando a diversidade é inserida de forma genuína nos conselhos de administração, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/competencia-e-talento-nao-vem-dentro-de-terno-e-gravata-07052021">sua inserção desencadeia uma série de benefícios</a>, incluindo a assertividade na tomadas de decisão para endereçar questões estratégicas da governança, posicionamento de vanguarda em ESG, maior equilíbrio entre os interesses dos shareholders e stakeholders, além de um maior alinhamento com clientes, funcionários e fornecedores <a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>. Uma estrutura de conselho diversa possibilita que a organização possa usufruir de skills e backgrounds dinâmicos, além de perspectivas distintas para antecipar e responder a mudanças e tendências do mercado <a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a>.
Sob o ponto de vista social, a inserção de mulheres nos cargos de administração dos conselhos, assim como em vários outros altos postos de gestão, ajuda a desmistificar uma percepção social ainda enraizada em nossa cultura de que o adjetivo “eficiente” vem, via de regra, atrelado ao gênero masculino e de que as mulheres não são adequadas para liderar. <a href="https://extra.globo.com/economia-e-financas/emprego/um-cada-tres-brasileiros-nao-gosta-de-ter-uma-chefe-mulher-24084803.html">Pesquisa realizada pela Ipsos em 2019</a> indicou, à época, que 27% dos brasileiros ainda se sentia desconfortável em ser chefiado por uma mulher. Quando a análise é feita por gênero, a insatisfação com uma chefia feminina foi apontada por 24% das mulheres e por 31% dos homens.
O fato de que 24% das próprias mulheres sentem desconforto em ter outra mulher como chefe evidencia como o combate à desigualdade de gênero exige que se obtenha <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/interseccionalidades-equidade-e-mercado-de-trabalho-08022021">uma profunda alteração da própria estrutura da nossa sociedade</a>, além de demandar esforço conjunto de múltiplos atores.
Aos setores privados, cabe agir, com intencionalidade, que o discurso da equidade de gênero deixe de ser apenas um tópico na agenda ESG para se transformar em prática diária. Em termos práticos, isso pressupõe a adoção de uma política voltada a uma maior contratação de mulheres para cargos de chefia desde a base, bem como a formulação de planos de carreira que permitam a essas mulheres alcançar postos de comando cada vez mais altos na hierarquia. Para além disso, é fundamental a construção de uma cultura empresarial diária capaz de entender que obter eficiência na homogeneidade não só é démodé como também pode significar uma grande perda de oportunidade de crescimento negocial e social.
É dever de todos, empresas incluídas, fazer com que mulheres qualificadas possam utilizar suas competências, suas habilidades em prol do coletivo sem que sejam prejudicadas basicamente pelo seu gênero.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ARAÚJO, Ângela Maria Carneiro, Cadernos Pagu, Dossiê Gênero no Trabalho, 17–18. ed. p. 131–138, 2002.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MACHADO, Monica Sapucaia, Direito das mulheres : ensino superior, trabalho e autonomia, São Paulo: Almedina, 2019, p. 121.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MACHADO, Direito das mulheres.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MAGRO, Cristian Bau Dal et al, Glass ceiling em cargos de board e seu impacto no desempenho organizacional, Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 15, n. 34, p. 158–180, 2018.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins, Mulheres na Advocacia, 1a edição. São Paulo: Lumen Juris, 2017.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> MAGRO et al, Glass ceiling em cargos de board e seu impacto no desempenho organizacional, p. 160.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> ACI INSTITUTE BRASIL; KPMG, Board Leadership Center, O perfil dos conselheiros de administração, conselheiros fiscais e membros de Comitês de Auditoria, São Paulo: KPMG, 2022.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> ACI INSTITUTE BRASIL; KPMG, O perfil dos conselheiros de administração, conselheiros fiscais e membros de Comitês de Auditoria.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Ibid.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> WCD, WomenCorporateDirectors; KPMG; ACI INSTITUTE BRASIL, Retrato da Conselheira no Brasil, São Paulo: KPMG, 2021.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> KPMG, International, Global Female Leaders Outlook 2020: recorte Brasil, [s.l.]: KPMG, 2020.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Ibid., p. 20.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> SINGH, Simran Jeet, Boards Need Real Diversity, Not Tokenism, Harvard Business Review, 2021.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Ibid.

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JOTA

É dever de todos fazer com que mulheres possam utilizar suas competências e habilidades em prol do coletivo

Mulheres no board: garantir a diversidade na administração deve ser prioridade

É dever de todos, empresas incluídas, fazer com que mulheres qualificadas possam utilizar suas competências