Leonardo André Gandara

Em 9 de agosto de 2020 fiz uma viagem de trabalho. Depois de meses sem viajar, semanas de quarentena, exames de Covid-19, era uma oportunidade de ver como as coisas estavam acontecendo nesse cenário distópico de pandemia. No dia seguinte, depois de um dia intenso de trabalho, enquanto estava revisando um material no laptop, fiz algo que não tenho costume: liguei a TV do quarto. Escolhi uma programação que não roubaria minha atenção, mas que pudesse “quebrar” a solidão da tela do computador: a escolha recaiu sobre um jogo de basquete da NBA.
O jogo que estava passando era Los Angeles Lakers contra Denver Nuggets, e nos cantos da quadra estavam dispostos os símbolos dos times. Isso me chamou a atenção, pois o símbolo do Denver Nuggets é um círculo com o clássico símbolo da mineração: duas picaretas entrecruzadas. Não é difícil entender. Afinal, Denver é a capital do Estado do Colorado, um Estado tradicionalmente minerador, um lugar que teve sua ocupação influenciada pela descoberta de jazidas de ouro no século XIX. 
Merece destaque a existência da Colorado School of Mines, escola de ensino superior voltada originalmente para estudo, pesquisa e formação de profissionais de mineração, que se coloca ao lado de ícones da educação técnica de minas, como a École des Mines de Paris e da Escola de Minas de Ouro Preto, instituições centenárias e com uma tradição indiscutível na formação de engenheiros, geólogos e profissionais de todo tipo para as atividades de exploração mineral.
<a href="https://conteudo.jota.info/solucoes-para-crise"><img class="aligncenter wp-image-244441 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-solucoes-para-a-crise-2.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A cidade de Denver, sede do time, também é conhecida por ser localidade onde se encontram inúmeras empresas de consultoria em mineração e escritórios de advocacia especializados em Direito Minerário. Além dessas características histórico-geográficas às quais o símbolo do time de basquete nos remete, o “Nugget” significa pepita de ouro, ou seja, uma tradução aproximada do nome do time “As pepitas de ouro de Denver”, significando algo valioso, caro, intimamente ligado à mineração.
Mas o que o Denver Nuggets tem a ver com o Direito Minerário, ou com qualquer outra discussão envolvendo mineração? No caso do time de basquete norte-americano, o símbolo da mineração compreende o logo e o nome, o que nos permite depreender que a atividade de mineração (as picaretas entrecruzadas) e seu produto (a pepita de ouro) são motivo de orgulho para os torcedores daquela cidade (Denver).
<blockquote class="western jota-article__eye">Bem, aqui faremos uma provocação: Seria possível uma agremiação brasileira adotar um nome de uma atividade tão execrada pela sociedade e pela imprensa?</blockquote>
Nomes são signos. Compreendem manifestações simbólicas que buscam significar algo para um interlocutor. No futebol americano, há outros dois exemplos para contextualizar a discussão: os times do Pittsburgh Steelers e do San Francisco 49ers. 
O primeiro mostra a conexão da cidade da Pensilvânia com a indústria siderúrgica norte-americana, hoje virtualmente inexistente em comparação com o que foi ao longo do século XX, mas cuja lembrança mantém a importância da atividade para aquele local. Já o time da Califórnia tem seu nome em homenagem ao ano de 1849, quando (em tese) se inicia a corrida do ouro após a descoberta do mineral em Sutter’s Mill. Saindo desse esporte, temos o time de hóquei no gelo Edmonton Oilers, uma referência à indústria do petróleo canadense (!), e, voltando ao basquetebol, os times Detroit Pistons, homenagem à indústria automobilística, e Houston Rockets, que prestigia a indústria aeroespacial.
Mudando de continente, temos o caso do time alemão de futebol chamado Schalke 04, de Gelsenkirchen, localidade cujo brasão ostenta o símbolo... da mineração: as duas picaretas entrecruzadas. O time tem a maior torcida da Alemanha e disputa com o Borussia Dortmund, a maior rivalidade naquele país (a despeito de o Bayern München estar anos-luz à frente em termos de títulos). 
O Schalke 04 foi fundado por mineradores de carvão daquela região, tradicional para a indústria de base da Alemanha, no coração do Vale do Ruhr. E o túnel que liga os vestiários ao gramado é uma imitação de uma mina subterrânea, em homenagem ao passado minerador da região. Já na Ucrânia, na cidade de Donetsk, há o tradicional time Shakhtar, palavra que significa “mineiro”. A cidade ucraniana é conhecida pela mineração (novamente o carvão), e o símbolo do clube possui as picaretas entrecruzadas como reminiscência da mineração.
Importante destacar que estamos adstritos a nomes ou símbolos que remetem à mineração (ou outras atividades econômicas), não entrando nos casos em que a atividade econômica estimulou de alguma forma uma agremiação. Exemplos teríamos o Manchester United e o Peñarol (criados por ferroviários), o Bayer Leverkusen (propriedade da farmacêutica), e por aí vai.
No Brasil, em Itabira, Minas Gerais, terra de Carlos Drummond de Andrade e nascedouro da então Companhia Vale do Rio Doce – hoje apenas Vale S.A., nome até meio insípido, provavelmente fruto de pesquisas de marketing que promovem desconexão com suas origens e que não são objeto de análise deste trabalho—, havia um time de futebol conhecido como Valeriodoce Esporte Clube, criado por empregados da mineradora, em idos de 1940. Note-se que o time tem o nome da empresa adaptado, parecendo até nome de pessoa, não havendo remissão à atividade de mineração, nem em seu nome nem em seu logo. Parece até uma tentativa de não associação com a empresa, mas isso é só uma especulação.
Nomes são signos. Compreendem manifestações simbólicas que buscam significar algo para um interlocutor. Não é preciso ser um Ludwig Wittgenstein ou um especialista em branding para entender a importância da utilização de um nome para se comunicar com um determinado público. 
Mas retomemos a discussão de como um determinado grupo social aceita (ou não) a delimitação de uma ocupação para simbolizar seu pertencimento. A mineração tem uma imagem tão negativa perante a sociedade, que não se espera que alguém vincule sua imagem a essa atividade. O desastre ocorrido em Mariana, em 2015, e o ocorrido em Brumadinho, em 2019, reforçaram a imagem negativa, destrutiva e ensimesmada que já vinha acompanhando a mineração.
Há quem diga que os exemplos aqui citados são apenas uma manifestação de provincianismo. Longe disso. Os Estados Unidos têm histórico de desastres (não só com a atividade de mineração, ressalte-se), e, até onde se sabe, o resultado sempre foi de aprendizado e melhoria nos instrumentos de gerenciamento dos riscos. 
A Alemanha, outro país citado, também é conhecida pela excelência no trato das tragédias. O barroco das igrejas de Ouro Preto existiria sem a mineração? O som do órgão Arp Schnitger da Sé de Mariana seria ouvido se ali não houvesse atividades de lavra? Provavelmente não. E era um modelo patrimonialista, mercantilista e baseado em trabalho escravo, que constitui um pecado original de nossa formação, que precisamos enfrentar, mas que continuamos a colocar atrás da porta, de forma conveniente.
Os desastres ocorridos em Mariana e Brumadinho nunca serão apagados, e a sociedade deve prezar e cobrar de forma ostensiva, para que todo aprendizado possível seja trazido dessas brutais experiências. Independentemente disso, todo e qualquer esforço para o processo de reparação parecerão insuficientes. Mas não podemos esquecer o que formou e deu importância ao sudeste brasileiro no período colonial: a mineração.
Com o objetivo de finalizar o texto, também utilizando um nome de equipe esportiva, cabe lembrar que o time de futebol americano Washington Redskins sofreu pressão da sociedade e da sua principal patrocinadora (FedEx), tendo se comprometido a trocar de nome, já que Redskins possui carga negativa muito grande, uma vez que é o termo pejorativo para indígenas ("pele vermelha"). Temo que, em um futuro próximo, o estado de Minas Gerais tenha de ser renomeado apenas para Gerais, ou algo mais próximo do que é aprovado pela sociedade brasileira.

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JOTA

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