Tiago de Mattos Silva

Ana Maria Damasceno

A necessidade de acesso a imóveis de terceiros para viabilização de projetos minerários sempre exigiu reflexões – e releituras – sobre quais mecanismos de intervenção na propriedade poderiam ser utilizados em favor da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mineracao">mineração</a>, atividade que se desenvolve no interesse nacional (art. 176, CR/88) e considerada de utilidade pública (art. 5º, f, Decreto-Lei 3.365/1941, Lei das Desapropriações).
Além do instrumento específico trazido pelo Código de Mineração em seu art. 59 e seguintes (servidão mineral), a desapropriação e as servidões administrativas em sentido amplo, fundamentadas em articulações do Poder Executivo da União, Estados ou Municípios, com base na Lei das Desapropriações, são reconhecidas como alternativas viáveis em termos teóricos, e também utilizadas em diversos casos na prática<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> , contribuindo, de forma legítima, para a viabilização de projetos relevantes. Como bem tratado pelo prof. Marques Neto, fazendo a leitura da competência geral e comum do papel dos entes federativos no desenvolvimento econômico:
<blockquote class="jota-article__citation">Além da competência geral e comum de promover o desenvolvimento, com redução das desigualdades e busca do pleno emprego, previstas no art. 170 da Constituição Federal, os estados possuem competências específicas para exercer a atividade de fomento econômico.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">Vemos refletido o compromisso do Estado com a pauta da redução de desigualdades constante do art. 170, VII, da Constituição Federal. Mais do que uma possibilidade, extraio das constituições estaduais um verdadeiro poder-dever dos governos estaduais de fomentar a atividade econômica, sendo o incentivo à construção privada de vias de escoamento de produção uma das medidas mais consentâneas com os cânones da subsidiariedade e da proporcionalidade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.</blockquote>
Há, todavia, um ponto relevante que criou embaraços práticos ao uso da desapropriação e da servidão administrativa, principalmente pelos Estados e Municípios, em projetos minerários. A redação originária do art. 3º do Decreto-Lei 3.365/1941 não elencava as empresas de mineração como legitimadas a executarem os Decretos de Utilidade Pública emitidos pelos entes federativos, pelo simples fato de não estarem expressamente contempladas como tal no rol do referido artigo. A previsão era de que “os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público” poderiam figurar nessa posição, viabilizando, por exemplo, que empresas de outros setores, igualmente protegidos pelo caráter de utilidade pública da atividade que desenvolviam (como os setores de energia e de transportes), promovessem tais atos por si próprias. Como a mineração não se encaixa no conceito de serviço público, nem de atividade delegada pelo Poder Público, o uso de tal instrumento era prejudicado pela interpretação restritiva da norma.
Na prática, ainda que o poder público declarasse de utilidade pública determinada área em favor de empreendimento minerário, a materialização da intervenção sempre dependeria de alguma articulação com entidades públicas legitimadas a executar o ato normativo e que, ao final do procedimento executório, obteria a propriedade ou a posse direta do bem para si<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Até então, a crítica que se tecia à omissão legislativa era que, não bastasse a burocracia que permeia o uso das desapropriações e das servidões administrativas por empreendimentos minerários, não há justificativa principiológica para que a mineração fosse excluída do rol do art. 3º do Decreto-Lei 3.365/1941. Assim como a produção e a geração de energia, o transporte público, ou a criação de distritos industriais – atividades econômicas igualmente previstas no art. 5º do mesmo Decreto-Lei –, a mineração detém inegável caráter público, por ser o início da cadeia produtiva da economia e limitada pela rigidez locacional das jazidas, não tendo recebido, no sentido normativo, a mesma prerrogativa de pessoas jurídicas que exercem outras atividades econômicas relevantes.
O assunto voltou ao debate público quando da publicação da Lei 13.575/2017, lei de criação da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anm">Agência Nacional de Mineração</a> (ANM) que inovou ao formalizar a competência da autarquia para “aprovar a delimitação de áreas e declarar a utilidade pública para fins de desapropriação ou constituição de servidão mineral” (art. 2º, XXI).
Todavia, passados mais de quatro anos da criação da ANM, não se tem notícias de que tenham sido expedidos Decretos de Utilidade Pública para desapropriação, por falta de regulamentação desse instituto pela Agência. E o tema permanece relevante, por inúmeras razões associadas à atual dinâmica do setor mineral, especialmente focado em questões de segurança e engajamento comunitário. É o caso da necessidade de desocupação das Zonas de Autossalvamento das Barragens (ZAS) em decorrência das políticas de segurança de barragens. Outra situação ilustrativa é a dos empreendimentos de mineração conflitantes com áreas de assentamentos rurais, em razão da Instrução Normativa Incra  112/2021<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, na qual se previu a possibilidade de dispensa de licitação para concessão de uso dessas áreas aos empreendimentos minerários.  Desde que o ato normativo de outorga autorizasse o desenvolvimento do empreendimento no local do assentamento com exclusividade (o que é inerente à mineração) e, também, que o uso do espaço pudesse se dar por meio de instituição de servidões, quando precedida de Decreto de Utilidade Pública.
Entretanto, houve uma alteração legislativa associada ao tema, que passou relativamente despercebida pela indústria mineral.  Em 23 de dezembro de 2021, foi publicada a Lei 14.273, a Lei das Ferrovias, que, entre vários assuntos, deu nova redação ao art. 3º do Decreto-Lei 3.365/1941. A alteração legislativa é relevante, porque dispõe que os concessionários em geral seriam legitimados a promover a desapropriação<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
O conceito de concessionário é amplo, abarcando não apenas os concessionários de serviços públicos, ou os concessionários de direito real de uso, mas também os concessionários do direito de lavra, expressão utilizada pelo art. 176 da Constituição para se referir aos titulares de direitos minerários aptos ao aproveitamento das jazidas minerais<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Por essa razão, entende-se que a modificação do texto legal deve estancar qualquer dúvida em relação à possibilidade jurídica de se atribuir ao minerador a legitimidade para execução de Declarações de Utilidade Pública expedidas em favor de seus empreendimentos minerários. Nesse sentido, importante registrar as palavras de Sundfeld, Câmara e Souza:
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation">“Se a legislação passa a autorizar a desapropriação de bens que serão utilizados por particulares para a realização de atividades consideradas por lei de interesse público e, mais, sendo tais atividades passíveis de exploração econômica, nada mais natural do que atribuir aos destinatários do bem os ônus da desapropriação”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.</blockquote>
Para que as desapropriações e servidões administrativas passem a ser alternativas viáveis, inclusive pelo aspecto temporal, é preciso empregar uma visão atualizada ao art. 3º, do Decreto-Lei 3.365/1941, no sentido de atribuir a responsabilidade e o ônus de expropriar o particular àquele que destinará o espaço à atividade de utilidade pública. Ao entender que o minerador é, de igual modo, legitimado a executar Decretos de Utilidade Pública, desonera-se o Estado da incumbência de mobilizar acervo pessoal, administrativo e financeiro para viabilizar a intervenção na propriedade em favor de um empreendimento econômico do qual não é o titular, ainda que dele se beneficie diretamente. Nesse contexto, a um só tempo, amplia-se o leque de instrumentos para acesso legítimo aos imóveis de terceiros, bem como garante-se a aplicação do Princípio da Eficiência da Administração Pública, viabilizando, em última instância, o desenvolvimento das atividades minerárias.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Os seguintes Decretos expedidos pelo Estado de Minas Gerais em prol de empreendimentos dessa natureza exemplificam essa realidade: (a) Decreto com numeração especial 30, de 22/01/2014, para a passagem de mineroduto; (b) Decreto com numeração especial 76, de 08/02/2012, para acesso logístico, área para barragem e pilha de estéril, área para canteiro de modulação, área para construção de terminal ferroviário, área para construção de usina para beneficiamento; (c) Decreto sem número de 10/06/2010, para exploração, explotação, aproveitamento e beneficiamento de mina; e (d)Decreto sem número de 03/11/2008, para passagem de mineroduto.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A servidão administrativa como mecanismo de fomento de empreendimentos de interesse público. In: Revista de Direito Administrativo, p. 117.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Essa prática é corroborada, inclusive pelos exemplos citados acima, nos casos em que Estado de Minas Gerais, ou a CODEMIG, sociedade de economia mista da administração indireta do Estado de Minas Gerais, figuraram como responsáveis por executar os Decretos de Utilidade Pública.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Sobre este tema: <a href="https://williamfreire.com.br/areas-do-direito/fundiario/incra-regulamenta-o-uso-de-areas-em-projetos-de-assentamentos-por-empreendimentos-minerarios-de-energia-e-de-infraestrutura/">https://williamfreire.com.br/areas-do-direito/fundiario/incra-regulamenta-o-uso-de-areas-em-projetos-de-assentamentos-por-empreendimentos-minerarios-de-energia-e-de-infraestrutura/</a>. Acesso em 18 de maio de 2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Art. 3º Podem promover a desapropriação, mediante autorização expressa constante de lei ou contrato
I - as concessionárias, inclusive aquelas contratadas nos termos do disposto na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm">Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004</a>, e as permissionárias de serviços públicos;
II - as entidades públicas;
III - as entidades que exerçam funções delegadas pelo Poder Público;
IV - as autorizatárias à exploração de serviços e atividades de titularidade estatal decorrentes do disposto nas <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art21xiic">alíneas “c”</a>, <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art21xiid">“d”</a> e <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art21xiif">“f” do inciso XII do caput do art. 21 da Constituição</a> e da legislação específica. .
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Seja-nos permitido reiterar aqui o que já acentuamos anteriormente. Existem instrumentos denominados de "concessão" que, a despeito da indevida denominação, não se qualificam como contratos administrativos, e sim como atos administrativos de 
autorização. É o caso das concessões previstas nos arts. 176, $ 1° da CF (concessão de lavra), e 223, da CF (concessão para a atividade de radiodifusão sonora e de sons e imagens). Nesses casos, sequer há prestação de serviço público; o objeto de tais atos é 
o desempenho de atividades de caráter privado (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25° ed. rev., ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3/01/2012. São Paulo: Atlas, 2012, p. 187.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda; SOUZA, Rodrigo Pagani de. Desapropriação em favor de particular: proibição, limites e possibilidades. A&amp;C – Revista de Direito Administrativo &amp; Constitucional, Belo Horizonte, 2012, n. 47, p. 103-104.

mineração

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Os impactos positivos na indústria mineral da alteração do art. 3º do Decreto-Lei 3.365/1941 

Mineração, acesso a imóveis de terceiros e a mudança na Lei das Desapropriações

Os impactos positivos na indústria de mineração a partir da alteração do art. 3º do Decreto-Lei 3.365/1941