Leandro Cezar Rey Leitão de Figueiredo

Metaverso e democracia combinam?
Desde Atenas, cidadãos subiam a colina de Pnyx para participar da Eclésia, a assembleia popular, onde a possibilidade de participação era real. Os tempos mudaram e a nova colina é o metaverso.
“Metaverso”. Uma das palavras mais utilizadas nesses últimos meses, lançada como tendência no mundo jurídico. Mas o que realmente vem a ser o metaverso? Muito do que se diz como metaverso não é qualificável como este mundo virtual propagado.
O metaverso é considerado um ambiente virtual ainda indefinido e que recebe conotações diversas, desenvolvido em softwares de alto desempenho que criam ambientes tridimensionais, prenunciando a chamada web 3.0.
Para haver de fato a configuração de um metaverso, são necessários três requisitos: a necessidade de coletividade de conexões, em que os internautas permaneçam imersos naquela virtualidade, de forma que sua ausência não crie uma “pausa”, mas que possa persistir. Em outras palavras, a ausência do usuário no mundo virtual não causa interferência, a virtualidade continua a fluir.
Para exemplificar ao nosso leitor menos assíduo digitalmente, a dica é assistir as seguintes produções para melhor compreensão: o filme “Jogador nº 1”, o episódio Dan Junipero da série "Black Mirror" e os clássicos "Matrix" e "Tron".
Alguns jogos de arenas multiplayer, tais como Fortinite, PKXD, Second Life, Roblox, The Sandbox, Decentraland, Cryptovoxels, entre outros, também são exemplos.
Para que o metaverso possa existir, ele precisa conectar simultaneamente outras tecnologias: IoT (internet das coisas) criptomoedas, inteligência artificial, EX (Extended Reality) — categoria que abrange as VR (Realidade Virtual), AR (Realidade Aumentada) e MR (Realidade Mista) —, GPUs (começaram como ASICs especializadas desenvolvidas para acelerar tarefas específicas de renderização 3D) e uma internet muito veloz (5G). Tudo isto, somado a um ambiente virtual, com coletividade de conexão, imersão de internautas e persistência da existência do mundo virtual, podemos denominar metaverso.
Mas toda essa tecnologia se aplicaria ao mundo das eleições?
Calma!
Não ache isso uma insanidade! Lembre-se que o que era impossível e desnecessário há alguns anos, hoje, é possível e até obrigatório.
Políticos, como o <a href="https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/kassab-ja-anda-ouvindo-sobre-como-o-metaverso-pode-afetar-eleicoes/">presidente do PSD, Gilberto Kassab</a>, sabem que a novidade tecnológica está à disposição para comícios virtuais e que, nesse mundo paralelo, poderiam até mesmo ter partidos e eleições próprias.
Bizarro! (Pensar que uma cidade como São Paulo, na realidade, poderia ter um governador e, na twin city virtual, outro governante.)
Em questões práticas, hoje, o candidato poderia reservar (alugar) um espaço virtual em algum metaverso (The Sandbox, Decentraland, Cryptovoxels) e customizar aquele ambiente com banners, vídeos, jingles de campanhas eleitorais, tudo conforme a possibilidade do algoritmo desenvolver.
O investimento no mundo virtual torna-se interessante por vários aspectos, como criação de uma linguagem com eleitores que não estariam acessíveis inicialmente; os custos para um evento dessa magnitude são inferiores aos padrões comuns; e há um apelo de sustentabilidade, conseguindo inclusive visibilidade internacional, já que o metaverso não é fronteiriço.
Com um pouco de pesquisa, podemos parar para pensar em algumas possibilidades, e aqui chegamos a um ponto muito importante, já que não sabemos como será o desenvolver do metaverso: ele realmente fortalece a democracia?
No mundo atual e real, nem todos têm acesso às tecnologias que possibilitariam esse viés.
Em 2021, <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-06/em-2021-82-dos-domicilios-brasileiros-tinham-acesso-internet">82% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet</a>, ou seja, cerca de 35,5 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede. Indubitavelmente as regiões mais pobres e longínquas do Brasil são as mais afetadas.
Outro ponto é a divisão social. Enquanto 100% dos domicílios da classe A possuem acesso à internet, apenas 61% dos das classes D/E dispõem do serviço. A proporção entre as residências da classe B chega a 98%, e os de classe C, a 89%.
Certamente caberá o julgo do uso dessas inovações aos candidatos por análises de colégio eleitoral.
Para a próxima eleição, a Resolução nº 23.610, publicado no DJE nº 236 no dia 23 de dezembro de 2021, não aborda o tema metaverso, mas indiretamente aborda temas como impulsionamento de conteúdo e showmícios. Algumas situações poderiam ser comparadas ao metaverso, mas este tem um alcance mais amplo. Certamente as possibilidades shitstorm<a href="#_ftn1" name="_ftnref3">[1]</a>, candystorm<a href="#_ftn2" name="_ftnref4">[2]</a> e fake news se ampliarem também.
Desde fevereiro de 2022, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a> formalizou com oito redes sociais um canal de reclamações, em especial sobre anúncios e postagens realizadas nas redes sociais que possam interferir no processo eleitoral. Destaque-se a inserção do app Kwai.
Além das regulações e legislações, somam-se as políticas de uso da plataforma digital. A título ilustrativo, focaremos na big tech Meta, anteriormente conhecida como Facebook.
A Meta definiu uma lista de temas sociais específicos para o Brasil: direitos civis e sociais; crime; armas; economia; educação; política ambiental; saúde; imigração; valores políticos e governança; segurança e política externa.
Tipos de atitudes que visam ao empoderamento dos eleitores, prevenção de interferências, combate à desinformação e aumento de transparência acabam fortalecendo a democracia e darão lisura ao processo eleitoral para a sociedade “no enxame digital”.
Byung-Chul Han<a href="#_ftn3" name="_ftnref5">[3]</a>, quando fala dessa sociedade digital, resume:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">“(...) embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual”. (HAN, 2018, p. 13)</blockquote>
A sede por informação, para se “embriagar” no fomento de discussões, não poderá gerar criação de bots, para disseminação de fake news, utilizando de fake faces e deepfakes a fim de eventualmente influenciarem no processo eleitoral e causar um desequilíbrio no processo democrático<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[4]</a>.
O perigoso dessa embriaguez na busca de convencer o outro pelo voto costuma envolver dois aspectos, nas palavras de Ruediguer<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[5]</a>:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">"(...) eleitores votam em candidatos por concordarem com seus projetos e por fazerem avaliações positivas de seu histórico e partido, e/ou votam devido aos seus traços de carisma, honestidade, e outros valores que são transmitidos pela imagem dos próprios candidatos. O problema da disseminação de fake news impacta ambas as motivações do voto democrático” (RUEDIGUER, 2018)</blockquote>
Desta forma, tudo que venha a contribuir para a transparência do processo eleitoral fortalecerá a sobriedade da democracia, uma virtude!
Afinal, e o metaverso?
Não há normas que o regulam diretamente, mas sabemos que a sociedade em breve reivindicará essa necessidade. As regras do jogo (rule of game) do processo eleitoral estão definidas porquanto elas não conseguem acompanhar a evolução e inovação tecnológicas, sejam virtuais ou reais.
As inovações deverão sempre buscar o pluralismo politico, com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, mantendo a soberania popular intacta, exaltando a verdadeira democracia participativa dos novos atenienses digitais, evitando-se os ostracismos virtuais.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>
<a href="#_ftnref1" name="_ftn3">[1]</a> Expressão usada para se referir a muitas coisas ruins acontecendo em curto período de tempo, e não somente uma coisa ruim, inerentes ao ambiente de internet, reações verbais difamatórias em massa contra uma pessoa ou instituição
<a href="#_ftnref2" name="_ftn4">[2]</a> Expressão usual das redes sociais, diversa da shitstorm, refere-se reações valorativas de condutas, uma onda de simpatia, o chamado “fofurometro”.
<a href="#_ftn3" name="_ftn5">[3]</a> Han, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital; tradução de Lucas Machado. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn6">[4]</a> DIAS, Jefferson Aparecido. SILVA, Fabiano Fernando da Silva. Bots, Fake News, Fake Faces, DeepFakes e sua eventual influência no processo eleitoral democrativo. Revista da Advocacia do Poder Legislativo / Associação Nacional dos Procuradores e Advogados do Poder Legislativo – vol. 2, (2021) – Brasília: ANPAL, 2021. p. 27-53.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn7">[5]</a> RUEDIGER, Marco Aurélio (coord.). Bots e o Direito Eleitoral brasileiro nas eleições de 2018 [Policy Paper]. Rio de Janeiro: FGV DAPP, 2018. Disponível em: &lt;http://twixar.me/DmNT&gt;. Acesso em: 21 jul. 2022.

metaverso

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JOTA

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