Tiago Severo Gomes

Quem não se lembra da crise do subprime de 2008, ou da “marolinha”, referência feita pelo Ex-Presidente Lula acerca dos efeitos da crise no Brasil?
Pois é...Lembro-me muito bem do ocorrido.
Naquela época, presenciei um tsunami silencioso no mercado de crédito brasileiro. Após sua passagem, a onda invisível varreu grande parte das disponibilidades de concessão de crédito no mercado por alguns meses.
Assim como aprendemos com a lição de 26 de dezembro de 2004, no oceano índico, a recuperação pós-tsunami levaria muito tempo para acontecer.
Considerando o impacto de grandes proporções nos mercados financeiros, fiquei bastante curioso para entender como acontecia a regulação do sistema financeiro brasileiro e de que forma essa regulação poderia (ou não) evitar novas crises.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/os-numeros-stj">+JOTA: A realidade do STJ em números</a>
Na companhia dos autores Kenneth W. Dam, Richard A. Posner, Eduardo Fortuna, dentre outros, dei início à pesquisa. Minha inquietude me conduziu até uma sigla comumente apelidada com o diminutivo da palavra conselho: “CRSFN ou Conselhinho”.
Abria-se, assim, um novo horizonte para mim.
De lá para cá, já elaborei alguns textos sobre o Conselhinho, tais como: “Julgamentos administrativos pelo CRSFN”; “Efeitos econômicos de decisões do Conselhinho”; “A prescrição no processo administrativo no âmbito do CRSFN”; “Política Cambial Brasileira sob a ótica do CRSFN: o que esperar”; e “Controle Judicial de decisões proferidas pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN): qual o índice de reversibilidade?”.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/o-stj-e-regulacao-mercado">+JOTA: O STJ e a regulação do mercado </a>
Meu objetivo, aqui, será compartilhar um pouco do que é, sobre o que e como decide o Conselhinho.
Sou um curioso inquieto, advogado e professor da FGV-Rio.
Tentarei levar meus textos nesse compasso. Sério e didático ao tratar das decisões mais recentes do Conselhinho, porém sem perder a leveza de espírito.
Mercado Financeiro Brasileiro e a origem de sua regulação jurídica
Em uma apertadíssima síntese, pode-se dizer que a necessidade de enquadramento ao contexto mundial fez com que o Brasil, entre 1808 e 1964, gradualmente substituísse um sistema econômico escravocrata e colonial por um modelo capitalista que se adequasse ao capitalismo industrial triunfante da Europa.
O País aderiu ao sistema financeiro internacional proposto em Bretton Woods, em 1944. A partir de então, a Política Econômica Nacional necessitava de um modelo que contivesse autoridades centrais para a integração entre os sistemas econômicos, político e jurídico.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/novo-instrumento-de-funding">+JOTA: Um novo instrumento de funding </a> 

Somente com a entrada em vigor das Leis 4.595/64 (Reforma Bancária) e 4.728/65 (Reforma do Mercado de Capitais), foi efetivamente organizado o Sistema Financeiro Nacional e definidas as competências de cada órgão, em suas respectivas áreas de atuação. Foram criados e estruturados o Conselho Monetário Nacional -- CMN -- (antigo SUMOC) e o Banco Central do Brasil (BACEN).
O CMN ficou responsável pela implementação das políticas monetária, cambial e creditícia. A competência para regulação do sistema bancário foi atribuída ao BACEN, e do mercado de capitais à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O <a href="http://www.bcb.gov.br/crsfn/crsfn.htm">Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN)</a> ou Conselhinho somente foi criado pelo Decreto nº. 91.152, de 15.3.1985, com o objetivo de substituir a competência recursal do CMN.
O Conselhinho é órgão de deliberação colegiada, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda (MF), composto por oito conselheiros (quatro representantes indicados pela administração pública - dois nomes escolhidos pelo Ministério da Fazenda (MF), um pelo BACEN e um pela CVM - e outros quatro de entidades de classe do mercado financeiro, tais como Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (ANCORD), Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) e Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA), por exemplo).
<a href="https://www.jota.info/historia-processo-que-nao-termina">+JOTA: A história do processo que não termina</a>
Também integram o Conselhinho: três Procuradores da Fazenda Nacional (PGFN), designados pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, com a atribuição de zelar pela fiel observância da legislação aplicável, e um Secretário-Executivo, nomeado pelo Ministério da Fazenda, responsável pela execução e coordenação dos trabalhos administrativos.
Os membros do Conselhinho e seus suplentes são designados por ato do Ministro da Fazenda, com mandato de dois anos, prorrogáveis por prazo idêntico, não sendo passíveis de demissão ad nutum.
De forma bem ampla, compete ao Conselhinho julgar em segunda e última instância administrativa recursos interpostos de decisões relativas às penalidades administrativas aplicadas pelo BACEN, pela CVM, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), pela Carteira de Comércio Exterior (CACEX) e pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/suspendam-o-processo-testemunha-sumiu">+JOTA: Suspendam o processo, a testemunha sumiu</a>
Importante destacar que somente após a edição do Decreto nº. 7.835, de 8 de novembro de 2012, o Conselhinho passou a ter competência recursal administrativa, antes detida pelo Ministro da Fazenda, para apreciar às sanções aplicadas pelo COAF que digam respeito à prática de lavagem de dinheiro.
Suas sessões de julgamento são públicas, fato que permite tomar conhecimento de discussões de alta relevância para o Sistema Financeiro Nacional.
Primeira sessão de julgamentos de 2015
Aproveito, então, para tratar da primeira sessão de julgamentos de 2015, ocorrida em 27.1.2015, no Auditório Dênio Nogueira, do Edifício Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília.
Foram analisados recursos tratando de declaração de capitais no exterior, infrações por má gestão em cooperativa de crédito, responsabilidade de empresa incorporadora por sanção imposta à incorporada e infrações administravas pela não informação, aos órgãos competentes, de operações “suspeitas” que poderiam caracterizar a prática de lavagem de dinheiro.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/poligamia-em-debate-tres-e-demais#at_pco=tst-1.0&amp;at_si=54cebbaeb933664d&amp;at_ab=per-2&amp;at_pos=0&amp;at_tot=2">+JOTA: Poligamia em debate, três é demais?</a>
No contexto da crise de falta de água e operação “Lava Jato”, destacarei, nessa oportunidade, as infrações administrativas relacionadas ao crime de lavagem de capitais ou ocultação de bens.
O Conselhinho apreciou e julgou quatro dos cinco recursos pautados sobre lavagem de capitais, dos quais dois são originários do COAF, um da CVM e outros dois do BACEN: recursos 13456-LD, 13462-LD, 13465-LD, 13470-LD e 13471-LD, respectivamente.
Nos recursos contra decisões proferidas pelo COAF, as empresas e seus administradores, que atuam no segmento de mercado de fomento comercial ou mercantil, factorings, tiveram seus recursos rejeitados pelo Conselhinho e, consequentemente, as penas de advertência e multa foram mantidas. As condenações têm como fundamento a falta de: (i) comunicação obrigatória de operações “suspeitas” em valores superiores a R$ 10 mil e R$ 50 mil; (ii) identificação de empresas contratantes e manutenção de cadastro atualizado; (iii) manutenção de registros das transações, desenvolvimento e implementação de procedimentos internos de controle capazes de demonstrar a compatibilidade entre a correspondente movimentação de recursos, a atividade econômica desenvolvida pela empresa cliente e a sua capacidade financeira, bem como detectar operações que possam conter indícios de crime.
O recurso nº. 13465-LD, que questiona decisão proferida pela CVM, foi retirado de pauta a pedido da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, após manifestação oral realizada pela Dra. Luciana Miranda Moreira, com o objetivo de elaborar opinião legal acerca da reformatio in pejus, que nada mais é do que a possibilidade de agravamento, em sede recursal, da pena aplicada.
Nos recursos contra as decisões proferidas pelo BACEN, um ex-diretor de instituição financeira, e, uma agência de viagem e seu administrador tiveram seus recursos analisados pelo Conselhinho.
No primeiro caso, o Conselhinho reduziu a pena de inabilitação imposta ao ex-diretor de dois para apenas um ano. O réu descumpriu, de forma sistemática, o dever de comunicar operações que, considerando-se as partes envolvidas, os valores, as formas de realização, os instrumentos utilizados e a falta de fundamento econômico, apresentavam indícios da ocorrência dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. Para o Conselhinho, a pena de inabilitação deve ser aplicada com cautela, utilizando-se da melhor técnica de dosimetria de penas.
No caso envolvendo uma agência de viagens e seu administrador, foram mantidas as penas de multa aplicadas pelo BACEN. Segundo a autarquia, os recorrentes deixaram de comunicar operações realizadas em período de mais de dois anos consecutivos, com características que poderiam indicar a existência de crime de lavagem de dinheiro, ou com ele relacionar-se, consistente na venda reiterada de moeda estrangeira a vários clientes a título de “Viagens Internacionais – Turismo no Exterior”, sem observar o limite da comunicação em relação ao somatório das operações de cada cliente no mesmo mês calendário.
<a style="color: #ff6600;" href="https://www.jota.info/solidariedade-faz-ofensiva-stf-contra-guerra-fiscal">+JOTA: Solidariedade faz ofensiva no STF por guerra fiscal</a>
Resumo da ópera sobre “lavagem de dinheiro”: de modo geral, as normas infralegais sobre lavagem de dinheiro, que podem ser originárias do COAF, BACEN e CVM, por exemplo, têm como objetivo “abastecer” o regulador de informação para que esse investigue, se for o caso, a ocorrência de alguma movimentação irregular de capitais. Por conta disso, pode-se afirmar que a responsabilidade pela notificação é objetiva, assim como ocorre com a declaração de capitais, que torna a defesa, em grau recursal, ainda mais difícil para o administrado. Apesar de eventual absolvição criminal sobre a mesma conduta, o CRSFN já se manifestou no sentido de que há a obrigação de prestação de informações sobre lavagem de capitais.
Importância do Conselhinho
A regulação econômica do mercado financeiro nacional tem o objetivo de assegurar a solidez e o seu regular funcionamento, promover a sua eficiência e a inclusão financeira da população, mas, para as partes sujeitas a essa regulação setorial do estado, a atuação na área pode ter como consequência sanções administrativas impostas pelos referidos órgãos.
Importante citar dois motivos que indicam a importância do papel do Conselhinho como revisor, em último grau administrativo, das sanções aplicadas no âmbito da regulação do sistema financeiro nacional:
- o volume total de crédito do sistema financeiro alcançou R$3.022 bilhões em dezembro de 2014, com expansões de 2% no mês e 11,3% no ano (comparativamente a 14,7% em 2013). A relação crédito/PIB atingiu o patamar de 58,9%, ante 58% em novembro e 56% no final de 2013; e
- no conjunto, as distribuições públicas de ações, debêntures, certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), notas promissórias (NPs) e fundos estruturados (FIDCs, FIIs e FIPs), tomando por base os valores dos registros concedidos, das dispensas de registro e das ofertas realizadas ao amparo da Instrução CVM nº 476/091, atingiram o patamar de R$ 160 bilhões.
E isso é só o começo.
São inúmeras e complexas as discussões que ocorrem no âmbito do Conselhinho.
Seja bem-vindo ao universo do Conselhinho.
Siga o Coelho Branco.
Até o mês que vem.

BC- Sede – 2

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JOTA

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