Tiago Severo Gomes

A chuva que caiu em Brasília nessa semana lavou todos os casos interessantes sobre lavagem de dinheiro da pauta de julgamentos da última sessão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), o Conselhinho, ocorrida no dia 24 de março na sede do Prédio do Banco Central do Brasil.
Anote este caso. Importantíssimo!
O julgamento do recurso nº. 13.997-LD foi retirado de pauta porque o Conselheiro Bruno Salama, representante titular da ANBIMA, não estava presente. No caso, procura-se saber em primeiro lugar qual o termo inicial para contagem do prazo de comunicação de movimentações de recursos com indícios de existência de crime de lavagem de dinheiro, nos termos dos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Lavagem de Capitais; qual seria a melhor dosimetria na aplicação de pena de multa no caso de intempestividade dessa comunicação; e se é correta a imposição da sanção de inabilitação temporária por isso.
Ainda contarei os desdobramentos deste julgamento quando concluído...
Porém, nem tudo está perdido. Claro que não!
O Conselhinho analisou e julgou um caso que envolve a responsabilidade de um administrador de carteira. Por unanimidade de votos, ficou decidiu que eventuais falhas na prestação do serviço de hedge dinâmico caracterizam a falta do dever de diligência.
Entendeu? Não?
Ok. Explico.
Uma Sociedade de Previdência Complementar contratou empresa para exercer a função de administrador de carteira, conjunto de ativos financeiros de terceiro, com o objetivo de obter resultados positivos no mercado de valores mobiliários. Essa empresa, por sua vez, “terceirizava” à uma Corretora de Título e Valores Mobiliários as negociações envolvendo operações no mercado futuro da BM&amp;FBovespa.
Como garantia do sucesso e redução de riscos contra oscilações de preços, o administrador de carteira ofereceu o serviço de hedge dinâmico como uma espécie de “seguro”, vamos colocar assim.
Nota de rodapé: Hedge Dinâmico é um programa cujo objetivo é “travar” ou “neutralizar” os valores futuros de compra e/ou venda dos ativos negociados.
Apesar do resultado final positivo após mais de um ano de contrato, foram detectadas falhas na prestação do serviço de hedge que levaram a Sociedade de Previdência Complementar a ter perdas pontuais em alguns negócios. A prestação do serviço pelo administrador de carteira não conseguiu detectar, muito menos coibir, fraudes ou manipulações realizadas por funcionários da Corretora “terceirizada”.
O Conselheiro Francisco Satiro de Souza Junior, representante titular da ANCORD junto ao Conselhinho e relator do caso, deu parcial provimento aos recursos voluntários interpostos pela administradora de carteira e seu administrador para reduzir de R$ 500 mil para R$ 50 mil a pena de multa aplicada pelo Colegiado da CVM. Para Francisco Satiro, não poderia ser afastada a materialidade de infração de falta de dever de diligência prevista no artigo 14 da <a href="http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/anexos/inst/300/inst306consolid.pdf">Instrução Normativa nº. 306 da CVM</a>, tendo em vista que, os recorrentes, na qualidade de administradores de carteira, venderam o serviço de hedge dinâmico sem ter protegido o seu cliente de manipulações de ordens de compra e venda, práticas não equitativas realizadas pela Corretora “terceirizada”. Apesar de a Sociedade de Previdência Complementar ter obtido benefícios ao final do contrato de administração de carteira, ocorreram falhas no back office da administradora.
Nota de rodapé: Back Office é um departamento interno de uma empresa que tem por finalidade checar se os negócios foram realmente feitos.
“A empresa ofereceu um serviço que não atingiu ao seu objetivo. Do ponto de vista regulatório, os riscos do investidor devem estar limitados ao que foi contratado, sob pena de o seguro ficar excessivamente caro”, considerou Satiro. Porém, no que diz respeito à dosimetria da pena, o conselheiro relator entendeu que as penas aplicadas por falta de dever de diligência não poderiam ser equiparadas com práticas não equitativas. A fraude seria um exemplo de prática não equitativa. Por esse motivo, decidiu reduzir a pena imposta pelo Colegiado da CVM de R$ 500 mil para R$ 50 mil.
O artigo 153 da Lei da Sociedades Anônimas prevê que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios, que pode ser utilizado como “norte” pelo administrador. Como bem aponta o Professor Modesto Carvalhosa, o dispositivo incorporou o preceito do standard care for directors do direito norte-americano. O dever de cuidado, ou duty of care, tem que ser entendido como excelência profissional no desempenho de suas funções em relação aos interesses sociais da companhia e seus acionistas. Aqui, tanto ação quanto omissão são relevantíssimos e podem levar ao apenamento.
Nos últimos cinco anos, o CRSFN analisou quatro casos importantes sobre a falta de dever de diligência e responsabilidade de administradores. Em todos os julgados, houve a manutenção da decisão proferida pela CVM. Em síntese, os administradores foram apenados por não terem melhorado os controles internos da companhia, má condução na administração de instituição financeira sob o regime especial de administração temporária (RAET, previsto no Decreto-lei nº. 2.321/87), falta de publicação de fato relevante e não envio de informações quanto ao aumento de capital e demonstrações financeiras.
No último dia 26 de março, quinta-feira, a CVM atualizou suas normas sobre administradores de carteira. Por meio da Instrução Normativa nº. 558, que revoga a IN CVM n°. 306, utilizada no julgamento, novas regras de conduta e controles internos passarão a valer a partir de 4 de janeiro de 2016. O normativo deixa claro que o gestor de recursos é o responsável por gerir ativamente os riscos das carteiras que administra e deve atribuir essa função a um diretor estatutário, no caso, diretor de compliance.
<a href="http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/anexos/inst/500/inst558.pdf">Segue a íntegra da IN CVM nº. 558</a>.
Será que tá seguro...?
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Até o mês que vem.

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Mercado Financeiro e o Direito: Será que tá seguro...?

Responsabilização de gestores no Conselhinho do Banco Central