Tiago Severo Gomes

<div title="Page 1">No dia 30 de junho, o [simple_tooltip content='O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro (CRSFN) é um órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda que julga em segunda e última instância administrativa os recursos interpostos das decisões relativas às penalidades administrativas aplicadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pela Secretaria de Comércio Exterior.’]Conselhinho[/simple_tooltip] decidiu que não há indícios de lavagem de dinheiro quando da compra e venda de US-Treasury Bills (ou T-bills), títulos da dívida norte-americana. Motivo pelo qual não haveria a necessidade de comunicação de tais operações ao Banco Central do Brasil - BACEN.O Conselhinho absolveu uma instituição financeira e seus diretores, que haviam sido penalizados em grau máximo com base na legislação de repressão a lavagem de dinheiro: Lei no. 9.613, de 1998 e Circular no. 2.852, de 1998.E por que haveria de se notificar?Para o BACEN, a compra e venda de T-bills seria uma operação atípica de câmbio sem o devido registro perante a autarquia, com o objetivo de ocultar os seus verdadeiros motivos. 
E o que é uma operação de compra e venda de títulos da dívida norte- americana?Muito praticada durante a década de 90 e início dos anos 2000, essa operação, denominada de Blue Chip Swap (BCS), tinha por objetivo ser uma alternativa viável para a transferência de recursos entre brasileiros residente e não-residentes no país, diante de um cenário cambial bastante instável e repleto de incertezas.Nota de rodapé: a Política Cambial Brasileira já passou por pelo menos seis regimes até chegarmos ao atual, de câmbio flutuante: (i) janeiro de 1969 a novembro de 1979: regime das "minidesvalorizações"; (ii) dezembro de 1979 a janeiro de 1983: regime de "prefixação da taxa de variação cambial e da correção monetária em 50% para o exercício de 1980"; (iii) fevereiro de 1983 a fevereiro de 1990: regime das "minidesvalorizações entremeadas por intervalos de congelamento ou de contenção da taxa nominal de câmbio"; (iv) março de 1990 a janeiro de 1994: primeiros ensaios do regime de câmbio flutuante, com a implementação do Plano Collor; (v) julho de 1994 a dezembro de 1998: regime de "bandas cambiais" a partir da combinação entre Plano Real e crise mexicana; (vi) janeiro de 1999 a setembro de 2001: regime de política cambial crawling peg (flutuação cambial composto por uma parcela da câmbio fixo) em função do estabelecimento, a partir de junho de 1999, da meta de inflação como pilar da política monetária. O objetivo desses regimes, em suma, foi tentar equilibrar os preços praticados em diferentes economias para tornar o Brasil um país mais competitivo no cenário internacional.Um exemplo desta estrutura de BCS:
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/07/image001.png"><img class="aligncenter wp-image-12669 size-medium" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/07/image001-300x177.png" alt="image001" width="300" height="177" /></a>
(1) uma companhia estrangeira (Companhia A) adquire no exterior, de um agente financeiro, débitos ou instrumentos equivalentes (como os T-Bills). O pagamento para a aquisição desses títulos é feito também no exterior em dólares americanos;
(2) a propriedade das T-Bills é transferida da Companhia A para uma Companhia Brasileira (Companhia B), sem o pagamento em dinheiro, mas em virtude de relações comerciais entre as Companhias A e B.
(3) em seguida, as T-Bills são vendidas da Companhia B para outra Companhia Brasileira (Companhia C). Nesse caso, o pagamento é feito em reais no Brasil.
(4) A Companhia C transfere as T-Bills para outra companhia estrangeira (Companhia D), sem o pagamento em dinheiro, mas em função de relações comerciais entre as Companhias C e D; e
(5) finalmente, a Companhia D vende as T-Bills no exterior para um agente financeiro.
Para o Conselhinho, que já teve a oportunidade de analisar pelo menos duas dezenas Blue Chip Swaps, não haveria justificativa para que esse tipo de transação fosse notificada ao regulador como operações suspeitas de lavagem de capitais e apontou os motivos que levaram a absolvição, no caso: (i) a instituição financeira não era contraparte nas operações; (ii) as empresas que fizeram as operações eram clientes conhecidos do banco; (iii) não ocorreu nenhuma movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente; e (iv) pela redação original da Lei de Lavagem de Dinheiro, antes do ano de 2006, somente quando o Brasil passou a ser signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, não existia a obrigatoriedade de notificação de operações que não pudessem ser relacionadas com os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, de terrorismo, de contrabando ou tráfico de armas, de extorsão mediante sequestro, contra a Administração Pública e de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
O BACEN teria, portanto, confundido o conceito de uma questionável operação ilegítima de câmbio com movimentações suspeitas que indicassem ao menos indícios de crime de lavagem de capitais.
Nota de rodapé: o Decreto nº. 23.258, de 1933, prevê quatro infrações cambiais: (i) sonegação de cobertura cambial; (ii) declaração de falsa identidade em contrato de câmbio; (iii) informação falsa em contrato de câmbio; e (iv) operação ilegítima de câmbio. Nessa última, a transação será considerada como operação ilegítima de câmbio quando realizada entre bancos por pessoas naturais ou jurídicas, domiciliadas ou estabelecidas no país, com quaisquer entidades do exterior, por meio de operações que não transitem pelos bancos habilitados a operar em câmbio, mediante prévia autorização da fiscalização bancária, a cargo do BACEN. Serão aplicadas, a essa hipótese, os artigos 1º, 2° e 6°, do Decreto 23.258/33. O valor da pena pecuniária de multa, por previsão legal, poderá sofrer variação entre o dobro da operação cambial e, no mínimo, de "cinco contos de réis".
Como bem aponta o Professor Bruno Meyerhof Salama, em “<a href="http://works.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1123&amp;context=bruno_meyerhof_salama">Vigência, punibilidade e licitude: três questões sobre as operações Blue Chip Swaps e o Dec. 23.258/1933</a>”, “(...) para pensarmos juridicamente sobre a licitude ou ilicitude de uma operação de blue chip swap é preciso, então, enfatizar a distinção entre simulação e negócio jurídico indireto. (...) Esses requisitos são dados pelo art. 104 do CC.”
Resumo da ópera: de forma acertada, o Conselhinho decidiu que Blue Chip Swaps não são suspeitas de lavagem de dinheiro.
Siga o Coelho Branco.
Até o mês que vem.
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JOTA

Decisão do Conselhinho absolve instituição financeira e seus diretores