Caio Borges

Joana Setzer

Juliana Avila

Nathalia Dutra

O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) está a um passo de se colocar, ao lado de diversas outras cortes constitucionais no mundo, como tribunal constitucional que garante a proteção ao direito a um clima estável. A corte pautou, para esta quarta (30) e quinta-feira (31), o julgamento de sete ações sobre o meio ambiente e a mudança do clima.
O julgamento poderá ter ampla repercussão sobre a política climática brasileira e, por consequência, sobre o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris. Poderá também ter uma repercussão internacional, influenciando outras ações e decisões judiciais fora do país.
Seis das sete ações foram propostas por partidos políticos da oposição: PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PV, PT, PSOL e PCdoB – porém não todos os partidos são autores de todas as ações. As ações discutem questões concretas, como o desmatamento e a destinação de recursos públicos para ações de conservação e fiscalização ambiental. Tais ações têm o condão de concretizar o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, caso o Supremo reconheça a gravidade da crise climática por meio da interpretação de dispositivos constitucionais, do direito internacional e doméstico.
Juridicamente, as ações mobilizam, de maneira geral, os seguintes direitos constitucionais:
<ol>
<li>violação ao dever governamental de proteção ao meio ambiente, de precaução e prevenção de danos ao meio ambiente e de preservação de florestas e de um meio ambiente equilibrado, presentes (artigos 23, 170, 186 e 225);</li>
<li>violação ao direito fundamental dos cidadãos brasileiros ao meio ambiente equilibrado, à informação e à saúde (artigos 196 e 225);</li>
<li>violação do direito intergeracional ao meio ambiente equilibrado, à vida, à dignidade da pessoa humana e à saúde (artigos 1º, 5º, 196 e 225);</li>
<li>violação do direito dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais às suas terras tradicionais (artigos 215, 216, e 231).</li>
</ol>
De maneira mais específica, há ações que demandam que o STF dê provimentos para a adoção de medidas concretas pelo governo brasileiro. A ADPF nº 760 evocou o direito das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para se cobrar a execução de uma política pública de Estado efetiva para o combate ao desmatamento na Amazônia Legal e se exigir a viabilização do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Já a ADO nº 54 pugna pelo reconhecimento da omissão do governo federal quanto a seu dever de combater o desmatamento, alegando também a violação do dever constitucional de preservação de um meio ambiente equilibrado, de proteção ao meio ambiente, e de preservação das florestas. O pedido tem como fundamento os compromissos já assumidos pelo governo brasileiro, como a obrigação de reduzir em 80% os índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal em relação aos anos de 1996 e 2005, tal como prevê o Plano Nacional sobre Mudança do Clima.
A ADO nº 59, por sua vez, requer a reativação do Fundo Amazônia, o qual tem por finalidade captar doações para investimentos em prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento – e, em 2018, foi reconhecido pela ONU como uma das principais contribuições para redução do desmatamento. Em 2019 e 2020, com o desmonte da estrutura de governança do fundo durante a gestão do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não houve novos aportes nem novas contratações no Fundo Amazônia. Os proponentes argumentam a violação do dever de proteção do meio ambiente e do princípio de precaução, e que a omissão da União em não disponibilizar os recursos caracteriza uma violação ao princípio da lealdade federativa, bem como uma violação ao modelo de federalismo cooperativo.
As ações contestam ainda medidas específicas da atual gestão federal. Na ADPF nº 735, argumenta-se que a militarização da política ambiental brasileira é pouco eficaz, dado o aumento de desmatamento na Amazônia nos últimos anos, representando falha na prevenção do dano ambiental e na proteção do meio ambiente. Também afirma que normas como o Decreto Presidencial nº 10.341/2020 e a Portaria nº 1.804/2020 do Ministério da Defesa retiraram a autonomia do Ibama enquanto agente fiscalizador.
A ADI no 6148, por sua vez, proposta pela Procuradoria-Geral da República, na gestão de Raquel Dodge, questiona a Resolução nº 491/2018, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, a qual teria estabelecido padrões de qualidade do ar insuficientes e incompatíveis com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), violando direitos fundamentais à informação, à saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Já na ADI nº 6808 o foco de questionamento é a concessão automática de licença ambiental para empresas de grau de risco médio, sem que sequer seja feita uma análise humana para concessão de alvará de funcionamento, como previsto pela Medida Provisória nº 1.040/2021. Os proponentes argumentam que a MP viola o requisito constitucional de urgência para sua edição. Em seguida, sustentam que a desburocratização do licenciamento de atividades econômicas defendida pelo governo culmina na violação do princípio da defesa do meio ambiente e aos direitos fundamentais ao meio ambiente equilibrado e à saúde.
Outro ponto que está na pauta do Supremo, por meio da ADPF nº 651, e que agrava o quadro climático brasileiro, é a exclusão da sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, pelo Decreto Presidencial nº 10.224/2020. Como apontado pelos autores, a medida gera um desequilíbrio de forças e mina a democracia participativa, além de violar normas internacionais como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, e o Protocolo Adicional à Convenção Americana dos Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador).
Além de poderem resultar em avanços fundamentais para a política ambiental brasileira, essas ações representam uma chance histórica para a corte se juntar a tribunais de outros países, que têm assumido um papel crucial na interpretação de normas constitucionais e internacionais em relação à revisão e formulação de políticas climáticas governamentais. Merecem destaque os casos Urgenda v. Holanda,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Notre Affaire à Tous et al v. França,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Leghari v. Paquistão,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> Futuras Gerações v. Ministério do Meio Ambiente da Colômbia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, e Neubauer et al v. Alemanha<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Nesse contexto, percebe-se que o STF terá, nesses julgamentos, não apenas a oportunidade para restabelecer o império da lei, garantir o funcionamento regular dos órgãos de fiscalização e reverter a escalada no desmatamento, como terá a chance de se juntar à vanguarda de cortes internacionais que vêm decidindo favoravelmente ao direito a um meio ambiente equilibrado e saudável, em prol das gerações atuais e futuras. Torçamos para que esta oportunidade seja aproveitada e que a corte seja, cada vez mais, protagonista mundial na luta pela proteção ambiental e climática.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A Suprema Corte da holandesa reafirmou a obrigação estatal de reduzir emissões de gases de efeito estufa, determinando, de maneira inédita, ao governo holandês que limitasse suas emissões de gases de efeito estufa a um nível 25% inferior em comparação aos níveis de emissão do país em 1990. A Corte considerou argumentos jurídicos como 1) as metas de redução de Gases de Efeito Estufa acordados no âmbito da União Europeia; 2) o princípio previsto no âmbito do direito internacional de “no harm”; 3) a doutrina de negligência perigosa; e 4) o princípio da precaução e da sustentabilidade incorporados nas normas da ONU, mais especificamente na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. GRANTHAM RESEARCH INSTITUTE ON CLIMATE CHANGE AND THE ENVIRONMENT (London School of Economics). Overview and context: Urgenda Foundation v. State of the Netherlands. Disponível em &lt;<a href="https://climate-laws.org/geographies/netherlands/litigation_cases/urgenda-foundation-v-state-of-the-netherlands">https://climate-laws.org/geographies/netherlands/litigation_cases/urgenda-foundation-v-state-of-the-netherlands</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A Corte Administrativa de Paris ordenou que, até dezembro de 2022, o governo francês adote ações imediatas e concretas para compensar as emissões de carbono que excederem a meta estabelecida para o período de 2015-2018 e para reparar os danos causados por sua omissão e estabeleceu que qualquer excedente futuro deva ser compensado. FRANÇA. Conselho de Estado. Decisão sobre litígio nº 427301. 01 de julho de 2021. Disponível em: &lt;<a href="http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2021/20210701_Not-Yet-Available_decision.pdf">http://climatecasechartigocom/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2021/20210701_Not-Yet-Available_decision.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O Tribunal paquistânes reconheceu que o atraso do Estado na implementação de estrutura de política climática nacional ofende direitos fundamentais dos cidadãos, e determinou, entre outras medidas, a criação de uma Comissão de Mudança Climática no país, direcionando ainda diversos ministérios governamentais para a nomeação de uma pessoa focal responsável por políticas de mudanças climáticas. PAQUISTÃO. Alta Corte de Lahore. Decisão no caso W.P. nº 25501/2015. 04 abr. 2014. Disponível em: &lt;<a href="http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2015/20150404_2015-W.P.-No.-25501201_decision.pdf">http://climatecasechartigocom/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2015/20150404_2015-W.P.-No.-25501201_decision.pdf</a>&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> A Suprema Corte da Colômbia determinou em 2018 que o governo formulasse e implementasse planos de ação para endereçar a questão do desmatamento na Amazônia colombiana. Destacou também que “os direitos fundamentais da vida, da saúde, da subsistência mínima, da liberdade e da dignidade humana estão substancialmente ligados e determinados pelo meio ambiente e pelo ecossistema” e, ainda, reconheceu a Amazônia Colombiana como um sujeito de direitos. A Corte declarou, assim, que a Amazônia colombiana tinha, portanto, direito à proteção, conservação, manutenção e restauração e ordenou ao governo que formulasse e implementasse planos de ação para enfrentar seu desmatamento. COLÔMBIA. Suprema Corte da Colômbia. Decisão sobre o caso "Demanda Generaciones Futuras v. Minambiente". Disponível em &lt; <a href="http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2018/20180405_11001-22-03-000-2018-00319-00_decision.pdf">http://climatecasechartigocom/climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2018/20180405_11001-22-03-000-2018-00319-00_decision.pdf</a>&gt;
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Em 2021, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha determinou que a política de proteção climática alemã era incompatível com direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental do país, por não estabelecerem disposições suficientes para os cortes de emissões de gases de efeito estufa. O Tribunal concluiu, entre outros fatores, que o legislador não distribuiu proporcionalmente o "orçamento" de compromisso climático entre as gerações atuais e futuras e, como resultado, o governo alemão anunciou em 30 de abril de 2021 que se moveria rapidamente para ajustar sua lei climática, em resposta à decisão. Disponível em &lt; <a href="http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/non-us-case/neubauer-et-al-v-germany/">http://climatecasechartigocom/climate-change-litigation/non-us-case/neubauer-et-al-v-germany/</a> &gt;

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Corte está a um passo de se colocar como tribunal que garante a proteção ao direito a um clima estável

&#8216;Pauta verde&#8217; no STF: litigância climática em face de retrocessos ambientais

'Pauta verde' no STF: litigância climática em face de retrocessos ambientais

Meio ambiente: o STF está a um passo de se colocar como tribunal constitucional que garante a proteção ao direito a um clima estável