Artigo

Medidas tributárias para enfrentar o coronavírus

Nossa obrigação primordial é preservar a empresa, seu negócio, seus empregados e o ambiente econômico do país

royalties, lei, fazenda, voto de qualidade contencioso tributário
Imagem: Pixabay

O mundo enfrenta uma crise sanitária sem similar. A prioridade deve ser salvar vidas e a experiência dos países que iniciaram a batalha contra a propagação do vírus antes do Brasil mostra que a única forma de o combater é por meio do isolamento social, do investimento massivo em leitos hospitalares (principalmente de UTI) e ventiladores respiratórios, além de testar preventivamente a maior parte da população (não apenas os casos sérios).

Os efeitos na economia, especificamente para as empresas e a manutenção de empregos, são desafiadores e a política tributária terá um papel decisivo para resolver as necessidades mais imediatas e direcionar os efeitos de longo prazo.

As medidas tributárias implementadas até o momento foram de baixo alcance: a redução temporária a zero da alíquota do IOF nas operações de crédito e de cinquenta porcento das contribuições de terceiros; o adiamento do pagamento de diversos tributos; a prorrogação do prazo da certidão negativa de débito e para a entrega de várias declarações; a suspensão da cobrança de débitos; condições especiais de parcelamento e transação tributária; e, a desoneração e a facilitação dos procedimentos de importação de produtos relacionados ao combate do vírus. É muito pouco.

O que é preciso ter em mente é que após alguns meses a estagnação causada pelo vírus irá passar e a retomada da economia acontecerá naturalmente. Com este horizonte o legislador precisa ser criativo nas propostas e a intenção deste artigo é contribuir para as inúmeras soluções que já estão sendo discutidas em vários fóruns.

Para as grandes empresas conseguirem passar pelo momento difícil, mas temporário, este artigo propõe que o limite para compensação de prejuízos fiscais fixado em 30% do lucro líquido seja inaplicável para o prejuízo fiscal gerado em 2020. Ou seja, a partir de 2021, o prejuízo fiscal gerado em 2020 poderia ser integralmente compensado, não apenas com o IRPJ e a CSLL gerados em 2021, mas, extraordinariamente, usado também para quitar outros tributos federais. O benefício seria condicionado à manutenção de empregos e salários em 2020. A depender de uma análise da RFB sobre o saldo universal de prejuízos fiscais no mercado, o governo federal poderia ir além, autorizando a compensação integral de prejuízos gerados antes de 2020, desde que a empresa aumentasse o número de empregos formais e mantivesse o valor dos salários em 2020.

Solução de lógica parecida poderia ser imediatamente implementada nos estados, permitindo à empresa que adquirisse ativo fixo em 2020 a tomada imediata do crédito de ICMS, alterando temporariamente a metodologia de crédito parcelado em 48 meses, também condicionando o benefício à não demissão e à manutenção de salários. O momento emergencial justificaria, inclusive, regra que permitisse à empresa pedir a restituição em dinheiro do referido crédito não utilizado em 2020, desde que aumentasse o número de empregos em 2020.

Para as pequenas empresas e o pequeno comércio, os benefícios acima teriam pouca utilidade e o problema de caixa é mais imediato. Assim, independente da concessão de crédito emergencial e subsidiado para tais sociedades, é necessário que o governo reproduza o que outros países vêm fazendo e atue diretamente, efetivamente assumindo uma parcela dos salários dos empregados.

Várias outras medidas de redução de tributos e antecipação de benefícios para as empresas podem ser implementadas, desde que sempre condicionadas à manutenção de empregos e salários ou à contratação de empregados formais. Logicamente, a questão que surge é como assumir o custo de tais medidas. A história do Século XX nos dá a resposta e a esperança de que o coronavírus possa ser para o Brasil o que terríveis tragédias foram para outros países: a virada rumo ao desenvolvimento, ao crescimento e à justiça fiscal.

Para enfrentar a crise econômica causada pela Grande Depressão de 1930 os Estados Unidos aumentaram consideravelmente a tributação sobre as famílias mais ricas. Ainda em 1936 a receita do governo americano com a tributação sobre heranças aumentou em mais de 50% e até hoje o imposto é uma das principais fontes de receita do governo. A alíquota máxima nominal do imposto de renda passou para 75% e permaneceu em 91% de 1954 até 1963. Posteriormente retroagiu para patamares próximos de 70% até a década de 1970, quando, após a crise do petróleo, a ideologia da Escola de Chicago assumiu a condução da economia americana.

A Europa, destruída após a segunda guerra mundial, também encontrou na progressividade tributária a resposta para crescimento e desenvolvimento. E países que eram caracterizados pela pobreza extrema se tornaram exemplos de sociedades que oferecem ao menos a dignidade básica para o cidadão ter condições de viver e prosperar.

O Brasil segue uma lógica de tributação que não tem parâmetro em países desenvolvidos e capitalistas. Famílias sofrem uma tributação baixíssima sobre herança; iates e aviões não pagam IPVA; o IPTU, na quase totalidade dos munícipios, é cobrado a uma alíquota extremamente baixa em comparação com o preço dos imóveis mais caros; e, o ITR contribui em quase nada com a arrecadação federal. O Imposto sobre Grandes Fortunas, nunca implementado, tem projetos prontos estacionados no Congresso e atingiria apenas pessoas com patrimônio líquido superior a R$ 22 milhões.

Temos um estoque de riqueza que pode e deve ser tributado imediatamente a partir de 2021, sem qualquer impacto negativo na economia e na manutenção de empregos. Não é preciso estabelecer alíquotas similares às impostas pelos Estados Unidos após a Grande Depressão, mas é urgentemente necessário chamar quem possui riqueza a contribuir de forma justa com o Brasil, especialmente num momento de crise aguda. E o que se propõe aqui é apenas equalizar o sistema nacional àqueles adotados pelos países que a maior parte da classe empresarial admira.

Não passa despercebido que em resposta à proposta acima apareçam vozes citando Reagan ou Thatcher como exemplos das políticas que julgam mais apropriadas para o Brasil. Acontece que tais vozes, convenientemente, sempre ignoram os 50 anos de política fiscal distributiva que Estados Unidos e Europa adotaram para que os países que os elegeram pudessem se dar ao luxo de implementar uma política fiscal concentradora de renda. Quando Thatcher, por sinal expulsa do poder ao propor uma tributação extremamente regressiva, e Reagan, surgiram, o Reino Unido e os Estados Unidos já ofereciam o mínimo de dignidade humana a seus cidadãos, a ponto de conseguirem assumir todo o retrocesso na igualdade social que aconteceu desde então. O Brasil não pode se dar a este luxo.

Não somos os Estados Unidos de 1970, nem o Reino Unido de 1980. O coronavírus nos transformará na América do Norte de 1930 e a na Europa de 1944. Vamos fazer com que as lições do passado nos façam usar as perdas e os desafios de agora para capultar o país para a posição econômica que sempre julgamos ser condizente com o potencial do povo brasileiro.

Aprovar tais medidas extraordinárias rapidamente fará com que projetos de longo prazo que visem a modernização do sistema tributário, como a Emenda Substitutiva 108/00, que propõe uma reforma tributária moderna para o país e não apenas uma rearrumação da tributação indireta, sejam discutidos com calma e seriedade, para que possamos não apenas igualar a tributação sobre o patrimônio, mas também a tributação sobre a renda àquela dos países desenvolvidos.

À primeira vista soa estranho um advogado tributarista corporativo pedir aumento de tributos, mas nossa obrigação primordial é justamente preservar a empresa, seu negócio, seus empregados e o ambiente econômico do país. Não é defender um regime fiscal privilegiado para pessoas físicas, muito menos em tempos de crise e caos social. Franklin Roosevelt acreditava que o posicionamento acerca da tributação dizia muito sobre o caráter do cidadão. Chegou a hora de nós, advogados empresariais tributaristas, conhecedores do que acontece no mundo e do enorme potencial de justiça e impulsionamento da economia propositalmente camuflados, mostramos que estamos a favor do Brasil.