José Augusto Fontoura Costa

Vivian Rocha

No último dia 13 de setembro, o Parlamento Europeu aprovou projeto de lei que proíbe a importação de “commodities sujas” por membros da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/uniao-europeia">União Europeia (UE)</a> e suas emendas. De acordo com a medida, que integra o Pacto Verde Europeu (Green Deal), as empresas importadoras serão obrigadas a verificar a origem dos produtos que serão comercializados no mercado da UE e se esses são oriundos áreas desmatadas. Caso o sejam, serão impedidos de serem comercializados dentro do bloco europeu. A justificativa para tal medida é o esforço da UE no combate global ao desmatamento ilegal, inclusive, fora de seu território. O projeto de lei também exige a verificação se as commodities foram produzidas em conformidade com regras internacionais de direitos humanos e em respeito aos direitos dos povos indígenas e seus territórios<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e há requisitos para instituições financeiras europeias, para que se evite o apoio direto ou indireto a atividades ligadas ao desmatamento.
Embora a motivação esteja em consonância com a atual preocupação mundial com a sustentabilidade (ambiental, social e econômica), o avanço da medida nas instâncias de direito europeu denota preocupação importante sobre como os importadores realizarão a fiscalização de toda a cadeia produtiva no estrangeiro e de quem será o ônus final desse monitoramento. Essas inquietações são relevantes, pois obrigará os produtores estrangeiros, incluindo pequenos e médios produtores, a fiscalizarem suas cadeias e, a depender do tipo monitoramento exigido, esses não necessariamente terão condições para arcar com esse ônus, o que, consequentemente, lhes excluirá do mercado europeu.
Importante destacar que essas questões já vêm sendo discutidas há algum tempo. De início, a ideia de um projeto de medida contra a importação de commodities advindas do desmatamento passou por uma ampla consulta pública em 2020, que contou com a participação de diversas entidades do setor privado, governos, bem como a sociedade civil – tanto europeus quanto estrangeiros. Em seguida, houve a aprovação de proposta de resolução pelo Parlamento Europeu, por meio da qual os operadores econômicos no mercado europeu e o setor financeiro seriam obrigados a realizar diligência devida (due diligence) de rastreabilidade de certas commodities importadas, para monitorar e assegurar que essas não têm relação com desmatamento. Foi a primeira vez que o Parlamento europeu se utilizou do art. 47 de seu regimento interno, que dispõe sobre a possibilidade de requisição do Parlamento de proposta legislativa sobre temática específica à Comissão Europeia<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Inicialmente, a UE visava a fiscalização de seis commodities cuja produção está associada ao desmatamento tropical: soja, carne bovina, óleo de palma (dendê), madeira, cacau e café, bem como subprodutos como couro, chocolate e móveis. No entanto, foram incluídas no escopo da medida recentemente também carne de porco, cordeiro e cabra, além de aves, milho, borracha, carvão e papel impresso, ampliando a abrangência das exigências para 14 tipos de commodities.
De acordo com o projeto, qualquer uma dessas commodities que estiver vinculada a terras desmatadas após 31 de dezembro de 2019 (um ano antes da proposta original) será proibida de ser importada para a UE. O projeto de medida ainda precisa da aprovação do Conselho da UE e dos parlamentos nacionais das 27 nações do bloco. Contudo, a sua votação pelo Parlamento Europeu já é vista como paradigmática não só pela expressiva simpatia pela medida, mas por seu propósito em si – combater o desmatamento em território estrangeiro por meio de instrumentos jurídicos de comércio internacional.
O projeto de lei não nomeia explicitamente nenhum país como alvo das restrições, porém, é notório que deve afetar as exportações de países tropicais que são grandes produtores de commodities como o Brasil, grande produtor de soja, carnes, café, madeira, entre outros produtos listados, a Indonésia, grande produtora de óleo de palma e madeira, e Costa do Marfim, grande produtor de cacau. Inclusive, no Memorando Explicativo da Comissão Europeia acerca da medida, ela destaca diretamente que a exigência afetará setores que são essenciais para países específicos, como por exemplo, soja e gado do Brasil<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Para realizar a due diligence, as empresas importadoras europeias deverão investigar toda a sua cadeia de suprimentos. O procedimento de due diligence exigido deve incluir quatro elementos: (i) requisitos de informação, (ii) avaliação de risco, (iii) medidas de redução dos riscos e (iv) obrigatoriedade de comunicação à UE<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A aplicação da due diligence, será iniciada com a reunião de informações relevantes sobre a origem do produto, as quais deverão ser mantidas por 5 anos. Com base nessas informações, os importadores deverão realizar uma avaliação de risco. Se identificado o risco, os operadores deverão promover a mitigação desse risco. Só depois de concluir que o risco é insignificante ou inexistente, o importador poderá ser autorizado a comercializar o produto no mercado da UE. A fim de promover a transparência, os importadores deverão, anualmente, dar publicidade sobre o seu sistema de due diligence, incluindo quais medidas têm sido tomadas para cumprir as suas obrigações. Cumpre ressaltar que os procedimentos de due diligence devem englobar informações que demonstrem a ausência de desmatamento e que o país de produção cumpriu com as obrigações assumidas (nacional e internacionalmente).
Para obter as informações, os importadores precisarão adotar métodos sofisticados de monitoramento, como monitoramento por satélite ou geolocalização<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e análise anatômica, química e de DNA, até visitas a locais de produção e treinamento de fornecedores. Terão também de fornecer às autoridades e aos consumidores o acesso a dados geográficos e outros dados relevantes que comprovem a origem dos produtos. O cenário fica ainda mais complexo se levarmos em conta que grandes importadores realizam importações de fornecedores diversos. Por exemplo, se uma empresa europeia compra um mix de soja de 100 fazendas diferentes, deverá promover o monitoramento de todas essas 100 fazendas. O mesmo ocorre com varejistas importadoras de carnes brasileiras de diversos frigoríficos.
A própria UE admite que aplicar a geolocalização em setores onde os pequenos produtores representam uma parcela significativa dos produtores pode ser particularmente desafiador<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Isso, pois, os pequenos e médios produtores de países em desenvolvimento não necessariamente já possuírem estrutura e recursos necessários para um monitoramento e reporte nos moldes exigidos e os custos de implementação de um sistema de monitoramento podem ser altos. Já para os grandes produtores, esse custo tem sido mitigado há algum tempo, especialmente, por já aderirem às normas voluntárias de sustentabilidade, requeridas, por exemplo, por grandes grupos varejistas de países desenvolvidos.
A UE orienta no projeto de medida que devem ser fornecidos apoio técnico e financeiro quando relevante<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> e que os importadores devem tomar as medidas necessárias para: (i) envolver-se significativamente com as partes interessadas vulneráveis, como pequenos produtores, povos indígenas e comunidades locais, em sua cadeia de suprimentos e (ii) assegurar que as partes interessadas vulneráveis ​​recebam assistência adequada e remuneração justa para que seus produtos possam cumprir com as regras, em especial no que diz respeito ao requisito de geolocalização, e assegurar que os custos resultantes da aplicação do presente regulamento sejam compartilhados de forma justa entre os diferentes atores da cadeia de valor<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Nesse sentido, o projeto de medida deixa claro que os custos para implementar medidas de rastreabilidade não serão integralmente dos produtores estrangeiros, devendo ser compartilhados com os importadores. No entanto, para além dos custos de implementação, é preciso um prazo de transição razoável para que produtor e importador possam se adequar a essa sistemática. De acordo com o projeto de medida, em até 12 meses após a entrada em vigor do regulamento, a Comissão publicará orientações específicas sobre a due diligence e as regras de rastreabilidade dos operadores, adaptadas às respectivas cadeias de abastecimento. Assim sendo, embora não haja clareza sobre o período de transição, infere-se que esses 12 meses servirão como tal, haja vista que nova medida regulamentará essa due diligence.
De toda forma, o objetivo de aumentar a transparência nas cadeias, minimizar o risco de desmatamento associado às importações de bens agrícolas e promover o consumo de produtos que não tenham relação com o desmatamento será um desafio não só para a UE, mas também para os produtores estrangeiros e importadores europeus. A implementação de um sistema robusto de monitoramento exigirá não somente recursos, mas tecnologia e celeridade na implementação. No entanto, é necessário que haja, de fato, um compartilhamento dos custos para que o pequeno e médio produtor não seja onerado integralmente, e um período de transição razoável para tanto. Do contrário, a medida resultará na exclusão de diversos produtos estrangeiros do mercado europeu, o que trará consequências para o comércio internacional, para a segurança alimentar do bloco e, sobretudo, para os agroexportadores brasileiros.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> EUROPEAN PARLIAMENT. Amendment 45 Proposal for a regulation Recital 32. Disponível em: &lt;<a href="https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html">https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html</a>&gt;. Acesso em: 21 set. 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Novas barreiras e tendências no comércio internacional: possíveis impactos para as exportações brasileiras. Brasília: CNI, 2021, p. 35.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> EUROPEAN COMMISSION. Explanatory Memorandum. Regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No 995/2010. Disponível em: &lt; <a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:52021PC0706">https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:52021PC0706</a>&gt;. Acesso em: 05 out. 2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> EUROPEAN PARLIAMENT. Amendment 46 Proposal for a regulation Recital 33. Disponível em: &lt;<a href="https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html">https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html</a>&gt;. Acesso em: 21 set. 2022.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> As coordenadas de geolocalização que dependem de tempo, posicionamento e/ou observação da Terra podem fazer uso de dados e serviços espaciais fornecidos no âmbito do programa espacial da União (EGNOS/Galileo e Copernicus).
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> EUROPEAN PARLIAMENT. Amendment 46 Proposal for a regulation Recital 33. Disponível em: &lt;<a href="https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html">https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html</a>&gt;. Acesso em: 21 set. 2022.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> EUROPEAN PARLIAMENT. Amendment 46 Proposal for a regulation Recital 33. Disponível em: &lt;<a href="https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html">https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html</a>&gt;. Acesso em: 21 set. 2022.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> EUROPEAN PARLIAMENT. Amendment 114 Proposal for a regulation Article 4 – paragraph 7 a (new), itens (a) e (b). Disponível em: &lt;<a href="https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html">https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0311_EN.html</a>&gt;. Acesso em: 21 set. 2022.

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JOTA

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