Natascha Veridiane Schmitt

Tagie Assenheimer de Souza

Em julgamento recente, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, entendeu ilegal decisão cautelar proferida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) pela qual determinou à ANTT a revisão de tarifa-base de determinado contrato de concessão rodoviária conforme critérios apontados pelo próprio TCU na decisão. O acórdão em questão foi proferido no âmbito do MS 35.715/DF, impetrado pela concessionária e no qual postulou a nulidade da decisão cautelar, bem como acesso aos elementos que fundamentaram a cautela, para sua manifestação.
Para proferir essa decisão cautelar, o TCU – relata o acórdão do STF – fundamentou-se em documentos classificados como sigilosos pelo próprio tribunal. Sendo sigilosos, a concessionária deles não tinha conhecimento e, por isso, não considerou tais informações em suas manifestações de defesa. Foi saber ao ler a fundamentação da decisão. E, quando buscou acesso a esses documentos, o TCU nada decidiu sobre deferir o pedido – quedou-se silente.
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E foi esse, precisamente, o ponto de divergência do STF, no voto condutor, quanto à postura do TCU.
O STF reiterou seu entendimento histórico de que é possível ao TCU proferir medidas cautelares sem que isso, per se, configure ilegalidade, com base na teoria dos poderes implícitos decorrentes do art. 71, da Constituição – necessários ao cumprimento de sua missão constitucional. Referendou-se o posicionamento já há muito consolidado na Corte sobre o poder geral de cautela do TCU. Isso, no entanto, não se dá sem limites: o limite é a própria Constituição Federal, e, no caso, o respeito ao devido processo legal (no que se insere o devido processo administrativo).
O ministro Marco Aurélio (relator do mandado de segurança), bem da verdade, viu mais que isso e fez uma ponderação fundamental em seu voto: consignou que o TCU havia colocado a ANTT “em segundo plano”. Prestigiou, implicitamente, o princípio da deferência. E mais: sendo a ANTT autarquia especial, obediente ao princípio da legalidade estrita, a autonomia que detém para “tomar as providências que entenda necessárias” não deveria ser objeto de interferência do TCU. Foi enfático: o TCU é “órgão auxiliar, simplesmente auxiliar – repita-se – do Legislativo nacional” e não integra o Poder Judiciário.
Essa discussão parece bastante elementar se observado o entendimento histórico do STF quanto à existência de um poder geral de cautela a ser exercido pelo TCU. O tema até poderia ser levado a um outro patamar: ou o poder geral de cautela decorre da teoria dos poderes implícitos – como entende o STF –, ou se trata de poder explícito expresso na Constituição Federal, seguindo a hermenêutica de que se ele pode o mais (sustar em definitivo atos ou assinalar prazo para que o órgão adote providências necessárias em proteção ao interesse público), pode o menos (sustar cautelarmente tais atos para garantir a efetividade de suas decisões). E, sendo poder explícito, ele encontra limite no próprio artigo 71 da Constituição.
O que se quer abordar, aqui, é o que não enfrentou o STF na análise do MS 35.715/DF: o TCU não estaria diferindo o contraditório ao exercer o seu poder geral de cautela? Quando, para a concessão de cautelares, se exige contraditório prévio ou se admite o contraditório diferido? De certo, nisso, é que o contraditório diferido é excepcional – como toda cautelar deve ser, a propósito –, mas não ilegal.
O STF não adentrou nessa questão. Não analisou se, de fato, havia periculum in mora tão grave apto a permitir que o contraditório, como queria o TCU, fosse diferido. Apenas compreendeu que, para a concessão de cautelar pelo órgão, era ilegal a não disponibilização dos documentos sigilosos que embasaram a decisão.
De um lado, está chancelado o (arrisca-se, definitivo) entendimento de que ao TCU são permitidas medidas cautelares com contraditório diferido. De outro, está o vício de procedimento do TCU, ocorrido a posteriori, ao se omitir em conceder à concessionária atingida (pela ordem cautelar) acesso aos documentos que fundamentaram a cautela, retirando oportunidade útil de apresentar elementos de contraste.
Desse modo, ainda que clara a ofensa do contraditório no processo no TCU, não parece efeito automático (como deu a entender o STF) que essa ofensa posterior ao contraditório macule o procedimento como um todo (e, retroativamente, a decisão caulelar). Não se encontra no acórdão elementos justificadores dessa retrocessão excepcional de nulidade (já que, repita-se, o contraditório diferido é medida possível e legítima).
Assim, teria o STF sido mais coerente se houvesse concedido a segurança para ordenar de disponibilização à concessionária, pelo TCU, dos elementos dos autos, em isolamento de atos e preservação da competência desse órgão legislativo, corrigindo satisfatoriamente a ofensa ao contraditório e oportunizando, tão logo, em sede do processo administrativo, uma discussão ampla da correção e validade da ordem cautelar inadvertidamente anulada.

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JOTA

STF considerou ilegal decisão cautelar em que TCU determinou à ANTT revisão de tarifa-base de contrato de concessão

Medida cautelar e contraditório diferido no TCU

STF considerou ilegal decisão cautelar em que TCU determinou à ANTT revisão de tarifa-base de contrato de concessão