Diego Werneck Arguelhes

Ivar A. Hartmann

Há algumas semanas, a FGV Direito Rio lançou o 3º Relatório do Projeto Supremo em Números, intitulado “<a style="text-decoration: underline;" href="http://supremoemnumeros.fgv.br/relatorios/relatorio-3-o-supremo-e-o-tempo.html" target="_blank">O Supremo e o Tempo</a>”. <a style="text-decoration: underline;" href="https://www.jota.info/materias31-os-numeros-que-revelam-o-stf">Os resultados da pesquisa podem ser analisados sob prismas diferentes</a>, permitindo visão tanto do panorama geral quanto das nuances específicas da relação dos ministros do STF com o tempo. A dimensão mais imediata que surge da leitura dos dados é sem dúvida a da lentidão. Os dados mostram que STF pode de fato demorar muito – às vezes décadas – para decidir os casos que recebe. Outras leituras pertinentes enfatizam a variação de performance entre os Ministros, bem como a inexistência de relação entre essa performance e a carga de trabalho individual e coletiva do tribunal. <a style="text-decoration: underline;" href="https://www.jota.info/materias38-por-que-o-supremo-nao-cumpre-seus-proprios-prazos">Isso atesta um problema de organização interna</a>. Se o Ministro A leva três vezes mais tempo para publicar um acórdão do que o Ministro B, que, por sua vez, devolve vistas cinco vezes mais rápido que o Ministro A, temos aí um sinal importante. A variação individual extrema, em qualquer período do último quarto de século e sem relação com volume processual, sugere que há padronização insuficiente. Os gabinetes de maneira geral adotam práticas administrativas e procedimentais em descompasso e de maneira isolada, o que sequer permite identificar, com segurança, os casos de atraso normal e diferenciá-los dos casos de atraso patológico.
Para além da lentidão e da falta de padronização, porém, há um terceiro nível de análise para o qual dados sobre o tempo das decisões podem ser fundamentais. Trata-se de investigar os <a style="text-decoration: underline;" href="https://www.jota.info/materias19-a-ingovernabilidade-do-stf">mecanismos dos quais o STF dispõe para controlar o “timing” de suas decisões</a> e formar sua agenda. O 3º Relatório nos permite entender algumas das maneiras pelas quais o tribunal – ou melhor, seus Ministros – contribuem para <a style="text-decoration: underline;" href="https://www.jota.info/article8-como-o-stf-decide-o-que-e-quando-nao-julgar">definir quais casos serão efetivamente julgados em um dado momento</a>. Isto porque, como os dados mostram, a lentidão do STF é potencial e não inevitável. É seletiva, não equalizadora. É possível que o Plenário conceda uma liminar em ADIn em menos de 24 horas; mas também é possível que uma década se passe sem qualquer decisão. É possível que um andamento de conclusão ao relator dure poucos dias, mas também é possível que isso leve muitos anos.
Em especial, é possível que um Ministro devolva um pedido de vista em duas semanas, mas é igualmente possível que os autos fiquem em seu gabinete por anos e anos, sem previsão de retorno para julgamento. Um exemplo é o Recurso Extraordinário 188083. Nesse processo, um pedido de vista feito pelo Min. Eros Grau em 2006 não apenas sobreviveu à aposentadoria do próprio ministro, como sequer foi devolvido por seu sucessor. O processo chegou ao Supremo em 1995, mas o pedido de vista continua em aberto até hoje. Assim, das quase duas décadas de duração do processo até aqui, cerca de oito anos são resultado direto de um pedido de vista.
Se olharmos para as regras aplicáveis aos pedidos de vista, poderíamos ficar com a impressão de que o problema acima é excepcional. Nos termos do Regimento Interno do STF, o prazo para devolução de um pedido de vista é de 10 dias. Há uma primeira prorrogação automática de mais 10 dias, depois da qual outras prorrogações devem ser explícitas e justificadas. De 1988 para cá, essa regra foi alterada diversas vezes. Mas, em todo esse período, a duração máxima autorizada pelo Regimento nunca passou de um mês. Assim, um pedido de vista como do Ministro Eros Grau no caso acima é uma clara violação do Regimento. Não há estratégia ou método de interpretação capaz de transformar um mês em um ano – ou em uma década.
Contudo, os dados do Relatório “Supremo e o Tempo” sugerem que violações como essa estão longe de ser pontuais. Por um lado, os pedidos de vista incidem sobre um conjunto muito pequeno de processos: há vistas em cerca de 2.2% do total de processos que já começaram a ser julgados nas Turmas ou no Plenário. Por outro, dentro desse pequeno conjunto de processos, a violação ao Regimento Interno é a regra, e não a exceção. Apenas um em cada cinco pedidos de vista são devolvidos no prazo regimental. Na verdade, o prazo regimental parece fazer sentido para alguns processos, mas não para a maioria deles. Enquanto as vistas tempestivas têm média de 15 dias, as demais alcançam 443 dias. Essa notável diferença aponta para a existência de pelo menos dois tipos muito distintos de vista: ou respeita-se o prazo para devolução, tipicamente com alguma folga, ou a vista excederá em muito o prazo. O contraste só aumenta se considerarmos que a duração média dos 124 pedidos de vista que ainda estavam em aberto em dezembro de 2013 era de 1095 dias.
“O Supremo e o Tempo” revela um tribunal sem prazo para decidir e sem regras ou padrões claros que expliquem o momento específico da decisão deste ou daquele processo. Mais especificamente, o mecanismo de vista parece ser um dos meios pelos quais a lentidão potencial se fará concreta neste ou naquele caso. As vistas podem contribuir para aumentar em muitos anos, às vezes décadas, a duração de processos específicos. Mais ainda, os dados agregados sugerem uma prática sistemática de devolução de vistas muito além do prazo regimental. Nesse cenário, o Regimento Interno parece ser irrelevante. Mas, se o Regimento Interno não importa, o que pode explicar o comportamento dos Ministros quanto aos pedidos de vistas? Se, na prática, não existem prazos para os Ministros, o que faz com a duração das vistas aumente ou diminua? Nos próximos artigos, nós usaremos dados do “Supremo e o Tempo” para enfrentar essas perguntas.
*Diego Werneck Arguelhes e Ivar A. Hartmann são professores da FGV Direito Rio.

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JOTA

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