Carlos Alexandre de Azevedo Campos

No livro “Dimensões do Ativismo Judicial do STF”**, fruto da dissertação que realizei, no Mestrado em Direito Público pela UERJ, sob a orientação espetacular do Professor Doutor Daniel Sarmento, abordo o tema do ativismo judicial do Supremo sob a perspectiva tanto do Direito Constitucional quanto da Ciência Política. O livro parte da premissa de verificar-se, nos últimos anos do século XX e, com mais destaque, neste século XXI, alteração quantitativa e qualitativa do espaço ocupado pelo Supremo no cenário sociopolítico brasileiro. Segundo a pesquisa desenvolvida, o Tribunal, pós-1988, foi reinventado quanto aos temas julgados, à forma e disposição de interpretar o texto constitucional, ao alcance e valor de suas decisões. Tendo em vista toda essa ascensão institucional, o ativismo judicial do Supremo tornou-se uma realidade e um dos principais assuntos de nossos debates doutrinários, um tema da moda.
Mas, afinal, o que é o ativismo judicial? O que se pretende com o debate sobre o ativismo judicial? Como se identificam práticas de ativismo judicial? O que faz de uma decisão judicial uma decisão ativista? Quais são as variáveis explicativas? O ativismo judicial é uma escolha isolada dos juízes? Como se manifesta o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal? No livro, procuro responder essas questões, desenvolvendo minhas ideias em torno de dois propósitos primários: (i) apresentar e explicar o avanço do ativismo judicial do Supremo; e (ii) identificar as decisões ativistas da Corte, categorizando-as de acordo com a ferramenta metodológica central do estudo – a definição multidimensional do ativismo judicial. Ambos os propósitos foram cumpridos a partir de uma prévia definição de ativismo judicial, capaz de dar conta da complexidade dos comportamentos adjudicatórios ativistas.
Essa definição foi construída em torno do núcleo comportamental ativista – a expansão de poder político-normativo por parte de juízes e cortes sobre os outros poderes –, e levou em conta as diferentes características desse comportamento apreendidas por meio da observação das praticas decisórias de cortes constitucionais paradigmáticas – no Capítulo I, a Suprema Corte norte-americana; no Capítulo II, as Cortes Constitucionais e Supremas da Alemanha, Itália, Colômbia, Costa Rica, Canadá e África do Sul. Essa investigação comparada permitiu-me fixar cinco premissas que tiveram implicações normativas sobre a construção do que defendo ser a definição mais adequada e útil de ativismo judicial:
a)  a primeira premissa diz que o ativismo judicial é uma questão de postura expansiva de poder político-normativo de juízes e cortes quando de suas decisões, e não de correção de mérito dessas decisões judiciais; 
b)  a segunda, que o ativismo judicial não é aprioristicamente legítimo ou ilegítimo; 
c)  a terceira aponta o caráter dinâmico e contextual da identificação e da validade do ativismo judicial; 
d)  a quarta diretriz afirma a pluralidade das variáveis contextuais que limitam, favorecem, enfim, moldam o ativismo judicial; 
e)  a última – e mais importante – é aquela que explica o ativismo judicial como uma estrutura adjudicatória multidimensional.
A partir dessas cinco diretrizes, defini, no Capítulo III, o ativismo judicial como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias. Com essa definição em mãos, o trabalho cumpriu seus dois propósitos primários, ou seja, a explicação e a identificação do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal.
A explicação do ativismo judicial do Supremo, realizada no Capítulo IV, levou em conta a premissa de o ativismo responder aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos. Com efeito, o momento ativista do Supremo é totalmente vinculado ao contexto brasileiro pós-Constituição de 1988 e às transformações institucionais, políticas, sociais e jurídico-culturais que se seguiram. Pautado, principalmente, em formulações da Ciência Política empírica, rejeitei a ideia de o ativismo judicial contemporâneo decorrer pura e simplesmente da vontade dos juízes do Supremo. Na realidade, ele responde a múltiplos fatores, máxime, a fatores exógenos. Há aqui a ideia de fatores necessários, indispensáveis e complementares.
No Capítulo V, cumpri o mais relevante objetivo do livro – identificar e categorizar as decisões ativistas do Supremo –, o que fiz com base na principal premissa da pesquisa: o caráter multidimensional do ativismo judicial. Identifiquei cinco dimensões do ativismo judicial do Supremo: (i) dimensão metodológica – interpretações criativas e expansivas dos enunciados normativos legais e constitucionais, notadamente dos princípios constitucionais; (ii) dimensão processual – ampliação, por conta própria, de seus instrumentos processuais e da eficácia de suas decisões; (iii) dimensão estrutural ou horizontal – falta de deferência às capacidades legal e cognitiva dos outros poderes; (iv) dimensão de direitos (dimensão negativa e dimensão positiva) – interferência em ações regulatórias e coercitivas dos outros poderes e na formulação e execução de políticas públicas; (v) dimensão antidialógica – a afirmação da supremacia judicial.
Certa feita, o professor Mark Tushnet disse que “escrever sobre a Suprema Corte é como atirar em um alvo em movimento”. Novas decisões ameaçam fazer piada das análises anteriores. O risco é permanente, principalmente, aos amantes de prognósticos. Ao afirmar a presença do ativismo judicial do Supremo em nossa ordem política, social e democrática, e defender a explicação multifacetada e a abordagem multidimensional desse fenômeno, com a colocação de parâmetros para a identificação de diferentes práticas ativistas, eu aposto que a compreensão desse evento de alta relevância político-institucional possa ser uma empreitada acessível e objetiva. O livro possui a aspiração de ser, além de um momento de leitura agradável, um trabalho “metodologicamente útil” e “teoreticamente convincente” àqueles que pretendem estudar o Supremo, o outrora e, talvez, nunca mais “esse outro desconhecido”.
* Mestre e Doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. 
Professor de Direito Constitucional e Tributário da Universidade Candido Mendes e da Faculdade de Direto da UNIFLU. Assessor de Ministro do STF.
** O livro “Dimensões do Ativismo Judicial do STF” será lançado no dia 24 de setembro na Biblioteca Victor Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Autor lança livro e discute ativismo sob perspectiva do Direito Constitucional e da Ciência Política