Daniela Guarita Jambor

Guillermo Glassman

É bem conhecida a crise de opioides norte americana, cuja origem foi popularizada pela minissérie Império da Dor (PainKiller, Netflix, dos criadores Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>). É evidente que para uma crise dessas proporções e tão complexa não é possível identificar um único responsável e a resposta do Estado é certamente desafiadora. Porém, as autoridades norte americanas não permaneceram inertes e o desdobramento mais recente disso foi a celebração do primeiro acordo com uma agência de publicidade estabelecendo indenização no valor de USD 350 milhões por sua participação na crise. O valor será utilizado para a redução, tratamento e prevenção de utilização de opioides<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Esse acordo é uma novidade importante porque estabelece um precedente (no sentido lato) para situações semelhantes em outros países, seja no caso de opioides (que já causa preocupações no Brasil)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> ou de outros produtos da indústria farmacêutica. A Publicis Health LLC, do grupo francês Publicis Groupe, é uma das empresas líderes no mundo em comunicações de saúde, especializada em marketing, publicidade, consultoria, acesso ao mercado e gestão de marcas – tudo voltado à indústria da saúde. Foi a Publicis Health que firmou acordo bilionário com o Advogado-Geral do Estado de Nova York, nos Estados Unidos, sobre a atividade da agência na promoção do receituário e consumo de opioides.
O ponto, no Brasil, é polêmico: agências de propagandas podem e devem ser responsabilizadas pela atividade que desempenham quando uma peça publicitária criada por essa agência causa danos ou é prejudicial à saúde dos consumidores? No caso da Publicis Health, o acordo, além de definir o valor a ser pago, estabelece que a agência está proibida de aceitar futuros casos relacionados a marketing de opioides e  apresentará documentos que serão utilizados novas frentes de investigação por parte do Governo dos Estados Unidos. Lá, portanto, as penalidades foram muito graves.
No Brasil, o cenário normativo atual aponta que uma responsabilização nesses termos não seria possível no âmbito sanitário. Sob a perspectiva da legislação sanitária (Lei 6.360/76, Decreto 8.077/13 e RDC 96/08 da Anvisa): (1) as atividades que estão sujeitas à vigilância sanitária não englobam “propaganda” ou “publicidade”, tal como prevê o art. 2º do mencionado Decreto; e (2) a peça publicitária pode ser procedente apenas de empresas regularizadas perante os órgãos sanitários, conforme o art. 3º, §1º, da RDC 96/08. Ou seja, não sendo obrigatório, tampouco possível, a regularização sanitária de uma agência de propaganda, a agência de propaganda não é responsabilizada sob a perspectiva sanitária.
Sob a perspectiva da autorregulamentação publicitária, a situação se altera. Aqui, estamos diante do Código de Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), que também trata sobre publicidade de medicamentos, sob a ordem do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Conar">Conar</a>). O sistema de autorregulamentação, criado no final dos anos 70, tem por objetivo zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os interesses das partes envolvidas no mundo publicitário, inclusive os do consumidor. Em outras palavras, é um ambiente autorregulado que procura manter a “ordem” publicitária.
Neste âmbito, agências de propaganda podem – e regularmente são – condenadas por propagandas que não observem o CBAP. No entanto, há quem critique o sistema de autorregulamentação, porque ele não teria penalidades a altura dos danos aos consumidores, notadamente na esfera da saúde, tais como advertência, alteração / correção do anúncio, divulgação de posição contrária do CONAR com relação à agência de propaganda.
Sob a perspectiva de defesa do consumidor, há divergências sobre a possibilidade de responsabilização de agências de propaganda. Atualmente, há três correntes: (1) a responsabilidade de indenizar os consumidores por danos advindos da publicidade é única e exclusiva do anunciante, com base no art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CDC">CDC</a>); (2) o anunciante é o único que pode ser responsabilizado objetivamente; no entanto, as agências de propaganda podem ser responsabilizadas subjetivamente (quando presente dolo ou culpa), nos termos da responsabilidade solidária do CDC; e (3) anunciantes e agências de propaganda, veículos e até influencers são solidários e objetivamente corresponsáveis em razão dos danos que o consumidor tenha – ou venha a sofrer – por conta da propaganda/publicidade. Não há uniformidade nos Tribunais Brasileiros sobre o tema e a análise caso a caso ainda é necessária e indispensável, seja em qualquer esfera, inclusive a que engloba o tema “saúde”.
O caso Publicis Health aponta para uma postura mais severa das autoridades em face de agências de publicidade e propaganda no âmbito de crises sanitárias. Ao que parece, firmou-se lá a tese de que quem auxiliou a criar a crise de opioides, então, responderá à Justiça Americana.
É possível esperar que esse “precedente” paute a conduta das autoridades norte americanas quanto à responsabilidade das agências em circunstâncias similares, mas influencie, também, autoridades brasileiras, em especial o Ministério Público Federal, na busca de responsabilização por danos difusos ou mesmo ressarcimentos por custos do Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/SUS">SUS</a>) no combate a uma crise sanitária como a norte americana. É recomendável, nesse contexto, que as agências que atuam no setor da saúde e as indústrias farmacêuticas reforcem suas boas-práticas em termos de publicidade para se adaptar a um contexto de atuação mais severa das autoridades.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> https://www.imdb.com/title/tt11816814/?language=pt-br
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> https://ag.ny.gov/press-release/2024/attorney-general-james-secures-350-million-publicis-its-role-opioid-crisis
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> https://veja.abril.com.br/saude/crise-dos-opioides-avanca-nos-eua-e-deixa-sinais-de-alerta-para-o-brasil

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JOTA

Como o caso Publicis Health nos EUA pode afetar a indústria farmacêutica no Brasil?

Marketing de medicamentos

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