Gabriel Spezi

No dia 8 de junho, a Comissão Especial criada no âmbito do Projeto de Lei (PL) nº 399/2015 aprovou a minuta final do substitutivo apresentado pelo relator, deputado federal Luciano Ducci<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. A proposta dispõe sobre o marco regulatório da cannabis no Brasil e autoriza diversas atividades voltadas aos usos medicinal e industrial da planta. O uso recreativo e o cultivo por pessoas físicas não foram contemplados.
A votação que aprovou o PL 399/2015 na Comissão Especial reforçou a polarização criada em torno do tema durante a tramitação da proposta. A votação terminou empatada com 17 votos favoráveis e 17 votos contrários, com desempate do Relator em favor da aprovação. Devido ao caráter conclusivo da proposta, o texto seria encaminhado diretamente ao Senado, mas deve seguir para análise em Plenário após interposição de recurso.
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A polarização sobre o tema era esperada. As décadas de proibicionismo e a quase automática vinculação da cannabis ao seu uso recreativo naturalmente dificultam um consenso. Não há dúvidas, entretanto, que o calor colocado no debate pelos opositores da proposta potencializou a divergência entre os parlamentares. Diversas manobras regimentais e até uma agressão ao presidente da mesa exemplificam bem a tensão que foi criada<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A estratégia utilizada pelos opositores do PL é perigosa porque tira a discussão do campo técnico e a transfere ao campo político, facilitando a propagação de um discurso superficial e baseado no negacionismo. Em termos práticos, isso implica posicionamentos extremistas de condenação absoluta ou de liberação total, quando, na verdade, a regulação é exatamente o meio termo que oferece equilíbrio entre os dois lados.
Vale destacar que quando se fala em discurso superficial, se fala, por exemplo, do argumento do deputado Osmar Terra no sentido de que o PL 399/15 geraria um cultivo descontrolado da cannabis, transformando o Brasil em um “narcoestado” conduzido pelo “narcoagronegócio”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. É exatamente esse tipo de utopia que potencializa a polarização e estimula posicionamentos extremistas.
Sobre esse argumento, o texto estabelece regras rígidas para mitigar os riscos do cultivo. Algumas até excessivas, na minha visão, sobretudo quanto ao cânhamo industrial, variedade da planta sem efeito psicoativo. Nos termos da proposta, o cultivo é limitado a pessoas jurídicas previamente autorizadas pelo Poder Público, e demanda, por exemplo, a elaboração de plano de segurança e a utilização de sementes e mudas certificadas.
Nesse sentido, não é regulação que incentiva o cultivo descontrolado da cannabis, mas sim a falta dela. Tal conclusão se torna ainda mais óbvia diante dos efeitos nefastos do proibicionismo no Brasil, cuja ineficiência é conhecida há décadas. Tomando como exemplo a experiência internacional, dos diversos países que de alguma forma regularam o cultivo da cannabis, nenhum se tornou um “narcoestado” ou é conduzido pelo “narcoagronegócio”.
A despeito de argumentos dessa natureza, fato é que o PL 399/15 está aprovado na Comissão Especial e deve ser submetido ao Plenário.
<blockquote class="jota-article__eye">Não há dúvidas de que a polarização será mantida na sequência do processo legislativo, mas espera-se um pouco mais de bom senso e naturalidade no tratamento da matéria. É fundamental manter um bom nível de discussão e privilegiar os aspectos científicos que motivaram a criação da proposta.</blockquote>
Isso porque a desconexão entre a legislação brasileira e as evidências apresentadas pela ciência exige uma resposta do legislador. Há inúmeros fundamentos científicos que sustentam os usos medicinal e industrial da cannabis como importantes ferramentas voltadas à saúde pública, ao desenvolvimento econômico sustentável e à preservação do meio ambiente, fato que não se reflete de maneira adequada na lei.
Partindo do pressuposto que a legislação brasileira é baseada em fundamentos que não são mais verdadeiros, ou, no caso, nunca foram, haja vista que os usos medicinal e industrial da planta são conhecidos há séculos, o PL 399/15 tem o papel de reestabelecer a conexão entre a lei e o mundo real, acomodando a cannabis de maneira adequada no ordenamento jurídico brasileiro.
Por mais que se valorize o trabalho da Anvisa no enfrentamento dessa agenda, ferramentas regulatórias provisórias, ou criadas em caráter de exceção, não são suficientes<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Até por uma questão de competência, a participação do Poder Legislativo é fundamental. Cabe à maioria dos parlamentares compreender que regular a cannabis não é sobre tolerar danos, mas sim sobre promover benefícios.
Em todo caso, seja qual for o desenrolar do processo legislativo, em especial da votação em Plenário, a decisão proferida no âmbito da Comissão Especial é histórica e deve ser comemorada. Ainda que seja apenas uma etapa dentro do longo trajeto a ser percorrido, o legado do PL 399/15 já é irreversível. Com o constante debate sobre o uso responsável da planta, não há como frear a regulação da cannabis medicinal e do cânhamo industrial no Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a><a href="https://www.jota.info/legislativo/comissao-camara-aprova-pl-autoriza-comercio-derivados-cannabis-08062021">https://www.jota.info/legislativo/comissao-camara-aprova-pl-autoriza-comercio-derivados-cannabis-08062021</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://cannabisinc.blogfolha.uol.com.br/2021/05/20/assista-ao-video-que-confirma-tapa-que-deputado-levou-durante-sessao-na-camara/">https://cannabisinc.blogfolha.uol.com.br/2021/05/20/assista-ao-video-que-confirma-tapa-que-deputado-levou-durante-sessao-na-camara/</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a><a href="https://www.cannabisesaude.com.br/pl399-debate-comissao/">https://www.cannabisesaude.com.br/pl399-debate-comissao/</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://www.gov.br/pt-br/temas/regularizacao-de-produtos-derivados-de-cannabis">https://www.gov.br/pt-br/temas/regularizacao-de-produtos-derivados-de-cannabis</a>

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