Marcelo Nakagawa

Por mais que já aparecesse na literatura inglesa no Século 16, o termo startup (ou start-up) começou a ganhar tração a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Uma das explicações é que diversas novas tecnologias aceleradas nos Estados Unidos durante a guerra se tornaram empresas de rápido crescimento, atraindo uma classe de investidores posteriormente conhecida como Venture Capital e também o interesse de grandes corporações.
Fundada em 1957, a Digital Equipment Corporation (DEC) com investimento privado de US$ 70 mil, foi o maior exemplo deste momento, chegando rapidamente à segunda posição no mercado de computadores, atrás apenas da poderosa IBM. A partir da década de 1970, as startups começam a chamar a atenção do mundo. Atari, Microsoft, Apple, Oracle foram criadas nesta década. Lotus, Compaq, Dell, Adobe, America Online surgiram na década seguinte. Na década de 1990, tivemos a primeira grande bolha das startups. Algumas não apenas sobreviveram, como lideram seus setores agora como Amazon, Google, Netflix, Salesforce.
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Mas a virada do século foi marcada pela consolidação das startups não apenas como forma de criação de novos negócios de rápido crescimento como Facebook, Uber, Airbnb, Waze; mas também como novas lógicas de gestão de empresas. Minimum Viable Product (MVP), squads, sprints, Objectives Key Results (OKR), típicas de startups começaram a ganhar espaço nas corporações de maior porte.
Em um momento em que há grandes reflexões sobre o futuro das corporações e dos empregos em função de novas dinâmicas como a Quarta Revolução Industrial, há uma grande expectativa por parte dos que atuam com empreendedorismo e inovação com o que vem sendo chamado de Marco Legal das Startups (Projeto de Lei Complementar 146/2019).
Para discutir este assunto, preciso voltar às aulas de Filosofia do Direito do professor Alaôr Caffé da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Lembro como se fosse hoje da aula sobre os filósofos pré-socráticos. Conseguia visualizar nitidamente dois eminentes gregos se matando em um ringue epistemológico. De um lado, ele, o agressivo Parmênides de Eléia, que enxergava que o ser só existia em função no não ser. Que não é o que não pode ser, que não é! Do outro, ele, sempre zen, Heráclito de Éfeso, que defendia que a única constante no mundo era a mudança. Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo.
Quem discute o Marco Legal das Startups também entra neste ringue. Na definição de startups, muitos se concentram apenas na questão da “escalabilidade”, ou seja, um negócio que cresce muito mais rápido do que sua concomitante necessidade de investimento. Mas isso é ex-post.
Muitos citam a DEC como uma das primeiras startups pois ela escalou rápido. Mas só um investidor tinha acreditado na empresa. Investir no AirBnB depois que virou uma gigante é fácil. Mas e quando eram apenas dois designers sem dinheiro para pagar o aluguel com um site chamado AirBedandBreakfast? Por essa razão, definições ex-ante de startup tendem a ser mais úteis porque aposta-se no potencial. E este é o primeiro desafio do Marco Legal das Startups.
Nesse contexto e na minha modesta opinião, a definição que melhor representa este fenômeno é justamente a mais utilizada e foi definida pelo professor Steve Blank da Universidade de Stanford e também de Berkeley: “Startup é uma organização temporária em busca de um modelo de negócio escalável, recorrente e lucrativo”. Como temporária, diria Parmênides, a startup deixa de sê-la ao encontrar seu modelo de negócio escalável, recorrente e lucrativo. A partir deste momento, se continua crescendo exponencialmente, torna-se tecnicamente uma scale-up.
Porém, enquanto busca esse modelo, diria Heráclito, ela será uma startup pois, neste caso, a única coisa constante nesta organização temporária é a mudança.
<blockquote class="jota-article__eye">Pela sua natureza inovadora, a única certeza dos empreendedores é incerteza. E incerteza pode persistir mesmo quando se encontra o tal modelo de negócio.</blockquote>
“Modelo de negócio é gerúndio...”, diz Thomaz Srougi, co-fundador do Dr. Consulta, rede de clínicas populares, que teve que mudar o modelo de negócio da companhia em pelo menos três ocasiões. Gympass, neste momento, está buscando seu quinto modelo de negócio. Por isso, a grande vantagem da startup não é a inovação ou mesmo seu potencial de crescimento, mas sua agilidade diante dos aprendizados com as incertezas para daí, sim, inovar e crescer. E talvez seja essa a grande contribuição do Marco Legal das Startups.
Mas como transformar em legislação conceitos tão contextuais (Parmênides) e dinâmicos (Heráclito) como startup, inovação ou modelo de negócio? E como incentivar que a tal almejada agilidade e escalabilidade de novos negócios ocorra com maior frequência e sustentabilidade como já observado em países como Israel e agora China?
No texto-base do Marco Legal das Startups aprovado pela Câmara, as startups são definidas como as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados com um dos seguintes requisitos: (auto)declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços ou enquadramento no regime especial Inova Simples e neste caso, startup é a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva. 
No Marco Legal das Startups, critérios de faturamento bruto anual máximo (R$ 16 milhões) e tempo de vida (até 10 anos) também devem ser observados. Esse desafio já foi discutido no passado com políticas de incentivo à criação de Empresas (Emergentes ou Nascentes) de Base Tecnológicas (quando o termo startup não estava em voga), por exemplo, e optou-se por critérios como número de pesquisadores, investimento em pesquisa e desenvolvimento e indicadores de propriedade intelectual. Equacionada a definição e comprovação de que um negócio é (não) uma startup, o Marco Legal pode trazer avanços que podem elevar radicalmente o patamar do empreendedorismo inovador brasileiro.
Do ponto de vista burocrático para o empreendedor de negócios inovadores, o Marco Legal das Startups, associados ao regime Inova Simples, deve trazer maior agilidade na abertura, alteração e fechamento de empresas. A ideia do Marco é também criar o que vem sendo chamado de sandbox regulatório, apontando situações excepcionais de autorização temporária, permitindo novamente, maior agilidade para desenvolvimento de modelos de negócios e/ou validação de técnicas ou tecnologias experimentais. O texto-base também incluiu a questão do stock option, que por sua vez, pode agilizar a atração de novos talentos à startup que, dependendo do desempenho, poderão se tornarão futuros sócios.
Um destaque importante é o acesso a investidores privados, especialmente, a classe de pessoas físicas que investem em startups, conhecida por investimento anjo. É de interesse dos patrocinadores do Marco Legal das Startups oferecer segurança jurídica e também tributária para que o investidor anjo limite suas perdas ao volume financeiro total que investiu no negócio. Desta forma, espera-se que milhares de executivos se tornem investidores-anjo, aportando não apenas dinheiro, mas conhecimento e rede de contatos em negócios nascentes. Diversas redes como a Anjos do Brasil já estão preparadas para agilizar este tipo de investimento.
Outra alteração relevante é possibilidade das empresas que devem investir compulsoriamente em pesquisa, desenvolvimento e inovação, terem a possibilidade de utilizar parte do recurso em aportes em fundos de investimento voltados à inovação, capital semente e empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação ou em investimento em programas, editais ou concursos voltados à financiamento, aceleração e escalabilidade de startups, desde que, gerenciados por algumas organizações definidas no Marco Legal. Isso já era uma tendência observada nas Leis de Informática, mas que agora podem abranger outras situações. Isso pode dar mais segurança jurídica e, mais uma vez, agilidade para o investimento compulsório da empresa, além de ampliar sua carteira de projetos de empreendedorismo inovador.
Por fim, outro aspecto crítico de agilidade é a abertura para que entidades da administração pública possam pilotar iniciativas de inovação aberta, algo já comum em diversas corporações privadas no Brasil e depois, em serem mais ágeis na contratação da solução inovadora. Desta forma, será possível rodar Provas de Conceito (PoC) ou realizar experimentos de Produto Mínimo Viável (MVP) em parceria com startups, criando condições para acelerar a inovação governamental ao testar conceitos para depois tomar-se a decisão de expandir para toda a base.
O Marco Legal das Startups não apenas pode contribuir para a criação e desenvolvimento de novos negócios inovadores com maior potencial de escala, mas também na forma mais ágil de como isso pode ser feito. Afinal, inovação que atrasa não adianta!
Ah, sim, tem mais uma coisa. Por querer ser o Marco Legal das Startups, essa legislação deveria também utilizar os métodos de desenvolvimento deste tipo de negócio que pressupõe validação contínua de hipóteses, inclusive já mencionadas no próprio Art. 3º, quando lista seus princípios e diretrizes, e passar periodicamente por ajustes ou pivotagens (termo empreendedor) para deixar de ser uma startup e se tornar uma legislação scale-up per se.
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O episódio 47 do podcast Sem Precedentes analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes do Congresso. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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Inovação; direito

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JOTA

Outra perspectiva para o texto-base aprovado na Câmara que pode agilizar a inovação no Brasil na década de 2020.

Marco Legal das Startups: não é sobre inovação, é sobre agilidade

Outra perspectiva para o texto-base aprovado na Câmara que pode agilizar a inovação no Brasil na década de 2020.