Marcelo Nakagawa

Com a sanção presidencial no dia primeiro de junho, a Lei Complementar 182/2021, que passou a ser conhecida como Marco Legal das Startups, vai para o Go Live, jargão empreendedor para o lançamento de uma nova solução para os consumidores. As primeiras reações dos especialistas de empreendedorismo apontaram muitas decepções por aquilo que não ficou no texto final como questões tributárias para os investidores-anjo ou trabalhistas para os empreendedores.
Mas quem já atuou com a elaboração de legislação sabe como é complexo integrar em texto diversos interesses que consigam, no final, promover eficazmente políticas públicas para o desenvolvimento da sociedade. A redação aprovada é um bom exemplo deste desafio pois traz brechas, começando pela própria caracterização do que é uma startup por autodeclaração. Isto cria espaço para discussão, por exemplo, se uma loja que vende café pode ser uma startup ou não. No final de 2020, a Monashees, uma das mais exitosas e reconhecidas firmas de venture capital do Brasil investiu R$ 28 milhões na The Coffee, uma rede inovadora de cafeterias. Neste caso específico, a The Coffee provavelmente estaria enquadrada no Art.4º da lei sancionada que define startups como “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.
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Por outro lado, por mais que haja diversos aspectos não incluídos e lacunas para discussões, quem está mais habituado com a dinâmica das startups reconhece a importância das versões beta, das prototipagens e pivotagens. Desta forma, o Marco Legal das Startups não deveria sofrer do mal das casas de ferreiros e ser uma legislação que tivesse constantes deployments (versionamentos de ajustes feitos em um software já em uso pelo cliente final).
Neste contexto e dinâmica, o Marco Legal traz ótimos avanços que precisam ser estudados e aplicados, começando por quem pensa em empreender uma startup. Já nos dispositivos finais, o texto determina a criação do Inova Simples. Este novo regramento permite que novos empreendedores testem conceitos inovadores de forma rápida e menos burocrática, inclusive para fechar a iniciativa de forma imediata se assim for necessário. Isto se alinha a uma das definições mais utilizadas para startups como sendo “iniciativas temporárias em busca de um modelo de negócio escalável, estável e lucrativo” estabelecida por Steve Blank, professor de Stanford e Berkeley e cria condições jurídicas para aplicação do conceito de Customer Development também criada por Blank.
No Customer Development, a primeira etapa da criação de uma startup é a “Descoberta do Cliente”, especialmente do que é chamado de “Problem-Solution Fit”. Pela sua natureza inovadora, não raro, os empreendedores de startups não têm evidências de quem são seus verdadeiros clientes e quais são suas reais necessidades e dores. A etapa seguinte é a fase da “Validação do Cliente” e do “Product-Market Fit” e “Business Model Fit”. Aqui é preciso buscar evidências se o tamanho do mercado é atrativo para a experiência da solução validada previamente com o cliente e qual seria o modelo de negócio mais escalável, estável e lucrativo. Nestas duas fases, segundo Steve Blank, a iniciativa ainda não é uma empresa formal, mas uma startup. Após o “Business Model Fit”, aí sim, a startup se torna um negócio e se continuar crescendo torna-se uma scale-up.
Durante estas fases iniciais que compõem o Customer Development é comum os empreendedores precisarem de investidores e nesta questão, o Marco Legal também acerta ao criar mais segurança jurídica para o maior receio do investidor-anjo, que normalmente entra neste momento inicial das startups. Mais do que perder o valor investido em uma startup, algo que faz parte da regra desta modalidade de investimento, o investidor-anjo sempre teme em ter um prejuízo ainda maior ao ser acionado para responder conjuntamente com os empreendedores por outras obrigações em caso de insucesso da empresa. O Marco Legal das Startups estabelece que o investidor não responderá por qualquer dívida da empresa. Este esclarecimento tende a aumentar o número e volume de investidores e investimento-anjo no Brasil.
Além dos investidores-anjo, as fontes de recursos para startups ainda podem ser ampliadas pelo texto do Art. 9º da lei sancionada já que permite que “empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, ficam autorizadas a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups”.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, empresas de setores como petróleo e gás, telecomunicações, energia terão maior amplitude de investimento em inovação por meio de startups. Isto já vinha sendo feito de forma experimental por organizações como Petrobrás, Enel ou Telefónica, mas agora haverá maior segurança jurídica para que isso não só ocorra como também se amplie.</blockquote>
De todos os beneficiados pelo Marco Legal das Startups, em boa hora, o setor que talvez possa fazer melhor proveito seja o governamental. O texto sancionado institucionaliza a Inovação Aberta nas instituições governamentais, prática cada vez mais comum entre as grandes corporações privadas. Há muito tempo as organizações privadas perceberam que as inovações precisam ser colaborativas, centradas no cliente e, acima de tudo, ágeis. Para que isto ocorresse passaram a desenvolver práticas de colaboração com, entre outros elos, startups. Neste aspecto, o texto do Marco Legal das Startups permitiu a criação de ambientes regulatórios experimentais (sandbox regulatório). A lógica da caixa de areia é justamente “brincar sem se machucar”. Assim como está acontecendo com o sandbox criado pelo Banco Central do Brasil e as inúmeras fintechs criadas desde então, outros órgãos e entidades da administração pública poderão experimentar e incentivar inovações em seus setores, permitindo assim, a criação e a validação de novas soluções tanto para o governo como para a sociedade.
Além de incentivar a criação de novas startups pelos sandboxes regulatórios, o Marco Legal das Startups também cria espaço para que as organizações governamentais lancem integradoras de startups como o Bradesco vem fazendo desde 2016 com seu programa Inovabra, replicado por diversas outras grandes corporações desde então. Nesta abordagem, a instituição define seus desafios organizacionais para que startups apresentem soluções inovadoras. Em caso de interesse mútuo, é conduzido uma Prova de Conceito (PoC) para que, em alguns meses, demonstre-se a eficácia da solução. Em caso positivo, a solução da startup é integrada às operações da corporação. O texto sancionado permite que entidades governamentais realizem programas de inovação aberta e contratação de startups nos mesmos moldes das principais corporações mundiais, criando condições para inovações mais disruptivas, mais rápidas, mais eficazes e, quase sempre, mais baratas se comparada ao desenvolvimento interno ou oferecido por um grande fornecedor. Para quem pensa em empreender, o Marco Legal das Startups tende a criar uma onda de govtechs, startups especializadas em eficiência governamental. E todos ganhamos com isso!
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JOTA

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