Mariana Saragoça

Julia Barker

Dentre os conjuntos de serviços de saneamento básico, pouco se trata da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, os quais sofreram consideráveis avanços com a publicação no novo Marco do Saneamento Básico (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm">Lei 14.026/2020</a>). A redação trazida pela nova lei conceitua os serviços como sendo aquelas atividades e infraestruturas operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana.
Em linha com o disposto no novo marco para os demais serviços, a titularidade é atribuída aos municípios e ao Distrito Federal, nos casos de interesse local, e ao estado, em conjunto com os municípios que compartilham instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Ainda, a titularidade também pode ocorrer por meio de gestão associada (consórcio público ou convênio de cooperação), bastante utilizada nas atuais modelagens de resíduos sólidos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Um dos grandes avanços promovidos pelo novo Marco do Saneamento Básico está nas diretrizes para garantir a sustentabilidade econômico-financeira do sistema, mediante a cobrança de tarifas, taxas e outros preços públicos, por meio da fatura de consumo de outros serviços públicos ou junto ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a depender do regime de prestação dos serviços e das atividades efetivamente prestadas.
Atualmente, são poucos os modelos existentes de cobrança pela prestação dos serviços (e.g. Teresina, Balneário Camboriú, Distrito Federal e Curitiba). Em outras palavras, a Lei 14.026/2020 determina a cobrança como obrigação do ente titular, não mais como uma mera faculdade. Dessa forma, o titular dos serviços que não realizar a cobrança pela prestação dos serviços estará sujeito à aplicação de sanções.
Em movimento acertado, o Ministério da Economia vem desenvolvendo estudos com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o financiamento de projetos, incluindo a utilização de mecanismos pouquíssimo explorados no setor, como as debêntures incentivadas de infraestrutura (conforme <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12431.htm">Lei 12.431/2011</a>) e green bonds ou social bonds – surfando a onda ESG.
Em junho de 2021, o Ministério do Desenvolvimento Regional autorizou, pela primeira vez, a utilização de debêntures incentivadas no financiamento de obras referentes ao manejo de resíduos sólidos urbanos. A operação com captação autorizada de até R$ 450 milhões, nos termos da Portaria nº 1.051/2021, tem como finalidade a ampliação do Centro de Tratamento de Resíduos Rio, envolvendo a ampliação do aterro sanitário, implantação de nova estação de tratamento de chorume e uma unidade de geração de energia e biogás com capacidade de 2,8 MW. Mais recentemente, em outubro deste ano, foi autorizada a captação de R$ 251 milhões, por meio de debêntures incentivadas, para obras de adequação e ampliação das Centrais de Tratamento de Resíduos (CTR) Barra Mansa, Nova Iguaçu e Alcântara, localizadas no estado do Rio de Janeiro.
A expectativa é que, com a publicação do Decreto nº 10.387/2020, que amplia o rol de projetos considerados prioritários para fins de captação incentivada, incluindo projeto de saneamento básico, novos players lancem mão desse instrumento.
Assim, para que o setor se torne atrativo aos investidores, faz-se necessário o estímulo à economia circular com a potencial regulamentação dos créditos de carbono, incentivando a valorização energética dos resíduos sólidos.
Em linha com as arrojadas metas de universalização no âmbito dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, apesar da ampliação do prazo para disposição final ambientalmente adequada de resíduos, que pode protelar o encerramento da disposição final de rejeitos, o novo marco criou sistemática de transição para os municípios que tenham elaborado, até dezembro de 2020, plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos (PGIRS), condicionada à criação de mecanismos de cobrança que garantam a sustentabilidade econômico-financeira até julho de 2021 <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">De forma geral, em um breve balanço do novo Marco do Saneamento, é possível atestar que as alterações garantem o estímulo à cobrança pelos serviços prestados e à criação de consórcios públicos intermunicipais, mas resta saber se tais alterações serão suficientes.</blockquote>
Um desafio ainda latente está intrinsecamente relacionado ao fato de que quase 87% dos municípios brasileiros possuem população inferior a 50 mil habitantes, o que pode apresentar consequências para a atratividade de parceiros privados, em decorrência da baixa produção de resíduos, dificuldades de agrupamento, contratos de curto prazo, bem como a ausência de sustentabilidade econômico-financeira. A consequência direta se perfaz na dificuldade de modelagens atraentes.
Atualmente, existem 49 concessões de resíduos sólidos no país (sendo 32 PPPs, 16 concessões comuns e uma concessão de uso), que somadas demonstram um investimento privado no montante de R$ 1,15 bilhão. Apesar da realização de diversos estudos, poucos contratos chegam a ser celebrados – a título de exemplo, em 2020, de 78 iniciativas, somente 9 foram convertidas em contratos celebrados. De outra perspectiva, das 304 iniciativas de concessão ou PPP, entre os anos 2002 e 2020, foram apenas 49 contratos assinados. Quais fatores têm dificultado a conclusão dos processos e assinatura de contrato?
Os principais gargalos estão relacionados não só à ausência de corpo técnico qualificado e aspectos de governança nos consórcios públicos municipais, mas sobretudo na falta de estruturas de garantias formalmente adequadas aos projetos. Nesse sentido, a vinculação de recursos oriundos da arrecadação pela prestação dos serviços nos parece a sistemática ideal para reduzir as percepções de risco (em especial, o político-institucional) e atrair o interesse privado para os projetos de concessão e PPPs.
É preciso que os gestores públicos e investidores sigam lançando mão de um olhar mais atento para o que comumente chamamos de “lixo” e não atribuímos o devido valor.
A destinação final ambientalmente adequada, ao incluir a reutilização, reciclagem, compostagem e o aproveitamento energético, concede prerrogativa às concessionárias para além dos aterros sanitários: sistemas de captura e aproveitamento/produção de biogás, água desmineralizada, créditos de carbono, beneficiamento de resíduos, energia elétrica e recuperação energética (waste-to-energy). Enxergar os resíduos sólidos como ativos econômicos pode ser a chave para o sucesso do setor, garantindo externalidades positivas que serão sentidas diretamente pela população.
Para que a conjuntura atual avance a passos largos é preciso evoluir na maturação do setor, por meio da implementação dos mecanismos de cobrança aliados à estruturação de blocos regionais sustentáveis, incorporação de boas práticas internacionais, constituição de financiamentos de fontes variadas e um ambiente regulatório calcado na segurança jurídica.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nos termos do artigo 54 da Lei 12.305/2010 (PNRS), conforme alterada pela Lei 14.026/2020: [...] I - até 2 de agosto de 2021, para capitais de Estados e Municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais; II - até 2 de agosto de 2022, para Municípios com população superiora 100.000 habitantes no Censo 2010 , bem como para Municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 quilômetros da fronteira com países limítrofes; III- até 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50.000 e 100.000 habitantes no Censo 2010;e IV- até 2 de agosto de 2024, para municípios com população inferior a 50.000 habitantes no Censo 2010.

Saneamento

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JOTA

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