Humberto Chiesi Filho

Muito se fala sobre as plataformas digitais – funcionalidades que nos permitem interagir socialmente, publicar vídeos, fazer compras e vendas online, ler e assistir conteúdo, entre inúmeras outras atividades. 
Estas plataformas processam uma quantidade gigantesca de conteúdo em sua estrutura e não realizam uma curadoria, caso a caso, daquilo que os usuários publicam em suas páginas na internet ou aplicativos para celulares, até porque isso seria tecnicamente inviável diante do universo de postagens, anúncios e outros conteúdos criados e compartilhados diariamente. No caso do Mercado Livre, são mais de 116 mil postagens novas ou editadas por hora. 
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a>, a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm">Lei 12.965/2014</a>, é o principal instrumento destinado a regular o uso da internet no país, estabelecendo direitos, deveres e garantias no meio digital. Mesmo com a lei, ainda existe uma distinção conceitual para compreender a responsabilidade das empresas que prestam esses serviços e que variam de acordo com a atividade específica exercida. 
Mas qual a responsabilidade das plataformas e criadores de conteúdo em relação a toda informação gerada por terceiros?  
Mesmo com regime do artigo 19 do Marco Civil da Internet indicando que a plataforma somente poderá ser responsabilizada civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros caso descumpra ordem judicial específica que determine a exclusão de conteúdo infringente, a banalização de conteúdos e o impacto causado nos usuários continua sendo um tema de relevante importância, mesmo com publicações e postagens que fiquem poucas horas ou minutos na rede. 
Em termos práticos, os conteúdos infringentes, quando identificados, são efetivamente retirados do ar, entretanto, a plataforma não é legalmente responsável por danos causados quando um conteúdo inadequado é publicado. Para a opinião pública muitas vezes a plataforma é considerada responsável por “permitir” este tipo de postagem, mas esta não é a regra legal vigente no país e tampouco a melhor solução para o problema. 
Quando o Marco Civil da Internet entrou em vigor, muitos se preocuparam legitimamente com um possível aumento na quantidade de ações judiciais em decorrência da responsabilização civil dos provedores de aplicações somente ocorrer quando descumprida uma ordem judicial específica para a retirada de um conteúdo. Realmente a extrema judicialização dos conflitos é um ponto sensível no Brasil, o país no qual o Poder Judiciário custou mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos em 2020, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 
Porém, não temos o que temer! Mesmo com este regime de responsabilidade civil as grandes plataformas, além de cumprir as ordens judiciais recebidas, retiram conteúdos infringentes mediante denúncias e trabalho proativo com base em seus termos e condições de uso. As ferramentas e procedimentos utilizados pelas plataformas digitais (provedores de aplicações) são efetivos e representam a via primária para solução de problemas dessa natureza, de forma extrajudicial e proativa. 
Os grandes provedores de aplicações globais publicam relatórios de transparência, nos quais é possível notar que a quantidade de baixas de conteúdo é extremamente grande. Considerando dados do segundo semestre de 2022, o Mercado Livre retirou do ar, sem a necessidade de ordem judicial, mais de 2,3 milhões de publicações que violaram seus termos e condições de uso – 98,43% dessas postagens foram retiradas de maneira proativa por meio de identificação realizada por sua equipe interna e seus sistemas automatizados. O restante (menos de 2%) decorreu de denúncias de usuários e autoridades, pelo botão de denúncias que existe em todos os anúncios na plataforma, bem como por convênios de colaboração mantidos com autoridades.  
O temor inicial de judicialização exacerbada se revelou desnecessário, tendo em vista que o efeito do Marco Civil da Internet, especialmente em razão do previsto em seu artigo 19, na verdade foi em sentido oposto, gerando a redução de controvérsias judicializadas. Importante notar que em relação ao período anterior, o Mercado Livre já notou a diminuição em 63% de postagens que infringem as regras.  
Os provedores continuam respondendo judicialmente por danos, mas atualmente dentro dos limites de suas condutas e suas capacidades técnicas. As demandas foram proporcionalmente reduzidas, mas seguem existindo, de tal modo que o acesso ao Judiciário para que se busque a tutela contra atos irregulares é preservado dentro de um sistema equilibrado. 
A não transferência da responsabilidade primária ao provedor de aplicações também serve como medida preventiva para que os criadores dos conteúdos irregulares não se sintam livres e impunes. Ao contrário, cria incentivos para que aqueles que se sintam lesados adotem medidas contra os reais ofensores e responsáveis pelo conteúdo publicado.

artigo 19 marco civil

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JOTA

Temor inicial de judicialização exacerbada se revelou desnecessário

Marco Civil da Internet: não há o que temer

Temor inicial de judicialização exacerbada com o Marco Civil da Internet se revelou desnecessário