Rodrigo de Macedo Soares

Com a proximidade da temporada de Assembleias gerais ordinárias para aprovação das contas e eleição dos administradores, crescem as consultas acerca dos mecanismos de voto múltiplo e votação em separado.
A recorrente confusão entre os dois institutos é compreensível, uma vez que os dispositivos legais não são de fácil interpretação. Ainda por cima, não raro decisões acerca do tema acabam mais por confundir do que por esclarecer o assunto. 
Resumidamente, ambos são mecanismos de defesa dos acionistas minoritários que têm por objetivo assegurar a maior representatividade dos acionistas minoritários no Conselho de Administração da companhia. 
Voto Múltiplo 
O sistema de voto múltiplo se aplica exclusivamente aos acionistas detentores de ações ordinárias, ou seja, ações com direito a voto. É garantido a qualquer acionista detentor de pelo menos 10% das ações ordinárias da companhia requerer a adoção do sistema de voto múltiplo para eleição dos membros do Conselho de Administração.
Tal solicitação deve ser feita por escrito, com pelo menos 48 (quarenta e oito) horas de antecedência.
Pelo sistema de voto múltiplo, será atribuída a cada ação tantos votos quantos forem os assentos no Conselho de Administração, podendo cada acionista cumular todos os seus votos em um único membro. 
O número de votos necessários para a eleição de cada membro é obtido pela seguinte fórmula:
v = C*a/C+1  + 1- ar;  onde
v = número de votos necessários para eleger um membro do conselho 
c = número de membros do conselho 
a = número de ações dos acionistas presentes à Assembleia 
ar = arredondamento (fração a ser eliminada)
Para ilustrar a fórmula acima, imaginemos uma companhia com 1.200 ações ordinárias, distribuídas da seguinte forma: Acionista A – 620 ações, Acionista B – 350 ações e Acionista C – 230 ações, temos o seguinte cenário: 
v = 1200.5/5 + 1  + 1- ar
v = 1.001
Acionista A tem 3.100 votos (620 x 5) e, portanto, elege 3 membros 
Acionista B tem 1.750 votos (350 * 5) e, portanto, elege 1 membro 
Acionista C tem 1.150 votos (230 * 5) e, portanto, elege 1 membro
Assim, em um cenário em que, pelo processo de chapa, o acionista controlador elegeria os 5 (cinco) membros e os demais acionistas nenhum membro, o sistema de voto múltiplo tende a garantir aos acionistas minoritários muito mais chances de elegerem pelo menos um membro, especialmente se unirem forças.
O sistema de voto múltiplo pode ser adotado em qualquer sociedade por ações, independentemente de possuir acionista controlador.
Voto em Separado
Por sua vez, o sistema de votação em separado é exclusivo das companhias abertas que possuem um acionista controlador.
Esse sistema independe de pedido antecipado, podendo ser requerido na própria Assembleia. Contudo, a posição acionária a ser considerada para cômputo dos votos e do quórum deverá ser a posição de 90 (noventa) dias anteriores à data da Assembleia.
O sistema de votação em separado, diferentemente do voto múltiplo, não é exclusivo apenas dos acionistas detentores de ações com direito a voto, podendo ser uma prerrogativa dos acionistas preferencialistas e/ou ordinaristas. 
De acordo com a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), tem direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do Conselho de Administração, em votação em separado na Assembleia geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente:
I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e 
II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o artigo 18.
Os critérios acima são bastante objetivos. A única restrição é que, eventuais ações ordinárias que já tenham sido “usadas” para votação pelo sistema de voto múltiplo não poderão ser utilizadas novamente para votação em separado. 
Caso nenhum dos quóruns acima seja atingido, a Lei confere ainda aos acionistas detentores de ações preferenciais e ações ordinárias a possibilidade de unirem forças, permitindo que acionistas detentores de pelo menos 10% do capital social da empresa possam eleger em separado um membro para o Conselho de Administração.
Importante notar que no caso do inciso I, acima, o quórum de 15% refere-se ao total das ações com direito a voto, sendo que no caso do inciso II, o quórum de 10% refere-se a todo o capital votante da companhia e não somente em relação ao total das ações preferenciais. 
Nesse ponto vale lembrar que o número de ações preferenciais não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas nas companhias constituídas a partir de outubro de 2001; estando limitado a, no máximo, 2/3 (dois terços) do capital social nas companhias constituídas antes da Lei nº 10.303/2001.
Voto Múltiplo e Voto em Separado
Quando analisados individualmente, os institutos do voto múltiplo e da votação em separado não parecem tão complexos. As principais dúvidas começam a surgir quando da aplicação de ambos os institutos em uma mesma Assembleia. 
A primeira dúvida que surge é, no caso de aplicação de ambos, qual dos sistemas deverá ser utilizado primeiro?
Até mesmo o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pecou ao não fornecer de maneira detalhada e clara um guidance ao mercado quando foi consultada pela Ultrapar, em 2002 (CVM Reg. nº 3649/02): 
“Procedimentalmente, a votação de que trata o § 4º do artigo 141 deveria ocorrer antes que se dê o início à votação pelo voto múltiplo. Os acionistas que optarem pela votação em separado não participarão no voto múltiplo com as ações que tiverem utilizado no processo de votação em separado, de forma a evitar que as ações votem duas vezes. Após a realização dessa votação em separado é que apurar-se-á, definitivamente, o coeficiente para fins do procedimento de voto múltiplo.”
Acertadamente, o Relator concluiu que os acionistas que fizerem uso de suas ações em um dos sistemas, não poderá utilizar estas mesmas ações na eleição pelo outro sistema. Porém ao sugerir que a votação em separado ocorra antes da votação pelo sistema de voto múltiplo, outras inúmeras dúvidas (desnecessárias se a ordem fosse inversa) acabam por surgir.
Não raro, antes do início da votação por qualquer dos sistemas, os acionistas definem o número de membros do Conselho de Administração, sempre respeitado os números mínimos e máximos determinados pelo Estatuto Social da companhia. 
Assim, se definido que o Conselho de Administração será composto por 5 (cinco) membros, o que ocorre se os acionistas preferencialistas elegerem um membro pelo sistema de votação em separado? Restariam somente 4 (quatro) vagas? E se um dos acionistas ordinaristas também eleger um membro pelo sistema de votação em separado, restariam somente 3 (três) vagas? 
Obviamente, quanto menor o número de assentos, menores as chances dos minoritários em elegerem um membro pelo sistema de voto múltiplo. E tendo estes mecanismos o objetivo de assegurar maior representatividade dos minoritários, parece claro que os membros eleitos pelo sistema de votação em separado, como o próprio nome sugere, são eleitos “separadamente”, e, portanto, não interferem no cômputo do número de assentos a serem preenchidos pela eleição ordinária.
Contudo, se realizada primeiramente a eleição pelo sistema de voto múltiplo, essa discussão ou dúvida, sequer chega a existir. 
Procedimentos a serem seguidos na Assembleia
Assim, primeiramente, devem os acionistas definir o número de assentos do Conselho de Administração. Em seguida, deverá a mesa passar à eleição ordinária por chapa ou por voto múltiplo, caso tenha sido requerida a adoção desse sistema por algum acionista (observado o número de ações necessárias para tanto e o prazo mínimo de antecedência de 48 (quarenta e oito) horas).
Tendo sido solicitada a adoção do voto múltiplo, a mesa deverá calcular o número de votos necessários para eleição de um membro, conforme a fórmula acima, sempre computadas somente as ações dos acionistas presentes à Assembleia, excluídas as ações preferenciais, bem como as ações ordinárias em tesouraria.
Caso um acionista ou grupo de acionistas detentores de ações ordinárias prefira o sistema do voto em separado, deverá dirigir-se à mesa e manifestar sua intenção de votar em separado, devendo a mesa excluir aquelas ações do cômputo das ações totais para fins de cálculo do voto múltiplo, uma vez que, repita-se, o cálculo do voto múltiplo deve considerar somente o número total de ações ordinárias dos acionistas presentes à Assembleia, excluídas as ações em tesouraria. 
Informado o número de votos necessários pela mesa, passa-se à votação para eleição dos 5 (cinco) membros (primeiro sufrágio).
Em caso de empate, procede-se a nova votação pelo mesmo processo, já agora visando somente ao preenchimento dos cargos restantes e consideradas somente as ações não utilizadas. Acionistas que tenham “saldo” de ações, poderão utilizar seu saldo para essa nova eleição.
Encerrada a eleição pelo sistema ordinário, passa-se à votação pelo sistema de votação em separado.
Têm preferência os acionistas que, nos termos do artigo 18 da Lei das Sociedades Anônimas, tenham direito à eleição de um ou mais membros no Conselho de Administração (segundo sufrágio).
Em seguida, devem votar em separado os minoritários com voto (com ações que não tenham sido usadas no primeiro sufrágio), sem a participação do acionista controlador (terceiro sufrágio). 
Ato seguinte, devem votar em separado os preferenciais sem voto para eleição de mais outro membro do conselho (quarto sufrágio). Esse outro membro adicional do conselho será eleito se obtiver a maioria simples em votação da qual participem titulares de ações representando pelo menos 10% do capital social da companhia, não computados os votos em branco. O acionista controlador não poderá participar desse sufrágio, ainda que seja também titular de ações preferenciais sem direito a voto. Devem ser excluídas desse sufrágio as ações preferenciais que tiverem participado do segundo sufrágio.
Caso não tenham sido eleitos conselheiros nos terceiro e quarto sufrágios por falta do “quorum” exigido em cada caso; no quinto sufrágio devem votar em conjunto os participantes do terceiro e quarto sufrágios para eleição de um conselheiro adicional por maioria de votos, desde que seja atingido o “quorum” mínimo de 10% do capital social, não computados os votos em branco. Ainda que a letra da lei fale em combinação de votos dos acionistas detentores de ações preferenciais e de ações ordinárias, no passado, a CVM aceitou a eleição de um membro exclusivamente por acionistas detentores de ações ordinárias em percentual de 10% do capital social (caso Zain Participações, Processo Administrativo Nº RJ 2005/5664). 
Por fim, caso (i) no primeiro sufrágio tenha sido adotado o processo de voto múltiplo; (ii) tenham sido eleitos conselheiros no terceiro e quarto sufrágios; e (iii) o acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de votos tenha encerrado os sufrágios com um número igual ou menor de conselheiros que os demais acionistas, será permitido um sexto (e último) sufrágio para que o acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de votos possa eleger tantos conselheiros quantos forem necessários para que, ao final de todo o processo, tenha eleito um número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas mais um, ou seja, a maioria do conselho de administração.
Não importa que o Estatuto Social preveja um número máximo de conselheiros menor que o número final. Ainda que o Estatuto preveja, por exemplo um número máximo de 5 (cinco) membros, e tenham sido eleitos 3 membros por acionistas minoritários, será permitido ao acionista controlador a eleição de 2 (dois) membros adicionais de modo que, ao final, o acionista controlador detenha 4 (quatro) assentos e os demais acionistas 3 (três) assentos.
Observações Finais
Finalmente, faz-se duas breves críticas ao sistema atual. Muito embora a adoção do sistema de voto múltiplo pressuponha a necessidade de preparação prévia pela companhia para computo dos votos, consideramos prejudicial a necessidade de aviso prévio; dado ser antecipada a estratégia de um acionista, possibilitando alianças e contra defesas. Seria mais salutar que o voto múltiplo pudesse ser requerido na própria Assembleia, tal e qual a votação em separado.
Além disso, o processo de votação em separado deveria ser exclusivo de companhias com ações preferenciais; já que em companhias que possuem somente ações ordinárias, é possível que um acionista com somente 10% do capital social consiga eleger um membro por votação em separado, enquanto outro acionista com 15%, por exemplo, que tenha solicitado o voto múltiplo não consiga eleger nenhum.

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JOTA

Esclarecimentos sobre o procedimento para eleição de membros do Conselho de Administração

Manual do voto múltiplo e do voto em separado

Esclarecimentos sobre o procedimento para eleição de membros do Conselho de Administração