Nelson Mannrich

Alessandra Barichello Boskovic

A legislação do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, classifica os motoristas de aplicativos como trabalhadores autônomos (independentcontractors). O projeto de lei, que ficou conhecido como Proposition 22, foi aprovado e incorporado ao Código de Negócios e Profissões (Business andProfessionsCode<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>) em 3 de novembro de 2020, entrando em vigor em 16 de dezembro daquele mesmo ano. Com isso, o novo capítulo 10.5 (App-Based Drivers and Services – seções 7448 a 7467) passou a regulamentar especificamente o trabalho dos motoristas e prestadores de serviço via aplicativos.
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De acordo com a norma legal, os motoristas via aplicativos são trabalhadores autônomos, e não empregados ou agentes, se as seguintes condições forem atendidas:
(a) a empresa não prescrever unilateralmente datas e horários específicos ou um número mínimo de horas durante as quais o motorista deve estar conectado ao aplicativo ou plataforma; (b) a empresa não exigir que o motorista aceite qualquer solicitação de serviço como condição para manter seu acesso ao aplicativo ou plataforma; (c) a empresa não restringir a liberdade do motorista de prestar serviços semelhantes por meio de outros aplicativos, exceto durante o tempo de engajamento<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>; e (d) a empresa não restringir a possibilidade de o motorista trabalhar em qualquer outra ocupação ou negócio legal (Bus. &amp; Prof. Code, § 7451).
Mesmo sendo considerados autônomos, os motoristas têm garantida, por lei, uma remuneração mínima conforme o período de engajamento no aplicativo, chamada de “piso de ganhos líquidos” (net earningsfloor). Esse piso é composto por (a) saláriomínimo proporcional ao tempo de engajamento; e (b) compensação por distância percorrida, para custear despesas com o veículo.
Além disso, a empresa é proibida de reter, ainda que parcialmente, qualquer gratificação paga, dada ou deixada ao motorista por um cliente. Mesmo quando o cliente o fizer por meio de cartão de crédito, a empresa deve repassar o valor total da gratificação, sem deduções para fazer frente a quaisquer taxas ou custos de processamento que possam ser cobrados pela empresa de cartão de crédito. Outros benefíciosincluem concessão de subsídio de saúde e seguro contra acidentes pessoais.
A lei ainda impõe restrições à negociação coletiva, pois prevê que qualquer nova norma que venha a autorizar qualquer entidade ou organização a representar os interesses dos motoristas baseados em aplicativos em relação atemas como remuneração, benefícios ou condições de trabalho, constitui uma alteração deste capítulo e deve ser promulgadamediante aprovação em cada casa do Legislativo por sete oitavos dos membros.
Recentemente, a Lei de Motoristas e Serviços Baseados em Aplicativos(Bus. &amp; Prof. Code, §§ 7448 e seguintes)foi objeto de questionamento judicial. Os autores (Hector Castellanos, Joseph Delgado, SaoriOkawa, Michael Robinson, Service EmployeesInternational Union CaliforniaStateCouncil e Service EmployeesInternational Union) requereram ao Tribunal uma ordem judicial para que não se apliquem quaisquer disposições dessa norma, pois seria inconstitucional.
A alegada inconstitucionalidade – que, spoiler, foi acolhida pelo Tribunal – seria de natureza formal, não material. Isso porque, conforme constou da decisão, a Constituição da Califórnia confere ao Legislativo o "poder plenário, ilimitado por qualquer disposição desta Constituição, de criar e impor um sistema completo de compensação dos trabalhadores".
<blockquote class="jota-article__eye">Ao classificar os motoristas via aplicativo como trabalhadores autônomos, a lei teria infringido o poder do Legislativo de criar um sistema "completo" de remuneração a eles.</blockquote>
Além disso, a legislaçãoda Califórnia determina que processos legislativos de iniciativa popular – como é o caso da Proposition 22 – devem tratar apenas de um único assunto. Todavia, de acordo com o Tribunal, a norma em análise extrapolou o tema único ao restringir a negociação coletiva dos motoristas de aplicativos (seção 7465, (c)(4)).
De acordo com a própria lei (Bus. &amp; Prof. Code, §§ 7448 e 7449), seu propósito é proteger a liberdade de os californianos dirigirem seus carros com base em um contrato autônomo, garantindo a esses motoristas certos padrões mínimos de bem-estar e definindo padrões mínimos de proteção e segurança ao consumidor.
O Tribunal considerou que a proibição à negociação coletiva amotoristas baseados em aplicativos não promove o direito de trabalhar como um contratante autônomo, não protege a flexibilidade de trabalho, nem fornece segurança mínima no local de trabalho ou padrões de remuneração para aqueles trabalhadores. Seu objetivo seriaapenas  proteger interesses econômicos das empresas de aplicativos, cuja força de trabalho seria dividida e impedida desindicalizar-se, o que não é o objetivo declarado da legislação.
Diante disso, o Tribunal considerou a norma inconstitucional. A decisão provavelmente não afetará imediatamente a nova lei, pois certamente será objeto de recursos da Uber e de outras empresas da chamada gig-economy. Trata-se de mais um capítulo na persistente tensão envolvendo enquadramento jurídico dos motoristas e entregadores via aplicativos.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: https://leginfo.legislature.ca.gov/faces/codesTOCSelected.xhtml?tocCode=BPC&amp;tocTitle=+Business+and+Professions+Code+-+BPC
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> "Tempo engajado" significa o período de tempo, conforme registrado no aplicativo ou plataforma, a partir do momento em que um motorista aceita uma solicitação de carona ou entrega até quandoessa solicitação é concluída (Bus. &amp; Prof. Code, § 7463 (j) (1)).

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JOTA

Decisão considera inconstitucional a Lei de Motoristas e Serviços Baseados em Aplicativos

Mais um capítulo sobre trabalho por aplicativo na Califórnia

Decisão considera inconstitucional a Lei de Motoristas e Serviços Baseados em Aplicativos