Thomas Edison tornou-se célebre por inventar a lâmpada incandescente, ainda no século XIX, o que possibilitou o advento da era da eletricidade, sem a qual é quase impossível nos imaginarmos no mundo de hoje. Passa ao largo da história, no entanto, o fato de que a primeira patente registrada por Edison, em 1869, foi a de um “gravador de votos eletrográfico”, um aparato para o registro dos votos de parlamentares, por meio de um simples aperto de botão.
Na especificação que instrui a patente nº 90.646, Edison explica: “O objeto de minha invenção é produzir um aparato que grava e registra, em um instante, e com grande acurácia, os votos de órgãos legislativos, assim evitando a perda do valioso tempo consumido na contagem e registro de votos e nomes, como feito da maneira usual”[1]. A maneira usual de contagem à qual se referia era o registro manual dos votos, por um secretário, quando de uma chamada de votação (roll call), na qual cada parlamentar era chamado a expressar oralmente seu voto na questão em debate.
Assim, embora a lâmpada só viesse a ser inventada 10 anos mais tarde, em 1879, não podemos deixar de admitir que esse aparato conferiria mais luz às votações, contribuindo para a maior agilidade dos trabalhos no parlamento e, em última análise, para a transparência do processo como um todo.
O Congresso americano, no entanto, não se interessou pela máquina, e a patente expirou, ainda em 1886. Na ocasião, pensava-se que a rapidez do sistema prejudicaria a minoria, que por vezes conseguia obstruir ou converter votos durante a chamada. Várias outras tentativas de se automatizar as votações nominais ocorreram ao longo dos anos, e o sistema foi finalmente adotado no Congresso Americano nos anos 1970[2].
Por si só, essa ideia do grande inventor já dá mostras que o processo de votação consumia considerável tempo, sem contar que a forma manual de registro exige total isenção e imparcialidade daquele chamado a efetuá-lo, o que infelizmente não é crível que ocorra sempre, ao longo dos tempos, nos diversos parlamentos mundo afora.
Atualmente, de acordo com o E-parliament report 2020, dentre 112 parlamentos nacionais analisados, 67% mantêm alguma forma de votação eletrônica em plenário[3].
Se a tecnologia parece ter resolvido o problema do tempo gasto nas chamadas nominais de votação - um problema de gestão das próprias casas legislativas -, pode-se afirmar que foi subutilizada em uma questão que poderia ter tido o condão de aprimorar: a falta de transparência ou de accountability dos eleitos nos demais tipos de votações parlamentares.
Nos parlamentos de todo o mundo, além da votação secreta, há dois tipos de votação aberta (ou ostensiva): a simbólica e a nominal. No recém publicado “Glossário de Termos Legislativos - 2ª edição” (pelo Grupo de Trabalho Permanente de Integração da Câmara dos Deputados com o Senado Federal), votação simbólica é definida como “Processo de votação em que os parlamentares se manifestam fisicamente. O presidente, ao anunciar a votação, convida os parlamentares a favor da matéria a permanecerem sentados, devendo os que se posicionam contrariamente manifestar-se, o que se dá, normalmente, pelo ato de levantar um braço.”[4].
Nesse tipo de votação, a expressão da vontade pode-se dar ainda por meio da voz (voice vote), quando o votante grita “aye” ou “nay” conforme seja favorável ou contrário à matéria em apreço[5]. O resultado é tomado a partir da manifestação do conjunto dos parlamentares.
Por sua vez, o voto nominal também admite duas formas: por chamada (ou roll call), podendo ser computado manual ou eletronicamente – e, mais recentemente, também em modo remoto -, ou, nos parlamentos ao estilo Westminster, quando ocorre a denominada division, pela passagem dos parlamentares por corredores ou câmaras distintos, conforme seu voto seja “sim” ou “não”. Nesse sistema, o voto é tomado individualmente de cada deputada e deputado.
Apesar de o voto nominal ser o único que permite ao cidadão saber quem votou o quê, possibilitando a bem-vinda prestação de contas de um mandato parlamentar e ensejando um alto nível de transparência à atividade daqueles escolhidos como representantes do povo, e inobstante o fato de boa parte dos parlamentos serem dotados de sistemas de votação eletrônica, conforme vimos acima, a regra geral é, ainda hoje, a votação simbólica, sendo utilizado o procedimento nominal apenas em: a) votação de matéria especial para a qual se exige quórum mais qualificado; b) casos de dúvida no resultado da votação simbólica; e c) a requerimento de algum parlamentar.
No Brasil, o voto simbólico também constitui regra geral para deliberação no Congresso Nacional, estando previsto no art. 45 do Regimento Comum do Congresso Nacional, no art. 185 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD - e no art. 293 do Regimento Interno do Senado Federal. A propósito, a última reforma feita no RICD, por meio da Resolução nº 21, de maio de 2021, acabou dificultando ainda mais a possibilidade da votação nominal, ao revogar o §5º do art. 185, que concedia ao presidente a prerrogativa de determinar de ofício esse tipo de votação quando, diante de requerimento de verificação de votação, fosse notória a ausência de quórum no Plenário.
Além disso, a reforma acrescentou ao mencionado dispositivo o §3º-A, que prevê que o apoiamento de Líderes a requerimento de verificação de votação (o qual, na prática, tem o condão de transformar uma votação simbólica em uma nominal) deverá ser tomado a cada votação, sendo vedado o apoiamento prévio e aquele recíproco entre bancadas. Como o novo dispositivo refere-se a “cada votação” e não a cada proposição pautada, percebe-se que criou uma dificuldade bastante relevante, considerando-se que uma só matéria pode abranger diversas votações, como é o caso daquela que apresenta emendas e destaques, por exemplo.
O resultado é que cerca de 90% das proposições que tramitam no Congresso Nacional estão sujeitas à votação simbólica. Assim, a maior parte dos projetos de lei são votados sem o registro do voto de cada parlamentar. E mesmo em casos em que o regimento obriga a votação nominal, como nas propostas de emenda à Constituição, pode ainda ser possível a um parlamentar esquivar-se do registro, tendo em vista a adoção da votação simbólica para dispositivos ou emendas destacados, os quais muitas vezes versam sobre os temas mais polêmicos.
Recentemente, a votação, no plenário da Câmara dos Deputados, do aumento do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o famigerado “fundão eleitoral”, inserido na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO - para 2022, gerou grande repercussão. Isso porque parlamentares que se posicionavam contra o fundão em suas redes sociais acabaram votando “sim” na LDO. Em sua defesa, alegaram que votaram a favor da matéria como um todo, porém posicionaram-se (literalmente!) contrários na votação (simbólica) de um destaque específico do aumento do fundão.
Como saber? Com efeito, houve a aprovação de três pedidos de destaque, o que desdobrou a apreciação da matéria em quatro votações. Na primeira, quando se submeteu à apreciação dos parlamentares o projeto, salvo destaques, a votação deu-se de forma nominal, por meio do painel eletrônico – seu resultado é transparente, e a lista pode ser acessada no site da Câmara[6]. Os três destaques, no entanto, foram submetidos a votação simbólica. Como a matéria mais polêmica, qual seja, o aumento do fundão eleitoral, foi objeto do primeiro destaque submetido à votação, não foi possível saber como votaram, individualmente, as deputadas e os deputados.
A forma simbólica de votação acabou permitindo que parlamentares favoráveis ao aumento do referido fundo, uma matéria claramente impopular, escondessem seu voto e fugissem assim da luz e da transparência cada vez mais exigidas pelo eleitor. O fato de essa polêmica ter repercutido nas redes sociais, entretanto, dá mostras de que o cidadão está mais atento aos movimentos de seus representantes no parlamento.
Alguns parlamentos, felizmente, já têm sido responsivos à população no sentido de maior transparência. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por exemplo, foi abolida a tomada simbólica de votos como regra em proposições como projetos de lei e propostas de emenda à Constituição estadual desde 2013. Mas o movimento ainda é minoritário.
O sistema simbólico remonta às origens das decisões coletivas, tendo sido tecnologicamente plausível para a ágora grega, um navio pirata (aye!) ou uma reunião condominial. A aclamação se justificava perante a dificuldade técnica de uma contagem um a um, ou mesmo pelo princípio da participação direta. Para as democracias liberais representativas contemporâneas, no entanto, o modelo parece essencialmente anacrônico.
Sem a expressão de cada deputado ou deputada em votos nominais, perde-se em transparência, e, com isso, perde-se a capacidade de se avaliar um parlamentar a partir de seu posicionamento nas votações. A despeito da farta tecnologia para registrar os votos de nossos representantes instantaneamente, as formas não nominais permaneceram – e permanecemos sendo governados por parlamentares que, por regra, não precisam expressar seu voto claramente.
[1] https://patentimages.storage.googleapis.com/50/c6/e3/f6144dc6950a94/US90646-drawings-page-2.png
[2] Electronic Voting System in the House of Representatives: History and Evolution - https://fas.org/sgp/crs/misc/RL34366.pdf
[3] https://www.ipu.org/resources/publications/reports/2021-07/world-e-parliament-report-2020
[4] Disponível em <https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario-legislativo> Acesso em 13 ago. 2021.
[5] A ordem do sim ou do não importa, e há todo um ramo da Ciência Política dedicado a estratégias de votação, porém não é o nosso escopo aqui.
[6] Vide <https://www.congressonacional.leg.br/materias/pesquisa/-/materia/148119#tramitacao> Acesso em 14 ago. 2021