Paula Gomes de Magalhães

Thiago Brazileiro Vilar Hermont

A poucos dias da celebração do centenário daquele que é mundialmente reconhecido como um dos maiores educadores contemporâneos, fundador de singular pedagogia, acreditamos ser necessário trazer Paulo Freire para o ensino superior, notadamente para as salas de aula do Direito.
Ao superar o crivo taxativo que recai sobre o pedagogo dada sua posição política, inegável é seu papel de defensor da educação como instrumento crítico de formação e atuação política.
Mais do que mera transmissão de conhecimento, Freire dialoga diretamente não apenas nos estágios iniciais do ensino e da aprendizagem, mas, principalmente, em um contexto de ensino superior, muitas vezes enfaixado, consumista e preso a velhas fórmulas que apenas ecoam ideias não necessariamente trazidas à prática e válidas do ponto de vista da transformação social.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em sua Pedagogia da Indignação (2000<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>), Freire já predispunha que a educação de adultos, muito além da questão da mera alfabetização da população iletrada, deveria passar por questões políticas, culturais, de cidadania e desenvolvimento, como caminhos que, de fato, levariam à autonomia do discente.
Como dito, essas matrizes transcendem o reconhecer do alfabeto e se tornam intrínsecas à formação do profissional crítico, capaz de promover em sua rotina profissional traços reflexivos e transformativos, tendo como referência seus interlocutores (VALÉRIO e MATTOS, 2018<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>).
O Direito, como campo das ciências sociais aplicadas, lida diretamente com o como, o porquê e o âmbito de atuação das ações humanas em um contexto social regido por normas. Nesse sentido, como atuar na formação de pessoas que em seu futuro profissional estarão no papel de formadoras de decisões?
Em um momento no qual ataques às instituições democráticas em todo o mundo se tornam mais frequentes, é preciso que os estudantes de Direito tenham uma visão crítica dos futuros papéis que exercerão após a formatura, e não apenas foquem em processos mnemônicos para obterem a aprovação no exame da Ordem, por exemplo.
Sendo agente da aplicação, interpretação e validação do ordenamento jurídico, cabe ao profissional do Direito a louvável possibilidade de catalisar mudanças efetivas na sociedade, devendo, todavia, o ensino superior auxiliá-lo – com seus planejamentos disciplinares, formas avaliativas e propostas curriculares – no desenvolvimento de tais habilidades. Nesse aspecto, a aplicação da pedagogia freireana em círculos de ensino superior agregaria sobremaneira a formação discente.
É preciso instigar os estudantes a uma postura protagonista e emancipatória de seu aprendizado, no qual esses, ao serem inseridos no papel de partícipes do próprio ensino, terão de fato condições de se moldar para a atuação profissional, na qual a responsabilidade social pela tomada de decisões se apresenta de modo latente.
O profissional do Direito em sua formação deve se atentar à pluralidade da população brasileira, em níveis sociais e econômicos, por exemplo, de forma a encarar clientes e jurisdicionados dentro do complexo mosaico opressor em que ainda se encontram e, de forma criativa e libertadora, contribuir para a emancipação destes.
Para que isso ocorra, tanto o corpo docente quanto o discente precisam estabelecer uma nova relação, na qual o diálogo aberto se torna pluridirecional, não sendo o professor o manancial indiscutível da fonte de conhecimento, e nem o aluno uma cratera oca aguardando ser preenchida.
Afinal, diante do novo contexto educacional virtual e mais tecnológico, ocasionado especialmente pela pandemia da Covid-19, dado que a informação agora se encontra a apenas um clique de distância, o papel do professor deve ser repensado, não mais como aquele que transmite a informação, o conhecimento, mas sim como aquele que instiga o aluno a se tornar um ser pensante.
Com o conhecimento já disponível de uma forma nunca vista, o papel do docente torna-se então o estímulo à capacidade de o aluno continuar aprendendo, somado à possibilidade de aplicação do saber adquirido em determinados contextos. Bem dizia Rubem Alves, parafraseando sua educadora Adélia Prado, que mais do que a faca e o queijo, deve ser dado ao aluno a vontade de comer (ALVES, 2002<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>). E esse é o novo desafio para o educador.
Somado a esse desafio, o docente se encontra ainda diante de uma nova dinâmica da sala de aula que, em sua modalidade a distância, passa a exigir novas capacidades para prender a atenção do aluno.
<blockquote class="jota-article__eye">Na realidade, mais do que prender a atenção, fazer com que esse seja agente ativo na construção de seu próprio conhecimento. Afinal, como fazê-lo?</blockquote>
As metodologias de ensino voltadas mais ao protagonismo do discente têm sido um bom caminho. Como exemplo, temos as salas de aula invertidas, as dinâmicas grupais e outras modalidades que se distanciam um pouco do método tradicional expositivo. Importante dizer que essas abordagens devem ser pensadas dentro do contexto social no qual o aluno está inserido, levando-se em conta a sua viabilidade de realização, sem perder de vista a responsabilidade do educador no processo de formação do aprendizado.
Trazendo mais clareza e informação sobre as metodologias apresentadas, é possível então romper o estigma de que essas abordagens retiram do professor seu papel educacional, e tornar claro que, na realidade, ocorre justamente o oposto, na medida em que o docente, à luz da pedagogia freireana, busca se adaptar ao novo contexto educacional trazido pela facilidade de acesso à informação pelos alunos.
São muitas as exigências que Freire atribui ao ensino em sua Pedagogia da Autonomia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Ensinar exige criticidade. Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática. Exige apreensão da realidade. Exige curiosidade. Bom senso. Saber escutar. Comprometimento.
Porém, acima de tudo, exige respeito à autonomia do educando e diálogos abertos. Alegria e esperança. Esta última, sílaba por sílaba, como a meninazinha de olhos verdes do poema de Quintana<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, sempre pronta para não se fazer esquecida, tornando-se prova de que é possível mudar mesmo os cursos mais herméticos.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="http://lattes.cnpq.br/7749222257907067">VALERIO, K. M.</a> ; MATTOS, A. M. A Critical Literacy and the Communicative Approach: Gaps and Intersections. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v. 18, p. 313-338, 2018.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ALVES, Rubem. A arte de produzir fome. São Paulo: Folha de São Paulo, 29/10/2002, p.6. Disponível em: &lt;http://goo.gl/JWB870&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> QUINTANA, Mário. Nova Antologia Poética. São Paulo: Editora Globo, 1998.

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