Alexandre Laizo Clápis

Luis Guilherme Aidar Bondioli

A tutela coletiva no âmbito do direito imobiliário, especialmente no caso de empreendimentos imobiliários, é assunto que suscita reflexões, por envolver múltiplos e relevantes temas, a começar pela própria tutela coletiva, que parece hoje se encontrar mais sedimentada e madura no Direito brasileiro, após mais de três décadas do advento da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública).
Com a sucessão das fases de absoluta desproteção dos direitos coletivos e difusos e de proteção desmedida de alguns desses direitos, o pêndulo no âmbito da tutela coletiva caminha para um ponto de equilíbrio, no qual todos os interesses existentes no seu contexto são olhados com proporcionalidade e razoabilidade.
Em matéria de empreendimentos imobiliários, isso significa um enfoque por todos os ângulos, quer a partir da ótica das pessoas e coisas que já ocupam seu entorno, quer a partir da ótica do empreendedor e das pessoas que desenvolverão algum tipo de atividade para a sua execução, quer ainda a partir da ótica dos possíveis adquirentes e das pessoas que de qualquer forma extrairão algum tipo de benefício do empreendimento. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Para que todos esses interesses sejam analisados de modo proporcional e razoável, é preciso cuidado constante com o tal ponto de equilíbrio. Não obstante a maior sedimentação e maturidade da tutela coletiva, ela se insere numa sociedade ainda em processo de consolidação de valores e de maturação, em que as pessoas nem sempre conseguem (ou querem) olhar com equilíbrio a multiplicidade de interesses existentes em situações que se apresentam com cada vez mais complexidade.
Daí a importância da busca pela tutela dos direitos coletivos e difusos com responsabilidade e sensatez. Com o olhar novamente nos empreendimentos imobiliários e em todos aqueles ângulos mencionados mais acima, é preciso ponderar todos os valores em jogo com equilíbrio, não privilegiar direitos individuais travestidos de coletivos, acomodar a totalidade dos interesses.
Também é saudável a busca de soluções extrajudiciais nesse contexto, inclusive com a participação de terceiros imparciais (mediador, expert etc.), dada a sua adequação e celeridade. Em matéria de empreendimentos imobiliários, a envergadura da empreitada e o volume de recursos mobilizados reforçam o apelo à litigância responsável, pois dúvidas quanto à sua viabilidade e dispêndio de tempo produzem efeitos bastante prejudiciais, com reflexos patrimoniais significativos.
Sendo inevitável a judicialização da disputa nessas circunstâncias, o requerente da tutela coletiva deve ter consciência das correlatas consequências. A simples pendência de uma demanda que coloque em xeque um empreendimento imobiliário é prejudicial para o empreendedor, para as pessoas contratadas para a sua execução, para os possíveis adquirentes e para as pessoas que de qualquer outra forma vão auferir vantagens do futuro empreendimento; se há pedido liminar de paralisação das atividades de construção, então, o prejuízo se multiplica, pois a simples extensão no tempo aumenta custos, compromete o encadeamento de atos etc. Por isso, é preciso destacar a litigância responsável; a propositura da ação civil pública em matéria imobiliária deve ser refletida e eventual pleito de tutela de urgência deve ser objeto de ainda mais reflexão. Nesse aspecto, as tentativas de solução extrajudicial podem ajudar nessas necessárias reflexões.
Como se sabe, a justa solução de conflitos, escopo maior da jurisdição, não é algo instantâneo. Ao contrário. Ela demanda tempo; o tempo necessário ao florescimento da verdade (veritas filia temporis), que deve estar espelhada no pronunciamento judicial final para a justiça da decisão e a efetiva composição da lide. Para que a verdade floresça no processo, é predisposta uma sequência lógica e encadeada de atos (procedimento), com o escopo de fornecer todos os elementos que o juiz precisa para responder adequadamente às pretensões veiculadas pelas partes. E o desenrolar desses atos é naturalmente demorado, o que exige paciência.
Contudo, o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário é sensível ao fator tempo. Tal sensibilidade é intensificada quando observada também de outra perspectiva, qual seja, a dos efeitos concretos produzidos pela execução da empreitada. Nessas circunstâncias, as condições para o completo florescimento da verdade não encontram aqui terreno fértil. E o juiz é frequentemente forçado a tomar decisões sem os desejáveis atos preparatórios para a emissão de um provimento jurisdicional, o que traz riscos. Afinal, a parte desfavorecida pela tutela provisória pode, com o passar do tempo e dos atos processuais, revelar-se merecedora de melhor sorte à luz do direito.
Nessas circunstâncias, pergunta que frequentemente fica no ar, em matéria de ações civis públicas envolvendo empreendimento imobiliário com tutela de urgência concedida para a paralisação das obras e ulterior desfecho de extinção do processo sem julgamento do mérito ou improcedência, é a seguinte: quem deve pagar a conta dos danos emergentes e dos lucros cessantes experimentados pelo empreendedor e pelas demais pessoas afetadas por tal paralisação?
A resposta a essa indagação passa pela conjugação do disposto nos arts. 302 do Código de Processo Civil e 17, 18 e 19 da Lei da Ação Civil Pública. O primeiro dispositivo legal mencionado estabelece regime de responsabilidade objetiva em matéria de requerimento de tutela de urgência, nos seguintes termos, para o que ora interessa: “independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável”.
Segue trecho de paradigmático julgado da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça a respeito do assunto: “os danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Com efeito, à luz da legislação, cuida-se de responsabilidade processual objetiva, bastando a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 do CPC/1973 (correspondentes aos arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do novo CPC).
Em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. A sentença de improcedência, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos”.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
O art. 19 da Lei da Ação Civil Pública pavimenta o caminho para a incidência do art. 302 do Código de Processo Civil nos processos que disciplina: “aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições”. Resta então investigar se os arts. 17 e 18 da Lei da Ação Civil Pública bloqueariam tal incidência, por contrariedade ao seu teor.
O referido art. 18 prevê que, “nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. E o mencionado art. 17 completa esse quadro: “em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos”.
Como se vê, os arts. 17 e 18 da Lei da Ação Civil Pública isentam o litigante ordinário do pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios no âmbito da ação civil pública, mas não chegam ao ponto de liberá-lo do dever de indenizar por todo e qualquer prejuízo causado no contexto do processo. O fato de o referido art. 17 reforçar a responsabilidade do litigante de má-fé por perdas e danos atrelados à sua conduta, na esteira do que já dispõe no art. 81 do Código de Processo Civil, não significa que apenas o improbus litigator responda pelos prejuízos que causa na relação jurídica processual. Afinal, disposições excepcionais não podem ser elastecidas.
Em sentido semelhante, a Constituição Federal isenta o autor popular ordinário apenas do pagamento “de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (art. 5º, LXXIII), mas não vai ao ponto de liberá-lo da responsabilidade pelos prejuízos causados pelos pleitos de tutela de urgência que formula.
<blockquote class="jota-article__eye">Não custa lembrar, ainda, que no rol de benefícios outorgados pelo § 1º do art. 98 do Código de Processo Civil ao beneficiário da justiça gratuita não se encontra a isenção de responsabilidade pelos prejuízos causados pelo requerimento de tutela de urgência.</blockquote>
Nessas condições, em resposta à pergunta lançada mais acima, pode-se afirmar que é o autor da ação civil pública que deve pagar a conta pelos prejuízos causados pela concessão da medida liminar que ele próprio pleiteou, independentemente da sua má-fé, em razão do regime de responsabilidade objetiva estabelecido no art. 302 do Código de Processo Civil. Isso não interdita a tutela coletiva nem atrita com os incentivos criados para a proteção dos direitos coletivos e difusos, pois não cria restrições para o ingresso em juízo nem diminui as isenções para o ordinário custeio do processo, e acaba incentivando a litigância equilibrada e responsável, na medida em que convida o requerente a refletir toda vez em que solicitar uma excepcional e potencialmente danosa tutela de urgência.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STJ, 2ª Seção, REsp 1.548.749, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/4/2016, DJ 6/6/2016.

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JOTA

O pêndulo no âmbito da tutela coletiva caminha para um ponto de equilíbrio

Litigância responsável e tutela coletiva no âmbito do direito imobiliário

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