Galtiênio da Cruz Paulino

O acusado, ao ser enquadrado como sujeito do processo, assume uma posição jurídica que lhe assegura “uma participação constitutiva na declaração do direito ao caso concreto, através da concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Garante-se ao acusado o “direito de audiência, direito de presença, direito de assistência do defensor e direito à interposição de recursos”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Do direito de audiência do acusado, que possui diversos reflexos, decorre o direito de ser ouvido e, como consequência lógica oposta, em consonância com o exercício do direito de defesa, o direito ao silêncio. Este direito (ao silêncio) possui base maior de sustentação no direito à não autoincriminação, enquanto direito material de liberdade e garantia processual fundamental<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
No interrogatório, expressão do direito de audiência do acusado, assegura-se a liberdade de declaração e o direito ao silêncio. O acusado não é obrigado a colaborar com a busca da verdade, uma das finalidades da justiça penal<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. O interrogatório, que pode se enquadrar como um meio de prova, a depender do teor das declarações do acusado, é, em verdade, um meio de defesa, na medida em que o direito ao silêncio do acusado “é mais amplo do que a mera garantia contra a autoincriminação assegurada a outros participantes processuais: aquele tem o direito de recusar o depoimento mesmo que o interrogatório verse sobre fatos favoráveis ou se circunscreva à participação de outras pessoas nos crimes investigados”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Ocorre que o exercício da liberdade de declaração, sem se valer do direito ao silêncio, pode resultar na confissão do acusado, “conceituada como a aceitação por parte do acusado da imputação da infração penal, perante a autoridade judiciária ou policial”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, sendo enquadrada como um ato personalíssimo livre, espontâneo, retratável e divisível.
No ordenamento brasileiro, a confissão pode resultar em diversos efeitos, como é o caso da atenuante prevista no art. 65, III, d do Código Penal, e ser prerrequisito para incidência de alguns institutos, como o acordo de não persecução penal constante no art. 28A do Código de Processo Penal. No acordo de não persecução penal, a confissão, de acordo com a lei, deve ser formal e circunstanciada, ou seja, “algo detalhado, estando acompanhado de narrativa suficientemente coerente e convincente sobre a prática criminosa, a ponto de transmitir consistência e veracidade. (...) não poderá ser uma confissão parcial, deverá incluir autores e partícipes, além do que não poderá ser uma confissão qualificada, nem retratada”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Como fica a confissão, em situações de flagrante delito? Qual o limite e os requisitos para a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d do Código Penal?
Em muitas situações de flagrante delito, o acusado confessa a prática delitiva, sendo que, em alguns casos, restringe-se a afirmar que praticou o evento delitivo (inquestionável, diante do flagrante), negando-se a prestar maiores esclarecimentos sobre o evento.
Alguns Tribunais não consideram essa “forma de confissão”, sendo afastado, por conseguinte, a incidência da atenuante da confissão no momento da dosimetria da pena<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Já o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>) afirma que "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal" (<a href="https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27545%27).sub.">Súmula n. 545)</a>, bem como "a incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio" (Súmula n. 630). Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça, no primeiro entendimento, leva em consideração a utilidade da confissão para a condenação do acusado.
O direito ao silêncio é garantido ao acusado por meio da proteção contra coações diretas e indiretas ao exercício desse direito. Contudo, no momento que o acusado resolve confessar os crimes que lhe são imputados (repita-se, não é obrigado), cabe ao órgão de persecução e ao órgão de julgamento aferir a qualidade do depoimento, com base na utilidade do relato.
A confissão é enquadrada como uma situação precária de colaboração com a persecução penal, enquanto precursora de institutos de caráter colaborativo e premial, como é o caso da colaboração premiada. Em razão da colaboração com a persecução penal, o ordenamento jurídico concede um “prêmio” ao acusado, que será cabível apenas se a confissão for útil à persecução penal. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, leva em consideração, para fins de utilidade, a utilização da confissão como fundamento da decisão condenatória.
A análise da utilidade, porém, deve passar pelo crivo de apreciação do órgão titular da persecução penal, o Ministério Público, e, posteriormente, do órgão decisório. Só haverá confissão propriamente dita quando o acusado narra a prática delitiva de forma circunstanciada, ao responder os questionamentos formulados durante o interrogatório, não sendo admitido, portanto, a mera admissão da prática do crime, sem maiores esclarecimentos sobre o evento ou com a recusa de prestar esses esclarecimentos.
O art. 65, III, d, do Código Penal, ao tratar da confissão, não especificou a forma como a confissão deverá ocorrer, tendo sido necessário a construção jurisprudencial e doutrinária dessa prática. Contudo, o Código de Processo Penal, ao tratar da confissão no acordo de não persecução penal, passou a estabelecer que o acusado deverá narrar a prática delitiva de forma circunstanciada, que consiste justamente no relato preciso do crime, não sendo considerado confissão a mera admissão da prática do delito.
Desse modo, a atenuante da confissão, nos casos de flagrante delito, deverá ser considerada apenas quando houver relato de forma circunstanciada da prática delitiva, visto que a confissão se enquadra como uma situação, mesmo que precária, de colaboração com a persecução, devendo o acusado admitir a prática delitiva e relatar a forma como aconteceu. A necessidade do relato circunstanciado é decorrente do caráter premial da aplicação da confissão na dosimetria da pena, bem como da liberalidade de manifestação do acusado em virtude do direto que possui ao silêncio.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Vol. 1. Coimbra: Cimbra Editora, 1974, p. 429.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Vol. 1. Coimbra: Cimbra Editora, 1974, p. 431.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Ver SILVA, Sandra Oliveira e. O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo. Coimbra: Almedina, 2019.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> SILVA, Sandra Oliveira e. O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo. Coimbra: Almedina, 2019, p. 350.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> SILVA, Sandra Oliveira e. O Arguido como Meio de Prova contra si mesmo. Coimbra: Almedina, 2019, p. 350.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 658.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do Acordo de Colaboração Premiada. 2.ª edição. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 124.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES - PENA-BASE MANTIDA - INOCORRÊNCIA DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA - INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - PEDIDO DE DETRAÇÃO PENAL PARA FINS DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL NÃO CONHECIDO (COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO) - RECURSO DESPROVIDO. 1. A quantidade da nefasta droga apreendida (cocaína) - circunstâncias preponderantes - autorizam a manutenção da pena-base acima do mínimo legal, em 05 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 570 (quinhentos e setenta) dias-multa no valor unitário correspondente a 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato, tal como fixada no édito condenatório. 2. O réu, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, representando, portanto, o imprescindível elo entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Inaplicável a causa especial de diminuição de pena contida no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. 3. A confissão, in casu, traduziu-se em mera admissão da autoria impossível de ser negada, eis que o apelante foi surpreendido em estado de flagrância pelos Agentes Policiais, assim, inaplicável a atenuante genérica da confissão espontânea (precedentes do E. STF: HC 101.861, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011 EMENT VOL-02517-01 PP-00060; HC 108148, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011) 4. Não conhecido o pleito da defesa relacionado ao cômputo do tempo de encarceramento para a possível progressão de regime (detração penal), pois esta análise cabe ao MM. Juízo da Execução e não a este Órgão Colegiado. 5. Recurso não conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido. (TRF-3 - Ap: 00035669320094036119 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 26/06/2012, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2012)
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JOTA

É cabível confissão nas prisões em flagrante?

Limites de incidência da confissão

O art. 65, III, d, do Código Penal, ao tratar da confissão, não especificou a forma como ela deverá ocorrer.