Michel Cunha Tanaka

Exposição da questão
As portarias de instauração de processos administrativos punitivos (isto é, contra empregados públicos; servidores; ou empresas) que o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) publica seguem um determinado modelo padrão, que propositalmente omite o nome dos envolvidos. Com efeito, o Manual de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) da CGU recomenda que a portaria de instauração não indique “o nome dos investigados, a fim de se evitar limitação inadequada ao escopo apuratório e garantir o respeito à imagem dos acusados”.[1] Neste artigo, defenderemos que essa praxe de não divulgar o nome dos processados deve ser mantida.
A princípio, pode parecer necessária a reversão dessa prática, especialmente diante do art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que determina a publicidade como regra nos processos: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Além disso, a Administração Pública tem a publicidade como um de seus cinco princípios regentes listados no art. 37 da CF. E recentemente, a promulgação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011 – LAI) veio reforçar o paradigma de que a publicidade é regra e o sigilo, exceção.
Aliás, mesmo o processo penal, que visa a aplicação de penas mais graves que as administrativas, segue a regra da publicidade. Com efeito, apenas os inquéritos, isto é, os processos investigativos que precedem o processo contraditório, são sigilosos. Assim que oferecida a denúncia, o processo torna-se público, tendo seu acesso restrito apenas se o juízo determinar segredo de justiça (art. 201, § 6º do Código de Processo Penal – CPP).
Mas isso são diferenças de publicidade gerais; aqui, estamos tratando de pontos específicos. Alguma publicidade o processo administrativo sempre tem desde sua instauração, cuja portaria é publicada em meio oficial. Por isso, consideramos que o correto é tratar o processo administrativo como tendo publicidade diferida, e não sigilo, pois a própria LAI (§ 3º, art. 7º) restringe o acesso ao processo administrativo somente enquanto ele está em andamento, garantindo sua publicidade quando de sua conclusão: 
“O direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo.” (grifamos) 
Ou seja, o processo administrativo, inclusive o nome do acusado, não tem acesso intrinsecamente restrito (sigilo), e sim um acesso que a própria lei deslocou para momento diferente do de sua instauração (publicidade diferida). Só cabe falar de sigilo para as informações cujo acesso a própria LAI restringe, tais como informações pessoais (art. 31 da LAI) e os casos de classificação da informação (art. 24).
Ou seja, a questão é: deve o nome do investigado ter publicidade imediata ou diferida?
Por que não seguir o exemplo do processo penal: eliminação de riscos
Exemplos como o processo penal, em que ocorre publicidade total logo no oferecimento da denúncia, podem parecer um exemplo a ser seguido pela Administração. Isto é, apesar de o processo administrativo como um todo ter publicidade diferida, o maior número possível de informações deveria ter publicidade imediata, sendo o nome uma delas. Eventuais danos à imagem decorrentes pela divulgação de processos administrativos poderiam ser considerados inexistentes de antemão, afinal, ninguém cogita que todo réu numa denúncia tenha direito a indenização pelo Estado, ainda que venha a ser absolvido ou que a denúncia nem seja recebida. Esses casos são corretamente tratados como exercício regular de um direito, o que afasta eventuais danos morais.
Porém, existe uma diferença estrutural fundamental entre o processo administrativo e o penal: no processo penal, existe uma fase de recebimento da denúncia, conforme previsto no art. 396 do CPP, a qual cabe ao Poder Judiciário. E o Judiciário não só é um órgão diferente do denunciante (seja ele Ministério Público ou querelante) como é considerado imparcial por excelência pela CF, o que se caracteriza pela inafastabilidade da jurisdição (CRFB, art. 5º, inciso XXXV) e pelas suas diversas garantias constitucionais (idem, art. 95).
Ou seja, o processo penal é público desde a instauração da denúncia, mas o ordenamento jurídico brasileiro considera, ainda que implicitamente, que os danos à imagem do denunciado decorrentes de uma denúncia sem qualquer justa causa são considerados afastados, ou grandemente mitigados, pela análise da denúncia por um órgão diferente do acusador e constitucionalmente imparcial. O processo administrativo não tem essa fase: o juízo de admissibilidade é todo feito na Administração pública, a qual ainda acumula as funções acusatória e julgadora no processo administrativo.
Pode-se objetar que só caberia falar em dano moral ao acusado no caso concreto, e não abstratamente, quer dizer: a publicação do nome do acusado em processo administrativo não causa, em si mesma, danos à imagem do acusado; isso somente poderá se confirmar no caso concreto. Tamanha cautela da Administração pública poderia até ser vista como uma admissão pela própria Administração de que a mera instauração de processo administrativo automaticamente causa danos à imagem do acusado.
Concordamos que, em abstrato, a mera instauração de processo administrativo não é capaz de gerar, por si só, danos à imagem do acusado. Contudo, a possibilidade de processos contra a Administração por dano moral decorrente de uma publicação de instauração de processo acusatório já com a identificação do acusado é sempre um risco. Podemos supor este cenário razoavelmente plausível: a Administração instaura processo administrativo de responsabilização de pessoa jurídica (PAR) contra uma companhia, e, pouco tempo depois, suas ações sofrem forte desvalorização nas bolsas de valores. Se o processo concluir pela inocência da companhia, ela provavelmente processará a Administração Pública buscando indenização pelos danos sofridos com a perda de seu valor de mercado, alegando que decorreram da publicação de seu nome como acusada.
Evidentemente, nem toda divulgação de instauração de processo administrativo contra companhia provocará sua desvalorização em bolsa, e pode ser que o Judiciário venha a formar jurisprudência no sentido de que não cabe à empresa esse tipo de indenização. Há também que considerar que esse tipo de demanda pode ser movida por pura má-fé – quer dizer, a empresa imputa à Administração a desvalorização de suas ações mesmo sabendo que foi uma coincidência.
De todo modo, o exercício de raciocínio acima diz respeito à avaliação de um risco, e é um risco pode ser fácil e totalmente eliminado se a Administração optar por omitir o nome na portaria de instauração. Assim, entendemos prudente que a Administração opte por eliminar tal risco por meio da aplicação, ao nome do acusado, da publicidade diferida – isto é, publicá-lo somente no fim do processo, e não no começo.
Não distinguimos entre pessoa física e jurídica porque a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral é amplamente admitida na doutrina e jurisprudência (vide, por exemplo, Sérgio Cavalieri Filho, uma das referências atuais em responsabilidade civil).
Além da questão de prevenção de riscos de dano moral, há também que considerar o impacto da publicidade imediata ou diferida do nome do acusado no acordo de leniência.
Pela Lei 12.846/2013, o acordo de leniência é sigiloso até que seja celebrado; até mesmo o fato de que a empresa propôs acordo de leniência é sigiloso, conforme previsão expressa do art. 16, § 6º da Lei 12.846/2013: “A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.” (grifamos). Como o processo administrativo é sigiloso até sua conclusão, conforme discutimos acima, o sigilo da proposta do acordo de leniência parece resguardado mesmo em caso de publicidade imediata do nome do acusado, pois os desdobramentos do processo administrativo, entre os quais a proposta de acordo de leniência, permanecem inacessíveis ao público.
Contudo, as negociações para acordo de leniência são notoriamente complexas, podendo envolver vários órgãos além daquele especificamente designado pela lei. Além disso, a autoridade instauradora pode entender conveniente suspender o PAR em razão das negociações para acordo de leniência. Assim, há o risco de que o processo administrativo considerado como “demorando demais” gere rumores de que correm negociações de leniência no processo, pois mesmo que a ideia de “demorando demais” seja subjetiva, ela parte dos fatores objetivos que acabamos de descrever. Dificilmente esses rumores serão benéficos para as negociações de leniência, além de reduzirem o sigilo desejado pela lei, que impõe sigilo até mesmo à existência ou não de proposta.
Assim, e novamente na perspectiva de reduzir riscos evitáveis, entendemos que aplicar publicidade diferida ao nome da empresa melhor resguarda o sigilo legal das negociações para acordo de leniência.
Conclusão
Em resumo, entendemos que o nome do acusado, independente de o processo ser contra pessoa física ou jurídica, deve ser um dos itens do processo administrativo com publicidade diferida, isto é, que deve ser revelado somente quando da decisão final no processo. Isso resguarda a Administração contra processos por alegado dano moral e melhor garante o sigilo das negociações para acordo de leniência.
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As opiniões expressas neste artigo não necessariamente refletem a posição institucional da CGU.
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[1] <a href="http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual-pad.pdf">http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manual-pad.pdf</a>, p. 67.

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JOTA

Nomes dos envolvidos podem ser revelados, mas na decisão final no processo

Limite da publicidade no processo administrativo punitivo

Nomes dos envolvidos podem ser revelados, mas na decisão final no processo