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Saúde

Lições das telecomunicações para expandir acesso a medicamentos

Adaptar soluções de outros setores pode ser a chave para um sistema mais justo e eficaz

patentes medicamentos
Crédito: Freepik

Vivemos uma mudança impulsionada pela digitalização dos meios fabris, conhecida como indústria 4.0, marcando a quarta revolução industrial. Essa fase faz alusão às revoluções anteriores, que nos levaram dos processos mecânicos e energia a vapor, passando pela eletricidade e o advento dos computadores, até o estágio atual, com o uso de tecnologias como inteligência artificial e machine learning.

Um desses exemplos é o 5G, que supera as gerações anteriores em velocidade, latência e conectividade, conectando diversos aparelhos, desde eletrodomésticos até veículos, o que conhecemos como Internet das Coisas. Para que essa intercomunicação entre dispositivos, especialmente de diferentes marcas, seja possível, é necessária a padronização de tecnologias. Padrões como Wi-Fi, USB e 5G garantem que os dispositivos possam se comunicar e operar dentro do mesmo ecossistema tecnológico.

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Sem interoperabilidade, o impacto de novos padrões seria limitado, e a concorrência no mercado seria prejudicada pela falta de compatibilidade entre produtos. A definição de padrões é liderada por SDOs (Standards Development Organizations), que reúnem especialistas, pesquisadores e representantes da indústria para criar modelos uniformes que atendam às demandas do mercado e tecnologias emergentes.

Durante o desenvolvimento, as empresas identificam e declaram as patentes essenciais para a implementação do padrão. Estas são submetidas a uma avaliação de essencialidade para garantir que apenas as patentes indispensáveis sejam reconhecidas como essenciais.

No Brasil, essas patentes, conhecidas como SEPs (patentes essências, na sigla em inglês)não recebem tratamento diferenciado e devem obedecer aos mesmos requisitos de patenteabilidade. Dada sua importância, as SEPs são licenciadas total ou parcialmente, visando equilibrar os interesses dos detentores das patentes e de terceiros que desejam utilizá-las. Os titulares assumem o compromisso de negociar licenças em termos justos, razoáveis e não discriminatórios (FRAND, sigla em inglês).

Embora não seja perfeito, o modelo de licenciamento FRAND no setor de telecomunicações promove inovação e mantém a competitividade do mercado. Com novas tecnologias sendo desenvolvidas, as SEPs precisam ser gerenciadas para garantir a interoperabilidade entre sistemas e dispositivos, além de permitir que diversas empresas inovem e desenvolvam produtos compatíveis.

Com base nesse modelo de licenciamento, surge a hipótese de adaptá-lo para o setor farmacêutico, especialmente em patentes de medicamentos considerados padrão ouro para tratamentos de doenças. Na indústria farmacêutica, as patentes protegem inovações, garantindo a justa exclusividade de mercado e permitindo a recuperação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. No entanto, esse sistema resulta em preços elevados e acesso limitado a medicamentos, especialmente em países de baixa e média renda.

Uma proposta seria adaptar o modelo FRAND ao setor farmacêutico, identificando medicamentos-chave utilizando, por exemplo, a Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência, ou estabelecendo essa lista por meio de organizações de padrões, como ocorre no setor de telecomunicações. Empresas farmacêuticas poderiam ser incentivadas a declarar patentes fundamentais para a produção desses medicamentos, que seriam submetidas a uma avaliação rigorosa para garantir que apenas as patentes verdadeiramente essenciais sejam incluídas.

Essas patentes seriam licenciadas sob termos FRAND, permitindo que outros fabricantes produzam versões dos medicamentos a preços mais acessíveis, aumentando a oferta e a concorrência, assim os usuários do sistema de saúde seriam beneficiados, além de incentivar a inovação incremental.

O conceito de interoperabilidade poderia ser estendido ao setor farmacêutico, como já ocorre com medicamentos similares e genéricos, chamado de intercambialidade. A Anvisa já regulamenta a intercambialidade, que se traduz na padronização de práticas de fabricação, garantindo que os medicamentos produzidos por diferentes fabricantes sejam equivalentes.

Proporcionar acessibilidade aos tratamentos atuais é uma questão sensível. Esse modelo ajudaria a combater crises sanitárias de forma mais eficaz e reduzir a pressão sobre o sistema de saúde público, que propõe o direito ao acesso universal a medicamentos, conforme previsto no texto constitucional de 1988. A transição para esse modelo exigiria um compromisso significativo de governos, organizações internacionais e da indústria farmacêutica, com novas regras de licenciamento planejadas cuidadosamente.

Para que o modelo FRAND funcione na indústria farmacêutica, seria essencial estabelecer diretrizes claras para determinar o que constitui uma taxa de licenciamento justa e razoável. Esses mecanismos garantiriam que as taxas de licenciamento não criem barreiras à entrada para novos concorrentes, enquanto proporcionam remuneração justa aos detentores das patentes.

Tornar os medicamentos acessíveis e incentivar a inovação pode parecer desafiador, mas adaptar soluções de outros setores pode ser a chave para um sistema mais justo e eficaz, capaz de enfrentar os desafios globais de saúde de forma sustentável.logo-jota