Susana R. C. van der Ploeg

Alan Rossi Silva

Até o momento, a pandemia de Covid-19 vitimou, aproximadamente, 665 mil brasileiros. Entre os meses de março, abril e maio de 2021, o Brasil perdeu mais de 200 mil vidas para o vírus, cerca de um terço do total de vítimas. Foi justamente nesse período mortal que teve início, no Congresso Nacional, a CPI da Pandemia e a tramitação do <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-12-2021">PL 12/2021</a>, que buscava aprimorar o processo de licenciamento compulsório em tempos emergenciais.
O PL 12/2021, aprovado por 425 deputados federais e 61 senadores, foi transformado na <a href="https://in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.200-de-2-de-setembro-de-2021-342651440">Lei 14.200/2021</a>, sancionada com vetos em 2 de setembro de 2021. Os vetos, contudo, ainda não foram analisados e aguardam deliberação do Congresso, sobrestando a pauta desde outubro de 2021.
Apesar do surto de coronavírus permanecer como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), o mais alto nível de alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme regulamento sanitário internacional, portaria do Ministério da Saúde publicada em 22 de abril de 2022 declarou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/espin">ESPIN</a>).
O cenário é incerto e, apesar do avanço da vacinação, a desigualdade vacinal de âmbito nacional e internacional propicia o surgimento de novas variantes que podem escapar da resposta imunológica das vacinas. Nesse contexto, é importante a oferta de medicamentos essenciais para o tratamento das pessoas diagnosticadas com Covid-19.
No Brasil, em abril e maio de 2022, aprovou-se a incorporação de dois novos medicamentos: baricitinibe e o nimaltrevir/ritonavir. A partir da apresentação desses dois medicamentos, pretende-se demonstrar como o monopólio prejudica a sustentabilidade do SUS (Sistema Único de Saúde) e impossibilita a ampliação do acesso a tecnologias essenciais de saúde, sendo importante derrubar os vetos apostos ao PL 12/2021 para salvaguardar os princípios do SUS.
O baricitinibe foi aprovado pela Anvisa em setembro de 2021 para tratamento de pacientes internados com Covid-19. O relatório da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), responsável por avaliar as demandas de incorporação de tecnologia em saúde, indica que o medicamento é eficaz na redução da mortalidade e seguro para tratamento de pacientes adultos com Covid-19 hospitalizados que necessitam de oxigênio ou ventilação.
Contudo, a população elegível para a terapia foi subdimensionada, a partir da suposição de que a pandemia terá o mesmo padrão decrescente de hospitalizações observado até outubro de 2021. A incorporação do baricitinibe no SUS é fundamental para salvar vidas, entretanto, em razão do preço do medicamento, o público-alvo será restrito e a possível ampliação do fornecimento compromete a sustentabilidade do sistema de saúde pública.
Um estudo que estimou o custo de produção e comercialização de genéricos do baricitinibe concluiu que o preço oferecido pela farmacêutica detentora da patente é equivalente a 555 vezes o preço estimado do medicamento genérico, incluído nesse valor o custo de produção, 10% de margem de lucro e 26,6% de imposto sobre o lucro<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Já o Paxlovid, combinação de duas medicações antivirais, o nirmatrelvir e o ritonavir para tratamento do SARS-CoV-2, é um medicamento administrado por via oral, que não requer custos adicionais para a sua utilização. A incorporação ao SUS foi recomendada para pacientes com Covid-19 leve à moderada, não hospitalizados, que apresentam alto risco para agravamento da doença.
O relatório de incorporação considerou apenas 10% das populações-alvo: pacientes com idade igual ou acima de 65 anos e imunossuprimidos com idade igual ou acima de 18 anos. A impossibilidade de ampliação do público-alvo tem relação com o preço do Paxlovid: US$ 250. Com o dólar a R$ 5, o custo estimado do tratamento no primeiro ano seria de aproximadamente R$ 226 milhões, podendo chegar a R$ 1,4 bilhão no quinto ano.
Entretanto, a Pfizer realizou um acordo para distribuir o nirmatrelvir/ritonavir em 95 países de baixa e média renda. Os medicamentos serão vendidos a preço de custo e sem o recebimento de royalties enquanto a Covid-19 for classificada como ESPII pela OMS. O Brasil ficou de fora do acordo de licença voluntária da Pfizer, mas uma <a href="https://www.thepharmaletter.com/article/35-company-generics-deal-for-pfizer-s-pavlovid-prompts-msf-backlash">sociedade empresária brasileira produzirá o medicamento para exportação</a> e com a proibição de suprir a demanda local.
O custo estimado de produção e distribuição de genérico do nirmatrelvir/ritonavir é de US$ 73<a href="#_ftn2" name="_ftnref3">[2]</a>. Esse valor é aproximadamente 3,5 vezes menor do que o valor sugerido em relatório da Conitec.
A incorporação de ambos os medicamentos – baricitinibe e nirmatrelvir/ritonavir – no SUS é importante para salvar vidas, mas a restrição da população elegível, em virtude do preço dos medicamentos, contraria o princípio da universalidade.
Sem concorrentes, os valores dos remédios tendem a ser mais altos – o que garante lucro maior à indústria farmacêutica, dificulta o acesso e prejudica a concretização do direito fundamental à saúde. A apresentação dos preços dos medicamentos genéricos demonstra que as patentes têm um impacto negativo no acesso a bens de saúde, permitindo ao seu titular cobrar preços mais elevados para explorar o produto em situação de monopólio.
Em uma situação de monopólio temporário conferido pela patente, a negociação de preços baseada na livre concorrência fica impedida. Em contextos de emergências de saúde pública, é importante garantir medidas que possam minimizar o impacto da propriedade intelectual e, com isso, facilitar o acesso a produtos essenciais.
A licença compulsória é uma medida crucial de política de saúde, pois permite a produção de um medicamento patenteado, baixando assim o preço do produto no setor público e privado e ampliando o acesso à saúde e a medicamentos. Essa é uma das flexibilidades incluídas no acordo TRIPS e que garante ao titular da patente o direito de receber indenização pela exploração das invenções licenciadas.
Com efeito, a Lei 14.200/2021 buscou aprimorar o mecanismo do licenciamento compulsório, com o intuito de proteger a população brasileira de crises de abastecimento e preço que afetam a oferta de vacinas, medicamentos e outros produtos durante emergências de saúde. Entretanto, os vetos desfiguraram completamente essa proposta legislativa, desobrigando o fornecimento de informações essenciais para a reprodução do objeto sob licença compulsória.
Em um contexto de incertezas relacionadas à iniquidade vacinal, à duração da imunização promovida por vacinas, à duração da imunização promovida por infecções por Covid-19 anteriores e à resposta das vacinas a novas variantes da Covid-19 não é possível predizer se, de fato, estamos caminhando para o fim da pandemia ou se atravessamos um momento de relativa tranquilidade antes da próxima onda de contaminações e mortes.
A iniquidade no acesso às vacinas e aos medicamentos efetivos para o combate da Covid-19 é um problema ético, moral e sanitário. Sem acesso equitativo, a pandemia seguirá sendo um desastre para saúde pública e continuaremos a perder milhares de vidas desnecessariamente. É justamente agora que precisamos assumir nossa responsabilidade histórica, fortalecer as políticas públicas de saúde e proteger a nossa população. Essa é uma missão árdua e que não terminará logo, mas, sem dúvidas, a derrubada do <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/14586">Veto 48/2021</a> é o próximo passo que precisamos dar para alcançar esse objetivo.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Melissa Barber and Dzintars Gothan, Working Paper: Estimated cost-based generic prices for baricitinib <a href="https://scholar.harvard.edu/files/melissabarber/files/estimated_cost-based_generic_prices_for_baricitinib.pdf">https://scholar.harvard.edu/files/melissabarber/files/estimated_cost-based_generic_prices_for_baricitinib.pdf</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> Melissa J Barber and Dzintars Gotham. Working Paper. “<a href="https://scholar.harvard.edu/melissabarber/publications/estimated-cost-based-generic-prices-nirmatrelvirritonavir-paxlovid">Estimated cost-based generic prices for nirmatrelvir/ritonavir (Paxlovid)</a>”.

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JOTA

Vetos à Lei 14.200/21 desfiguraram proposta legislativa

Licenciamento compulsório de patentes e a sustentabilidade do SUS

Vetos à Lei 14.200/21 desfiguraram proposta legislativa que buscou aprimorar mecanismo do licenciamento compulsório de patentes