André Cyrino
Professor associado de direito administrativo da UERJ. Mestre e doutor em direito público pela UERJ. Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School

Após décadas de regulação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Congresso Nacional busca ser protagonista em matéria de licenciamento ambiental. Para tanto, aguarda sanção presidencial o PL 2159/2021, que se propõe a ser o estatuto geral desse tipo de licenciamento.
Entre as medidas propostas está a criação de um modelo mais simples para empreendimentos de baixo ou médio potencial poluidor. Trata-se da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a liberação de projetos mediante declaração do empreendedor de que cumpre os requisitos exigidos por lei, sem a necessidade de análise prévia do órgão ambiental.
Essa sistemática de autodeclaração provocou reações. Argumenta-se que seria forma de “dispensa de licenciamento”, ou uma “licença automática sem fiscalização”, o que violaria o princípio da precaução e o dever constitucional de licenciamento ambiental prévio para atividades potencialmente causadoras de danos ambientais. Essas visões talvez sejam apressadas, e não consideram a sistemática do modelo.
Pelo projeto, o primeiro passo para o licenciamento ambiental via LAC é a apresentação, pelo interessado, do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE). O documento indica o porte, a localização e o potencial poluidor da atividade. O RCE deve ainda demonstrar três condições cumulativas:
O RCE é instrumento de autodeclaração. O órgão licenciador não necessariamente verificará se o requerente atende às condições. De todo modo, segundo o texto, “as informações apresentadas pelo empreendedor no RCE poderão ser analisadas pela autoridade licenciadora por amostragem”. Feita a declaração, será outorgada a licença.
Uma vez concedida a LAC, a verificação da regularidade do empreendimento será realizada por meio de vistorias por amostragem. Inconsistências ou irregularidades podem levar à revisão da licença, aplicação de sanções (mais graves que as atuais) e à reavaliação do uso da LAC para determinada atividade.
A modelagem inovadora, de fato, implica simplificação administrativa que, no Brasil, tem valor e relaciona-se ao dever (também constitucional) de eficiência. O papel do Estado não será mais o de verificar, previamente, se pode ou não liberar a atividade, mas sim o de acompanhar e fiscalizar, posteriormente, intervindo apenas se forem identificadas irregularidades. Confia-se no particular, com fiscalização posterior e sanções mais graves.
A dúvida é se essa outorga simplificada seria incompatível com o dever de precaução e com a obrigação de licenciamento prévio. Não nos parece ser o caso.
Primeiro, porque a Constituição exige estudo prévio de impacto ambiental apenas para atividades “potencialmente causadoras de significativa degradação”. A LAC, por sua vez, é limitada a empreendimentos de menor impacto, conforme previsto no artigo 22 do projeto de lei.
Segundo, porque o princípio da precaução não exige que todo e qualquer empreendimento esteja sujeito ao mesmo grau de controle preventivo. A ideia é que o Estado atue de forma proporcional ao potencial de dano. Precaução não é sinônimo de paralisia e hiperfiscalização.
O modelo da LAC parte do reconhecimento de que determinadas atividades, com impacto ambiental limitado e controlável, podem ser objeto de procedimento menos rigoroso, acompanhado de cuidados proporcionais aos riscos, bem como mecanismos de verificação posterior. A própria definição legal da LAC restringe sua aplicação a casos em que os impactos são previamente conhecidos e as medidas de controle são claras, o que viabiliza o uso de estratégias regulatórias alternativas ao licenciamento tradicional, mais custoso.
Em terceiro lugar, o princípio da precaução não pode significar um comando de desconfiança geral, a inviabilizar o modelo de autodeclaração. O Estado deve agir de boa-fé, partindo da premissa de que também seus cidadãos agem de boa-fé. A modelagem por declaração oferece eficiência justificável em casos de menor potencial danoso. Mais: trata-se de meio regulatório responsivo que busca criar incentivos a que os bons empreendedores sintam confiança na sua atuação.
Mas não sejamos ingênuos. A LAC conviverá com declarações falsas. A verdade é que a má-fé existirá em qualquer tipo de modelo. Daí que a LAC demanda mecanismos eficazes de inspeção por amostragem, com base em risco, setores críticos e uso racional da fiscalização. É possível, ainda, cogitar-se (inclusive por regulamento) de meios digitais automatizados (e menos custosos) de controle da autodeclaração.
Além disso, é preciso fazer valer o modelo de sanções, as quais são mais pesadas que no modelo em vigor. Faz sentido: se, de um lado, simplifica-se o licenciamento, por outro, pune-se mais severamente o desvio. Em suma: é possível desenvolver instrumentos que combinem risco de detecção, severidade e seletividade de sanção, criando-se incentivos reais à conformidade.
Que a LAC, caso sancionada, seja um recado sincero aos empreendedores de boa-fé e, ao mesmo tempo, um sinal claro de confiança regulada.