João Victor Archegas

No dia 14 de junho vários apoiadores do Presidente Bolsonaro <a href="https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/twitter-suspende-contas-por-uso-suspeito-e-usuarios-reclamam-censura,2b60050091669f5cded008fa364e570esk24vhxa.html">reclamaram</a> do súbito desaparecimento de milhares de seus seguidores no Twitter. O ex-ministro Abraham Weintraub afirmou que perdeu cerca de 10 mil seguidores, mas que em seguida os números voltaram a subir. Já Eduardo Bolsonaro viu 15 mil seguidores deixarem sua página de uma só vez. O mesmo fenômeno foi relatado por outros membros e simpatizantes do governo federal.
Segundo informações apuradas pela <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/2021/06/14/em-acao-contra-o-uso-de-robos-twitter-suspende-contas">mídia</a>, o Twitter suspendeu diversas contas ao redor do mundo como parte de um esforço contínuo de combate ao uso de perfis automatizados (ou bots) na plataforma. Trata-se, portanto, de uma ação global que não focou apenas nos apoiadores do Presidente do Brasil. Ademais, segundo relatos, as contas afetadas não foram excluídas, mas apenas temporariamente suspensas. Os usuários que comprovarem sua "humanidade" poderão retomar o controle dos perfis.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Mas o que era para ser apenas uma ação de rotina da empresa se tornou mais um ponto de tensão no conturbado cenário político do país. Usuários que observaram seus números de seguidores caírem drasticamente acusaram o Twitter de censurar conservadores, favorecendo, assim, a esquerda política. Isso se deve à percepção de que os perfis de esquerda foram menos afetados pela medida, como é o caso da professora <a href="https://twitter.com/lolaescreva/status/1404503315128459268?s=20">Lola Aronovich</a> que disse ter perdido apenas 400 seguidores.
Temos aqui mais um sinal de que o debate sobre a moderação de conteúdo e comportamento nas redes sociais é pautado no Brasil apenas em termos de proteção ou violação da liberdade de expressão. Quando plataformas como o Facebook e o Twitter agem para limitar ou excluir conteúdos e comportamentos que podem causar danos aos usuários - como é o caso de comportamentos inautênticos baseados no uso de robôs no Twitter -, essas empresas são criticadas pelos usuários por demonstrarem um suposto viés político e falta de neutralidade.
Recentemente veio à tona que o governo federal está preparando uma minuta de decreto para regular o Marco Civil da Internet e blindar contas brasileiras contra as ações que foram tomadas pelo Twitter e Facebook nos EUA após a invasão do Capitólio. Caso o decreto seja assinado pelo Presidente, mesmo diante dos fortes<a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/governo-prepara-decreto-para-limitar-retirada-de-posts-e-perfis-das-redes-sociais.shtml"> indícios</a> de inconstitucionalidade e ilegalidade no texto, as plataformas seriam obrigadas a restringir suas atividades de moderação com base nas hipóteses previstas no ato, o qual, estrategicamente, não menciona desinformação ou <a href="https://central.pegabot.com.br/2020/11/19/o-que-e-comportamento-inautentico-coordenado/">comportamento inautêntico coordenado</a>.
Nesse sentido, o debate sobre a regulação das Big Techs voltou a ganhar força depois do episódio do dia 14. Reagindo ao desaparecimento repentino de seus seguidores, Eduardo Bolsonaro disse no Twitter que "o governo federal precisa urgentemente publicar decreto e enviar MP ao Congresso para acabar com esses abusos." Além disso, o filho do Presidente mencionou como exemplo um <a href="https://www.bbc.com/news/technology-55678502">projeto de lei</a> da Polônia que permite a aplicação de multas às plataformas digitais que extrapolarem limites legais ao longo de suas atividades de moderação e não restaurarem contas e conteúdos afetados pelas práticas.
O projeto polonês é conhecido como "lei de proteção à liberdade de expressão". Na mesma toada, o governo federal e seus apoiadores defendem o novo decreto para regular o Marco Civil com base na proteção da liberdade de expressão de usuários brasileiros de aplicações na Internet. O problema é que pautar um debate tão importante quanto a necessidade ou não de regulação de plataformas digitais com base na proteção ou violação da liberdade de expressão significa perder de vista algumas nuances que vão muito além dessa dicotomia.
O principal ponto que merece ser destacado é que acadêmicos e especialistas há muito pontuam a diferença entre a liberdade de expressão em redes sociais e uma pretensa "liberdade de viralização". Em um <a href="https://www.wired.com/story/free-speech-is-not-the-same-as-free-reach/">artigo</a> de 2018, Renee DiResta argumentou que não existe um direito à amplificação de conteúdo em redes sociais e que, para resolver alguns dos principais desafios enfrentados nesta seara, precisamos superar o debate político que enxerga censura em todos os cantos da Internet.
No mesmo sentido, Ronaldo Lemos defendeu em um <a href="https://twitter.com/lemos_ronaldo/status/1266078465469669377?s=20">tweet</a> que, embora todos tenham o direito de se expressar nos limites da lei, "não há direito a viralizar o que se diz, ainda mais artificialmente."
E é justamente aqui que se inserem as contas suspeitas que foram temporariamente suspensas pelo Twitter nesta semana. Não se trata de censurar um determinado ponto de vista - afinal, não se sabe exatamente qual tipo de conteúdo era compartilhado por esses perfis -, mas sim de coibir uma prática inautêntica e inorgânica que distorce e falseia o debate público online.
Contas automatizadas que são criadas com o intuito de aumentar artificialmente a popularidade de determinados atores políticos e de seus conteúdos não são instrumentos de liberdade de expressão, mas sim de uma fantasiosa "liberdade de viralização".
O Twitter age corretamente ao monitorar e limitar o uso desses bots e de exigir a verificação das contas antes que elas possam retornar à plataforma. Isso garante que a popularidade de perfis e conteúdos não seja artificialmente amplificada, o que pode distorcer a própria percepção do público a respeito de importantes pautas políticas, inclusive aquelas com imediatas implicações eleitorais como a <a href="https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2021/06/09/caca-robo-faz-cpi-covid-perder-o-medo-dos-ataques-bolsonaristas.ghtml">CPI da Covid-19</a> e a suposta fraude nas urnas eletrônicas.
Em outras palavras, a atuação da plataforma é no sentido de garantir uma paridade de armas na arena digital e isso envolve, inevitavelmente, restringir a atuação daqueles que estão se valendo de subterfúgios que violam os termos de uso dessas empresas.
Assim, é preciso superar urgentemente o maniqueísmo dos que só enxergam censura ou liberdade de expressão nas redes. Para além dessa dicotomia há uma importante discussão sobre práticas inautênticas e artificiais que favorecem a viralização de conteúdos e atingem em cheio a saúde do debate público na Internet.
Devemos criticar com a mesma intensidade o uso desses artifícios nas redes sociais assim como um dia criticamos práticas de amplificação artificial de protestos nas ruas. A arena pode ser outra, assim como as estratégias também mudaram, mas o desafio continua muito parecido: evitar distorções no debate público para que todos possam exercer sua liberdade de expressão em condições de igualdade.
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JOTA

Twitter suspendeu diversas contas como parte de um esforço contínuo de combate ao uso de bots

Liberdade de expressão nas redes não é liberdade de viralização

Twitter suspendeu diversas contas como parte de um esforço contínuo de combate ao uso de bots