Gustavo Gomes Rocha

Durante o conturbado período eleitoral, o TSE reafirmou a possibilidade de estabelecer limites à liberdade de expressão quando vinculada a fake news. Como medida principal, a Resolução 23.714<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> concedeu poderes ao tribunal de excluir conteúdo, suspender contas em mídias sociais e aplicar multas a conteúdos de desinformação que impactem a integridade eleitoral – o que causou grande desconfiança sobre uma usurpação de poderes por parte dos ministros.
Esse posicionamento, contudo, não foi exclusivo do período eleitoral; desde o fim das eleições de 2018, o STF construiu decisões baseadas em conter danos referentes às mídias sociais sobre o direito do eleitor de se informar com veracidade. O processo referente ao inquérito das fake news e questões voltadas às “milícias digitais”<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a> foram colocadas como prioridade pelos ministros Barroso, Fachin e Moraes que comandaram o processo eleitoral durante esse período.
O Supremo, dentro de todo esse contexto de conturbação política, esteve à frente de decisões que construíam um entendimento ao cerceamento da liberdade de expressão. O caso RE 1.010.606, apesar de favorável à liberdade da mídia informativa, demonstra uma posição da Suprema Corte de analisar os inquéritos ao modo “caso a caso”<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>.
Os ministros, dessa forma, optaram por uma tese que não define uma clara prevalência<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> dos direitos de honra, personalidade, imagem e privacidade sobre a liberdade de expressão – apesar de firmar tese para que os primeiros estejam em coerência com o segundo. O dever do Judiciário, dentro dessa formalização jurídica, deve ser de análise das minuciosidades dos fatos para que uma fundamentação justa prevaleça.
O TSE, mantendo essa postura, se comprometeu a controlar os impactos das redes de desinformação nas atuais campanhas, seguindo a lógica de que a liberdade de expressão não deve ser meio legitimador para discursos de ódio, antidemocráticos e infrações penais. Apesar de todo aparato judicial, os ministros não conseguiram garantir, dentro de parcela do imaginário popular, legitimidade e consciência social sobre a relevância de suas decisões para o eleitor.
O interesse dos ministros se insere na proteção da conjectura democrática, a qual deve apresentar meios defensivos para que órgãos de informação não disseminem notícias falsas no intuito de impactar a escolha dos membros do Executivo e Legislativo. Apesar da nova resolução do TSE, essa lógica de proteção ao direito de se informar do eleitor está garantida no próprio Código Eleitoral (art. 323) que apresenta o limite à liberdade de expressão frente a notícias falsas<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>.
Mesmo apresentando discursos e ferramentas de fundamentação normativa, as decisões da corte federal não geraram uma confiança na sociedade sobre a imparcialidade política dos ministros. O “ativismo judicial”<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a> aqui ficou marcado, perante o eleitorado, como uma tirania do Judiciário, visto que parcela da sociedade comprou a narrativa de um grau elevado de coercitividade das decisões do TSE sobre a campanha e apoiadores de Jair Bolsonaro<a href="#_edn7" name="_ednref7">[7]</a>.
Parte dos eleitores, assim, conferiu legitimidade a uma história de vitimismo e perseguição contra o presidente. Compreendendo de maneira eficaz o ambiente em que se encontrava e a forma de dialogar com seus militantes, a campanha bolsonarista teve como finalidade relacionar essa imagem de censura aos ministros do STF.
Bolsonaro, dessa forma, conseguiu gerar um ambiente de constante desconforto com os ministros. Alexandre de Moraes, por exemplo, foi caracterizado pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS) como um descumpridor da Constituição, chegando a pedir o impeachment do ministro<a href="#_edn8" name="_ednref8">[8]</a>.
O posicionamento do candidato do Partido Liberal não se limitou ao contexto das eleições. Durante todo o mandato o presidente instigou a formação de um cenário eleitoral conflituoso, em que as decisões judiciais opostas ao governo foram descredibilizadas de forma a fragilizar os ministros e o Judiciário como instituição – exemplo caracterizador desse tipo de política foram as disputas para implementação do voto impresso como “única” forma de legitimar uma futura auditoria.
Em acordo com esse contexto de descontentamento sobre o Judiciário, a bipolarização política alcançou níveis superiores durante as últimas semanas de forma que intensificou debates relacionados às decisões do Supremo sobre os possíveis limites e abusos à liberdade de expressão.
Casos como RE 1.010.606, ADO 26 e HC 82.424<a href="#_edn9" name="_ednref9">[9]</a> do STF já apresentaram que a liberdade de se expressar não pode ser desculpa para disseminação de discriminação religiosa, cultural, racial, de gênero e política. Da mesma forma, um ambiente eleitoral democrático se torna saudável quando trabalha com formas informacionais verídicas e de não ofensa a grupos sociais diversos da realidade nacional.
Na tentativa de promover um ambiente mais plural, a corte não ofereceu quesitos e limites jurídicos aos conflitos referentes à liberdade de expressão. As antigas decisões apresentaram apenas um caráter de guia, sem meios concretos de aplicação – gerando menos legitimidade ao ambiente eleitoral promovido pelo TSE.
O ativismo judicial, pouco transparente e solucionador dos problemas jurídicos, concedeu ao ambiente eleitoral ainda mais conturbação, intensificando a bipolarização política e fomentando a desinformação social. Esses efeitos terão impacto no curto prazo sobre o resultado do dia 30 de outubro (como o fechamento das rodovias por militantes de todo país), porém, mais preocupantes serão os efeitos de longo prazo.
O paralelo que podemos traçar vem dos Estados Unidos, onde o atual governo sofre grande resistência pelo imaginário social que vê Joe Biden como presidente ilegítimo. A crença vem da política eleitoral de Donald Trump que optou por não aceitar a derrota nas urnas em 2020, estimulando no imaginário republicano a ocorrência de possíveis deturpações do sistema de votos.
Apesar de Trump não ter permanecido no poder, o ex-presidente angariou apoio suficiente para construir um Legislativo favorável (assim como Bolsonaro). Para além do quesito de falta de apoio político, Biden também apresenta dificuldade em estabilizar a opinião pública, dada a intensificação da bipolaridade – cerca de 80% dos republicanos acreditam que as eleições de 2020 foram fraudadas com Trump como legítimo presidente<a href="#_edn10" name="_ednref10">[10]</a>.
Sendo assim, ambos os presidenciáveis se assemelham pela conquista de um público “núcleo duro”, os quais defendem seus líderes por meio de militâncias que conflitam constantemente com as eleições. Ademais, os mecanismos de desqualificação do sistema eleitoral também se assemelham, tendo como destaque a promoção de desinformação em massa e intensificação da bipolarização social. Nesse meio ocorre a proliferação de ideais radicais, gerando espaço para que a imparcialidade dos ministros do Judiciário seja contestada.
Apesar de o STF ter buscado afastar essa narrativa, suas decisões referentes à baixa tolerância com as fake news não geraram tal efeito. Quem sofre os impactos é o sistema eleitoral brasileiro, assim como a democracia e o ambiente social do país, pelo crescimento da bipolaridade e de extremismos políticos. Essa parcela da população defende cada vez mais uma ruptura com o atual sistema em prol de redesenhar instituições como o próprio STF – sendo liderados por figuras de extrema direita.
Apesar das diferenças sistemáticas, tanto Trump quanto Bolsonaro saíram derrotados e buscaram apresentar ações políticas para manutenção de suas narrativas. De modo eficiente, ambos vêm conseguindo construir ideais políticos para conquista de apoiadores para além do espectro da extrema direita que se encontram. Não sabemos se as ações do bolsonarismo conseguirão manter o impacto no imaginário político da sociedade no longo prazo, mas é fundamental não ignorarmos as rachaduras e vácuos de normatização jurídicas que foram explorados e apresentados para a população brasileira – cabendo aos meios jurídicos justificar de forma mais transparente e explícita suas intenções frente aos limites que a liberdade de expressão deve conter.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Link para resolução: <a href="https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2022/resolucao-no-23-714-de-20-de-outubro-de-2022">https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2022/resolucao-no-23-714-de-20-de-outubro-de-2022</a>.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Para mais informações referentes o a forma de posicionamento do TSE em relação a liberdade de expressão: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tse-na-linha-de-frente-da-democracia-defensiva-a-flor-e-a-nausea-21102022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tse-na-linha-de-frente-da-democracia-defensiva-a-flor-e-a-nausea-21102022</a>
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Decisão do RE 1.010.606 firmou tese que atribui a necessidade de uma decisão coerente frente a conflitos de direitos de honra, imagem, privacidade e personalidade: <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5091603">https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5091603</a>
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Para melhor compreensão da falta de postura do STF aos limites que poderiam ser impostos a liberdade de expressão ver: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-anderson-schreiber/cala-a-boca-ja-morreu-03012022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-anderson-schreiber/cala-a-boca-ja-morreu-03012022</a>.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado.
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> Para mais informações sobre o ativismo judicial ver: Barroso, Luís Roberto. Contramajoritário, Representativo e Iluminista: Os papeis dos tribunais constitucionais nas democracias contemporâneas. Rio de Janeiro: Direito &amp; Praxis, 2017.
<a href="#_ednref7" name="_edn7">[7]</a> Apesar de Lula, Rodrigo Janones e Gleise Hoffmann também possuírem posts excluído de suas redes sociais. Para mais informações: <a href="https://exame.com/brasil/tse-determinar-remocao-de-posts-de-andre-janones/">https://exame.com/brasil/tse-determinar-remocao-de-posts-de-andre-janones/</a>.
<a href="#_ednref8" name="_edn8">[8]</a> Lasier defende impeachment do ministro Alexandre de Moraes, Fonte: Agência Senado, 25/10/2022.
<a href="#_ednref9" name="_edn9">[9]</a> – Para acesso das decisões: (ADI26):<a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=748686816&amp;prcID=4515053">https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=748686816&amp;prcID=4515053</a> e (HC82.424):<a href="https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur96610/false">https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur96610/false</a>.<a href="#_ednref10" name="_edn10"></a>
[10] Para mais informações sobre uma comparação política entre Brasil e EUA ver: <a href="https://www.estadao.com.br/politica/a-caminho-da-ingovernabilidade-eua-servem-de-alerta-ao-brasil/">https://www.estadao.com.br/politica/a-caminho-da-ingovernabilidade-eua-servem-de-alerta-ao-brasil/</a>

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JOTA

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