Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento

Há mais de 20 anos foi estabelecido um debate entre o professor da Universidade de Harvard, Lawrence Lessig, e o juiz Frank H. Easterbrook, do Tribunal de Apelações do Sétimo Circuito dos Estados Unidos.
Tudo começou em 1996, em uma conferência sobre Direito Cibernético (também chamado de Direito da Tecnologia da Informação), quando Easterbrook palestrou comparando a recém-criada disciplina de “Direito da Tecnologia da Informação” ao "Direito do Cavalo". Posteriormente, ao publicar um artigo sobre o tema, ele escreveu:
"[...] a melhor maneira de aprender a lei aplicável a empreendimentos especializados é estudar regras gerais. Muitos casos tratam de vendas de cavalos; outros tratam de pessoas chutadas por cavalos; ainda mais tratam de licenciamento e corridas de cavalos, ou com o cuidado que os veterinários dão aos cavalos ou com os prêmios em feiras de cavalos. Qualquer esforço para reunir esses fios em um curso sobre 'O Direito do Cavalo' está fadado a ser superficial e a perder os princípios unificadores." <a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A comparação de Easterbrook entre o campo então emergente do Direito da Tecnologia da Informação e o "Direito do Cavalo" é uma tentativa séria e legítima de alertar os juristas acerca dos perigos do desenvolvimento de campos especializados do Direito sem antes identificar se já existe um corpo de leis gerais aplicável aos fatos.
O autor acreditava que a legislação não seria capaz de se adaptar ao rápido ritmo de mudança dos computadores e que seria melhor estudar direito dos contratos ou leis de propriedade intelectual aplicadas às redes de computadores para compreender o tema.
Mas seria mesmo o “Direito da Tecnologia da Informação” equiparável a um pretenso “Direito do Cavalo”? Ou estamos tratando de fenômenos sociais diversos?
Em resposta a Easterbrook, Lessig publicou em 1999 um texto chamado "Direito do Cavalo: o que o Direito Cibernético pode ensinar".<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>
O autor argumenta que regular o ciberespaço não é apenas considerar a aplicação das leis gerais e da jurisprudência ao ambiente virtual, mas sim considerar o arcabouço de ferramentas regulatórias específicas das quais a sociedade dispõe para constranger o comportamento online. Assim, Lessig procura estruturar o campo do Direito da Tecnologia da Informação com base na teoria da regulação. E sendo a arquitetura do mundo virtual regida pelo código, Lessig chega à sua famosa afirmativa de que na internet, o “código é a lei” (Code is Law).
<blockquote class="jota-article__eye">Resumidamente, o que ele quer dizer é que o código regula o mundo virtual tal como as leis da física regulam o mundo físico. Mas enquanto as leis da física são imutáveis, o código pode ser alterado por um programador.</blockquote>
Entendo que a simples e brilhante conclusão de Lessig torna-se ainda mais importante a partir do momento em que o mundo virtual passa a modificar até mesmo a forma que enxergamos o mundo real. Por exemplo, aplicativos como Waze, Google Maps e Uber mapeiam nosso ambiente físico e fazem com que nós enxerguemos o espaço público pelas lentes deles.
Dessa forma, enquanto a arquitetura da rua é criada pelo administrador público, que pinta faixas de pedestres, coloca placas e sinais, e regula seu uso valendo-se de normas postas por legisladores, o traçado virtual dessa mesma rua é criado e regulado por programadores, que por vezes estabelecem até mesmo limites de velocidade diferentes daqueles postos pelo poder público. Ou seja, os aplicativos são capazes de influenciar no ordenamento do espaço público.
Os exemplos que coloquei contribuem para o argumento de Lessig no sentido de que por vezes o mundo dos fatos é alterado de modo a exigir o desenvolvimento de teorias jurídicas específicas, gerando situações que não são comparáveis ao “Direito do Cavalo”. Caso contrário jamais teríamos a criação de novas disciplinas no Direito.
Portanto, de acordo com Lessig, há lições a serem aprendidas com o estudo do Direito da Tecnologia da Informação que influenciarão a interpretação e aplicação dos demais ramos do Direito, tal como o Direito Civil, o Direito Penal ou o Direito Administrativo. Sem uma disciplina dedicada a compreender como o código virtual regula o ambiente online, os juristas e legisladores correm o risco de ver esse código substituir a lei como principal elemento de regulação da sociedade virtualizada.
Assim, é possível concluir que contemporaneamente há necessidade de estudar de forma específica os aspectos jurídicos do ciberespaço, bem como seu papel na sociedade e os instrumentos que podem regulá-lo. Tal corpo de regras e princípios não se enquadra na visão que Easterbrook tem do curso de “Direito do Cavalo”. Ao revés, justifica a criação de uma disciplina jurídica autônoma.
Nesse contexto vale ressaltar que Direito da Tecnologia da Informação é um campo do Direito, e não da informática.
É evidente que o conhecimento de termos técnicos é necessário e que a familiaridade com o mundo dos fatos facilitará a compreensão do jurista quando da interpretação e aplicação da norma, contudo não é esperado que especialistas em Direito da Tecnologia da Informação sejam programadores ou técnicos de informática.
Em outras palavras, juristas não precisam saber criar robôs, programar aplicativos ou ser hackers. O que se espera é que eles entendam a respeito da regulamentação do tema. Exemplificando, o especialista em Direito da Tecnologia da Informação deve ser capaz de determinar a roupagem jurídica adequada e prever as consequências legais da adoção de um ou de outro tipo de inteligência artificial, mas não é exigido que ele saiba por si só desenvolver a tecnologia. Afinal, não é necessário ser um engenheiro ambiental para entender de Direito Ambiental, bem como não é preciso cometer crimes para entender de Direito Penal.
O que cabe aos juristas é pensar a tecnologia à luz do Direito, adequando-a ao ordenamento jurídico posto.
Portanto, entendo que o Direito da Tecnologia da Informação deve ser considerado uma disciplina jurídica autônoma. E é chegada a hora de ele ser tratado como tal pelos juristas, pois os problemas que o uso da tecnologia causa já estão postos nos Tribunais de Justiça, exigindo dos atores processuais conhecimento suficiente para solucionar esses conflitos. Em outras palavras, para que a solução jurídica adequada seja alcançada, os atores processuais precisam compreender os princípios específicos que regem a matéria do Direito da Tecnologia da Informação.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Frank H. Easterbrook, "Cyberspace and the Law of the Horse," 1996 University of Chicago Legal Forum 207 (1996). Disponível em: &lt;<a href="https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&amp;httpsredir=1&amp;article=2147&amp;context=journal_articles">https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&amp;httpsredir=1&amp;article=2147&amp;context=journal_articles</a>&gt;.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Lawrence Lessig, “THE LAW OF THE HORSE: WHAT CYBERLAW MIGHT TEACH” (1999). Disponível em: &lt;<a href="https://cyber.harvard.edu/works/lessig/finalhls.pdf">https://cyber.harvard.edu/works/lessig/finalhls.pdf</a>&gt;.

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JOTA

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