Caio de Souza Loureiro

No meio das discussões de medidas anticíclicas, com vistas à recuperação econômica, muito se discute acerca das reformas trabalhista e previdenciária. Ao largo desse protagonismo, há uma medida que pode resultar em efeitos positivos imediatos na economia, a despeito da pouca atenção que lhe tem sido dispensada: o PL 3636/2015, que altera a Lei 12.846/13 (a chamada “Lei Anticorrupção”).
Inspirada numa preocupação mundial com o combate à corrupção, a Lei 12.846/13, aprovada em toque de caixa como uma das respostas aos movimentos populares de 2013, tem na sua origem dois grandes equívocos na tarefa de incorporar ao Direito nacional elementos que já vinham sendo empregados com êxito em outros países.
Em primeiro lugar, a Lei Anticorrupção nasceu apartada dos precedentes legais que já há algum tempo regulamentavam medidas de identificação e combate à corrupção e, também, competências concorrentes entre diversos órgãos de controle. O leque de normas que regem esse tema é amplo: Código Penal, Lei de Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa, Lei Orgânica do TCU, Lei de Licitações, dentre outros, são todos diplomas com regras específicas para combater a corrupção e com a atribuição das correspondentes competências punitivas. Todo esse aparato legislativo só não foi completamente ignorado pela Lei Anticorrupção por conta de algumas citações pontuais à Lei de Licitações.
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Por outro lado, ao importar o acordo de leniência (já previsto na legislação antitruste), a Lei Anticorrupção o fez de modo tímido e ineficaz. Talvez influenciada pelo momento histórico da sua edição, a Lei traduziu regulação genérica e de pouco estímulo à celebração desses acordos. A falta de clareza dos procedimentos e da competência, de um lado, e a delimitação extremada dos benefícios à empresa proponente, do outro, tornam esses acordos inócuos.
A comprovação dos equívocos da regulamentação atual é dada pela situação das empresas que procuraram negociar acordos de leniência –  mesmo as que já celebraram – e se depararam com insegurança jurídica e instabilidade institucional que dificultam a eficácia desses acordos. De um lado, não se sabe nem sequer qual órgão ou entidade pública deve ser procurada pelo particular interessado em negociar o acordo. Mesmo a escolha mais aderente à Lei pode se mostrar equivocada, pois é sabida a resistência do Ministério Público aos acordos negociados pela CGU. Contra ambos, o TCU já tomou medidas práticas contra a competência da CGU e já se manifestou publicamente para questionar acordos celebrados pelo MPF.
O PL 3636 pretende, justamente, aprimorar esse cenário, ao corrigir as lacunas da Lei Anticorrupção, especialmente em relação à divisão de competências institucionais para a sua celebração, e deixar mais claros os incentivos para que empresas aceitem firmar estes acordos. Essencialmente, o que se espera dessas alterações é o estímulo à celeridade na negociação e a garantia de continuidade da atividade produtiva das empresas envolvidas na investigação de atos de corrupção.
Os benefícios oriundos dessa nova realidade não podem ser ignorados, tanto que notícias dão conta de que entidades de interesses contrapostos (CNI e CUT) apoiam as alterações na regulação dos acordos de leniência. Nesses esforços, é primordial não reduzir a discussão a uma suposta tentativa espúria de mitigar o combate à corrupção. Esse tipo de alegação já foi responsável por inviabilizar a MP 703, que também pretendia aprimorar a celebração dos acordos de leniência, mas foi incorretamente interpretada como um instrumento de “salvação das empreiteiras envolvidas na lava à jato”.
Esse tipo de pensamento ignora por completo as razões que levam à leniência da pretensão punitiva estatal. Mais do que abrandamento da sanção (e é preciso lembrar que o acordo de leniência não elide integralmente penas aplicadas à empresa), o que se procura com o acordo de leniência é o encerramento rápido e eficaz de processos investigativos. É sabido que a crise de confiança que se abate sobre empresas investigadas e os recursos empregados na sua defesa destrói ganhos e a imagem da companhia, prejudicando o seu negócio. No limite, a perenidade dessa situação implica na destruição da atividade empresarial, condenando a empresa à extinção.
A conjuntura atual do setor de construção pesada é o melhor exemplo dos efeitos deletérios do longo tempo de investigação de empresas, submetidas diariamente aos holofotes: contratos já em execução são interrompidos ou extintos, o acesso ao crédito é praticamente encerrado, novas oportunidades de negócios deixam de existir. Como pano de fundo, o risco de uma eventual declaração de inidoneidade, a impedir que a empresa seja contratada pela Administração, equivale a uma sentença de morte para empresas que têm na contratação governamental seu core business. E aos que acham açodadamente que esse é um problema que se resume ao setor de construção pesada, é preciso relembrar que outras operações com potencial lesivo equivalente à Lava à Jato já alcançam indústrias, empresas de varejo e instituições financeiras.
Daí porque a defesa da aprovação do PL 3636 não representa por a perder avanços no combate à corrupção. Ao contrário, as medidas nele previstas predicam incrementar o desincentivo à corrupção e, principalmente, racionalizar esse combate, ao assegurar concomitantemente a punição do ilícito e a manutenção da atividade produtiva das empresas.

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JOTA

A necessária aprovação do PL 3636/2015

Leniência e crescimento econômico

A necessária aprovação do PL 3636/2015